Niklas Wesner/The New York Times
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“Cegueira por desatenção”. Ter smartphone na mão mudou a forma como caminhamos

Curvar-se sobre um dispositivo pode atrapalhar sua marcha, desacelerá-lo e, até, envenenar seu humor. Aumenta os níveis de stress e traz outros problemas de saúde. E isso antes de poder tropeçar e cair.
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Se passar algum tempo num passeio cheio de pessoas, observará cabeças inclinadas e olhares voltados para baixo. Um estudo recente com estudantes universitários revelou que um quarto das pessoas que atravessavam os cruzamentos estavam coladas a um dispositivo.

“Acho que as pessoas não estão cientes do quanto se distraem e do quanto a sua consciência situacional muda quando estão a caminhar e a utilizar um telemóvel ao mesmo tempo”, disse Wayne Giang, professor assistente de engenharia na Universidade da Flórida, que examinou a ligação entre a utilização do telemóvel e as lesões sofridas em caminhadas.

De facto, os nossos dispositivos podem causar aquilo que alguns especialistas chamam de “cegueira por desatenção.” Um estudo concluiu que os participantes tinham metade da probabilidade de reparar num palhaço num monociclo – um pormenor bastante conspícuo – enquanto caminhavam e falavam ao telefone.

Porém, esse ecrã na sua mão não está apenas a desviar a sua atenção. Também altera o seu ânimo, o seu passo e a sua postura, além de dificultar a sua capacidade de ir do ponto A ao B sem percalços.

A forma como um telemóvel quebra o seu ritmo

Quando caminhamos e usamos o telemóvel ao mesmo tempo, disse Giang, ajustamos reflexivamente a forma como nos movemos. Filmagens de peões mostraram que as pessoas que usam telemóveis caminham cerca de 10% mais devagar do que as pessoas sem distrações.

“Vemos uma série de alterações na marcha que refletem um abrandamento”, disse Patrick Crowley, gestor de projetos na Universidade Técnica da Dinamarca que estudou a biomecânica do andar enquanto se utiliza um telemóvel. “As pessoas dão passos mais curtos e passam mais tempo com os dois pés no chão.”

Estas alterações podem dificultar o trânsito no passeio. Se caminhar constitui uma grande parte da sua atividade física diária, passear com um telemóvel pode afetar a sua forma física, disse Elroy Aguiar, professor assistente de ciências do exercício na Universidade do Alabama.

O facto de olhar para um smartphone enquanto caminha – em vez de se manter direito – também pode aumentar a quantidade de carga, ou força, colocada no pescoço e nos músculos da parte superior das costas, podendo contribuir para os sintomas do “pescoço de texto.” Uma investigação publicada na revista Gait & Posture sugere ainda que tudo isto pode reduzir o equilíbrio e aumentar o risco de tropeçar ou cair.

Como afeta a sua disposição

Quando os cientistas querem estudar o stress, frequentemente pedem às pessoas que realizem várias tarefas ao mesmo tempo. Isto deve-se ao facto do multitasking ser uma forma segura de stressar as pessoas.

Existem evidências de que caminhar enquanto utiliza o telemóvel tem o mesmo efeito, embora não nos apercebamos disso no momento. Uma experiência revelou que quanto mais as pessoas utilizavam o telemóvel enquanto caminhavam numa passadeira, mais os seus níveis de cortisol, a chamada hormona do stress, tendiam a aumentar.

Um estudo de 2023 examinou os efeitos psicológicos de caminhar num parque ao ar livre enquanto olha para o telemóvel ou não. “De maneira geral, depois de dar um passeio, as pessoas sentem-se melhor e constatámos isso no grupo de caminhada sem telemóveis”, afirmou Elizabeth Broadbent, uma das autoras do estudo e professora de psicologia da saúde na Universidade de Auckland, na Nova Zelândia.

“Nos grupos que caminharam com o telemóvel, estes efeitos inverteram-se”, acrescentou. “Em vez de se sentirem mais positivas depois do passeio, as pessoas sentiam-se menos positivas, menos entusiasmadas, menos felizes, menos descontraídas.”

Ela e os coautores do seu estudo atribuíram estes efeitos negativos à falta de ligação do utilizador do telemóvel com o ambiente que o rodeia. “Agora é amplamente aceite que passar algum tempo a caminhar em espaços naturais é bom para o ânimo e saúde mental. Parece que, para obter estes benefícios, é importante que a sua atenção esteja virada para o ambiente e não para o seu telemóvel”, afirmou.

Os perigos da distração

A maioria de nós compreende que caminhar e utilizar o telemóvel pode ser arriscado. Em algumas cidades, como Honolulu (Havia), foram mesmo aprovadas leis para controlar os peões distraídos. Contudo, a investigação sobre esses perigos tem revelado algumas surpresas.

O trabalho de Giang analisou a relação entre “caminhar distraído com o telemóvel” e as visitas às urgências. Mediante a utilização de dados governamentais dos anos entre 2011 e 2019, ele e os seus colegas identificaram quase 30 mil lesões causadas por telemóveis. Apesar de muitos desses acidentes terem ocorrido em ruas e passeios, cerca de uma quarta parte aconteceu em casa. Tropeçar em alguma coisa ou cair nas escadas é um risco real, afirmou Giang.

O seu estudo concluiu que a idade é um dos principais fatores de risco para as lesões resultantes de caminhar com o telemóvel. Os jovens com idades compreendidas entre os 11 e os 20 anos registaram a maior percentagem de lesões, seguidos dos adultos com 20, 30 e 40 anos, talvez porque os jovens utilizam mais os telemóveis do que os mais velhos, afirmou.

Então, como é que se mantém em segurança? Se quiser consultar o seu telemóvel, Giang recomenda que pare por um momento, de preferência fora do caminho de outros peões.

Se caminhar e utilizar o seu dispositivo ao mesmo tempo, aconselha a não o fazer quando estiver perto de escadas, passadeiras e pavimentos instáveis ou irregulares – todos os locais onde, de acordo com a sua investigação, é mais provável que ocorram acidentes.

“Mesmo as pessoas atentas e conscientes magoam-se ao caminhar”, acrescentou. “Se se distrair com o telemóvel, está certamente a colocar-se em risco.”

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