Catarina Fróis: "O trabalho de campo nas prisões afetou-me como pessoa"

A antropóloga Catarina Fróis passou um ano a realizar trabalho de campo na cadeia feminina de Odemira, que resultou no livro "Mulheres Condenadas -Histórias de Dentro da Prisão"
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O livro "Mulheres Condenadas -Histórias de Dentro da Prisão", foi lançado recentemente. Catarina Fróis, 40 anos, antropóloga, conta que a experiência de observação e entrevistas com mulheres presas numa cadeia que tem só 56 reclusas, a transformou como pessoa. Concluiu que as cadeias deviam ser mais como a de Odemira na sua dimensão acolhedora e que falta muito apoio psicológico no sistema prisional.

No livro refere que Odemira é um estudo de caso, mais similar às cadeias nórdicas, que são, por norma, espaços pequenos favoráveis à proximidade e acompanhamento do recluso. Depois do que ali viu e assimilou, crê que seria possível replicar o modelo de Odemira em outras prisões portuguesas?

É conhecida a situação de sobrelotação dos estabelecimentos prisionais (EP) portugueses e em termos de gestão de recursos, a política tende a ser a da existência de cadeias de grande dimensão e não o seu inverso, na medida em que EP pequenos como o de Odemira acabam por tornar-se mais dispendiosos. Porém, mesmo as prisões maiores poderiam ter um funcionamento e ambiente semelhante ao de Odemira e às prisões nórdicas se, por exemplo, houvesse mais recursos humanos nas diferentes alas/pavilhões - guardas, técnicos - que possibilitassem justamente esse acompanhamento próximo.

Estas mulheres vêm da pobreza e com problemas que começam muitas vezes na família de origem, como observou. Acredita que para algumas será possível a reabilitação?

Apesar do impacto negativo e do sofrimento que implica a privação da liberdade em meio prisional, no caso de Odemira tinha a perceção que, até certo ponto, as mulheres estavam num ambiente protegido em que não tinham de se deparar com problemas de natureza diversa, como despesas de alojamento, água, luz, gás ou transporte. Nem se deparavam com outro tipo de privações relacionadas com violência física e psicológica de que também eram vítimas (ou autoras, nalguns casos) antes. O que sabemos, tendo em conta alguns casos de reincidência, é que independentemente do tempo passado na prisão, e das mudanças que ocorrem em termos pessoais, o apoio que é fornecido talvez não seja suficiente. Também nos podemos perguntar se, antes de serem presas, esse apoio foi eficaz, tendo em conta algumas das situações que se descrevem no livro.

"O homem vai preso sozinho, a mulher leva os problemas todos com ela", refere um guarda prisional que citou. O fardo delas é maior do que o dos presos homens?

O que o guarda prisional queria dizer é que as mulheres quando vão presas continuam a ser aquilo que nalguns casos eram antes de serem presas, isto é, as principais cuidadoras da casa. No caso dos homens entendem que são mais autónomos.

Estas mulheres precisavam de mais apoio psicológico?

A falta de apoio psicológico é uma lacuna evidente não só em Odemira mas na generalidade das prisões portuguesas. Apesar de haver um acompanhamento psiquiátrico que depois se traduz na prescrição de medicamentos, a intervenção ao nível da saúde mental seria prioritária e, além disso, o acompanhamento das pessoas toxicodependentes, formação sobre violência doméstica, entre outros aspetos.

Algumas destas reclusas escreveram-lhe depois de terminado o estudo que realizou?

Não troquei contactos pessoais com nenhuma reclusa - nem tal me foi pedido - embora houvesse sempre muita curiosidade em saber quando é que o livro "estava pronto". Enviei um exemplar para a Diretora do EP que seria adicionado à biblioteca da prisão e portanto acessível a todos (inclusive guardas prisionais).

Como é que esta experiência a transformou, como mulher e como antropóloga?

Não diria que o trabalho de campo em prisões me tenha afetado nem como mulher nem como antropóloga mas sim como pessoa, com a capacidade (e por vezes incapacidade) de gerir as emoções que daqui advêm sem que haja um reflexo no trabalho rigoroso, cientifico e objetivo que me propus e que se espera que faça, enquanto cientista social.

Perfil

› Catarina Fróis, 40 anos, é doutorada em Antropologia Cultural e Social pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. É professora auxiliar convidada no ISCTE-IUL.

› É casada e mãe de duas filhas, a Marta, de 10 e a Francisca, de 12.

› No início do livro, a autora escreveu: "Eu saía da prisão mas a prisão não saía de mim". A filha Marta perguntava porque a mãe escrevia "histórias tão tristes", a Francisca "não compreendia porque é que as pessoas cometiam crimes".

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