Em momento anterior escreveu a propósito do edificado em Portugal que “é necessário pensar numa política de reabilitação que possa ser abraçada pela maior parte da população, e não apenas servir um ‘nicho’ da construção”. Qual o alcance destas suas palavras?Hoje, é necessário que a população que habite edificações com maior risco aos sismos tenha acesso a uma reabilitação e não apenas uma pequena minoria o possa fazer. Para já o que acontece é que a reabilitação é utilizada apenas nos edifícios mais valiosos ou pertença do Estado, sendo que a maioria dos outros proprietários não têm capacidade financeira para pagar a reabilitação..Com efeito, a regulamentação sobre obras de reabilitação surge somente em 2019, resolvendo uma lacuna muito grave da não existência de qualquer legislação. Acontece que passados cinco anos sobre a entrada em vigor desta legislação verifica-se que apenas o segmento do imobiliário com maiores posses ou que venha a utilizar esses edifícios como prédios de rendimento, tem possibilidades financeiras para cumprir o que a legislação obriga..A grande maioria dos proprietários vivendo em condomínios, não tem capacidade financeira para os custos que a reabilitação sísmica requer. Para evitar que essa maioria de prédios que apresentam risco elevado aos sismos, possa ver o seu risco reduzido significativamente, urge desencadear iniciativas que passam por uma das duas grandes “possibilidades”, individuais ou combinadas..Quais são essas iniciativas?Primeiro, há que permitir que a atual lei para a reabilitação não seja tão exigente como se apresenta agora, permitindo chegar a patamares mais reduzidos do que aqueles exigidos por lei, e assim aumentar, nem que seja parcialmente, a segurança dos edifícios. Em segundo lugar, há que tentar desinflacionar os custos praticados. Estas metodologias já estão a ser prosseguidas, ainda que de forma experimental, em países como a Itália, a Nova Zelândia e o Estado da Califórnia..Recentemente, alertou para o risco de centenas de berçários e infantários instalados em edifícios de habitação antigos correrem o risco de colapsar ou sofrer danos severos quando se repetir um grande terramoto. Gostaria de o ouvir a este propósito..A reabilitação das creches e do equipamento pré-escolar é da mais alta prioridade. Muitas creches e equipamentos pré-escolares localizam-se em edifícios que não cumprem as exigências para um bom comportamento sísmico. As crianças que passam os dias nestes espaços constituem um dos maiores “viveiros” para a nossa sobrevivência coletiva e não podem ficar à mercê do mercado. Muitos destes equipamentos ocupam os pisos inferiores de prédios antigos, onde o risco sísmico é elevado, e outros são ilegais. Seria muito importante realizar um levantamento de tudo o que existe para conhecer o respetivo risco e poder decidir o que fazer em termos de reabilitação ou de mudança para locais mais seguros..Muitos edifícios históricos em Portugal foram construídos sem preocupação sísmica. Quais são os principais desafios para reabilitar este tipo de construção e garantir que esteja em conformidade com as atuais normas de segurança sem comprometer o seu valor histórico?É necessário garantir a segurança destas edificações, tornando-se indispensável conhecer bem toda a sua evolução desde a construção até aos dias de hoje, incluindo as obras realizadas ao longo do tempo. Trata-se de um processo complexo que deve ser trabalhado em conjunto com arqueólogos, historiadores, arquitetos e engenheiros, de forma a alcançar um consenso sobre a segurança sísmica. A tecnologia avançou muito nos últimos anos, permitindo conhecer estes edifícios e a sua evolução sem utilizar métodos intrusivos que possam violar a sua integridade física. Além disso, qualquer reforço necessário pode ser mais compatível com os materiais da época da construção, utilizando técnicas construtivas atuais que sejam compatíveis com a “leitura” que se faz da estrutura. Claro que há casos em que os materiais são muito frágeis e a tecnologia empregue é desaconselhada à luz do conhecimento atual, tornando-se praticamente impossível garantir resistência sísmica, e a demolição pode ser a única solução viável. Para além do edifício, especial atenção deve ser dada para as coleções do património cultural, onde incluo objetos, obras de arte, acervos, entre outros, que em caso de sismo podem tombar e perder-se..Quais são os principais desafios para garantir a implementação efetiva de normas de construção antissísmica em Portugal?Nos tempos mais recentes, e para facilitar o licenciamento, criaram-se leis que simplificam a observância das regras impostas pela legislação, transferindo para o projetista e a entidade promotora o ónus da fiscalização e do controlo de qualidade. Isso faz com que tratemos destes assuntos com base em pressupostos de conhecimento e honestidade pela parte dos intervenientes no processo construtivo. Deveria, tal como em outros países, haver mecanismos que permitam realizar a fiscalização, mesmo que seja por amostragem. .Os edifícios de maior porte ou aqueles construídos pelo Estado estão sujeitos a regras mais exigentes, como a “revisão de projetos”, o que, naturalmente, garante um melhor cumprimento das normas. A existência de um seguro obrigatório, cujo prémio esteja indexado ao risco sísmico do edifício, vai ao encontro de uma política de responsabilidade na prática construtiva..A tentativa de estabelecimento de um fundo para catástrofes também segue uma abordagem semelhante e, uma vez constituído, será uma almofada financeira importantíssima para uma recuperação mais rápida após um sismo, tornando a sociedade mais resiliente. Atualmente, a penetração do seguro sísmico situa-se apenas nos 16%, um número baixo em comparação com outros países.