Cancro nos jovens. Mama, testículo e linfoma afetam população abaixo dos 40 anos
Pedro Correia / Global Imagens

Cancro nos jovens. Mama, testículo e linfoma afetam população abaixo dos 40 anos

O aumento do número de cancros entre os mais jovens na última década está a preocupar os especialistas. Em Portugal faltam dados sobre as faixas etárias mais novas e também deteção precoce. O Serviço de Oncologia do Santa Maria está a coligir os seus próprios dados,e no Porto, o i3S avança com novas formas de deteção.
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Nos primeiros meses de 2024 há um alerta a soar: estão a aumentar os novos casos de cancro entre os mais jovens (faixa abaixo dos 40 anos). Há várias publicações internacionais que já o tornaram público, numa altura em que faltam em Portugal registos atualizados.

Um estudo que envolve cerca de 30 mil pacientes de Málaga (Espanha), e que começou a ser feito há quase 10 anos, concluiu que existe um aumento da incidência de cancro na população entre os 20 e os 45 anos. Segundo a JCO Global Oncology, as neoplasias mais comuns nos doentes mais jovens são a mama, testículo e linfoma não Hodgkin (38,6%). Dos 29 737 pacientes seleccionados, 29 514 tinham idade igual ou superior a 20 anos no momento do diagnóstico, e em 25 336 casos, o órgão envolvido correspondia a uma das 18 neoplasias incluídas no estudo.

O oncologista Luís Costa vale-se não apenas desta como de várias publicações internacionais, já deste ano, para deixar o alerta: “Isto não pode ser ignorado”. Nos últimos anos, o serviço que dirige começou a notar um aumento do número de novos casos, e isso levou-o a coligir dados, comparando 2019 com 2023, um trabalho que está prestes a concluir, sabendo que o RON (Registo Oncológico Nacional) tem os últimos dados disponíveis com data de 2020.

“Aumentámos muito o número de doentes”, confirma ao DN o diretor do serviço de oncologia do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, nomeadamente aqueles que estão na faixa etária abaixo dos 40 anos. Também ele é coautor de uma das publicações em causa, o boletim da Fundação Breast Cancer in Young Woman. Num artigo publicado recentemente, levanta uma questão pertinente: “Os programas de rastreio do cancro da mama para a população em geral não incluem tipicamente mulheres com menos de 40 anos, contribuindo indiretamente para os atrasos de diagnóstico”. 

Perguntas sem resposta

Há muitos anos que Luís Costa procura respostas para perguntas que os doentes lhe fazem. Mas desinquietou-o particularmente o caso de uma doente “muito jovem, que veio a falecer com um cancro da mama, e que me interpelou com umas perguntas a que eu não sabia responder: ‘Porque é que isto me acontece, nesta fase da vida?’; ‘O que é que eu devia ter feito?’”. “Foi nessa altura que eu e outros colegas europeus decidimos criar uma fundação para investigar e detetar as mulheres abaixo dos 40 anos”, recorda. No site da Breast Cancer in Young Women está o testemunho do marido, para memória futura. E estão muitos testemunhos sobreviventes. A Fundação dedica-se à investigação para deteção de maior risco e até à data já contactou com mais de 500 mulheres (saudáveis) de forma a que “a morte por cancro da mama se torne um acontecimento raro”. Porque apesar de ser daqueles em que se regista menor mortalidade, continua a matar. A apresentação dos primeiros resultados acontece este mês, na Suécia, e em outubro Lisboa acolhe o primeiro encontro internacional de cancro da mama em mulheres jovens.


Luís Costa defende um olhar múltiplo para o cancro em pessoas jovens: “Tem de ser visto por muitos ângulos, não apenas o dos médicos. Até porque tem muitos impactos na vida de uma família, na vida social e até económica. É quase pôr a ciência ao serviço da sociedade. Tem de ser tratado como um assunto sério, sem alarmismos desnecessários. Temos que descobrir por que é que está a acontecer”. Um dos projetos da Fundação passa por financiar a investigação do cancro pós parto, uma altura difícil para o diagnóstico. “Se houver algo fora do normal, o que fazer? E não deixar atrasar como acontece muitas vezes, não apenas na mama mas também na área dos sarcomas (tecidos moles), que está igualmente atingir muita gente jovem. Para que não demoremos meses a encontrar um diagnóstico”. O diretor do serviço de oncologia do HST considera que “não há um culpado, há um problema para resolver”. E embora não tenha a solução para ele, acredita que os serviços se podem “organizar melhor, para responder melhor”.


Todos os anos morrem de cancro entre 9 a 10 milhões de pessoas, segundo os dados oficiais. Luís Costa lembra que “vão continuar a morrer pessoas, mas uma coisa é morrer aos 80 anos de idade, outra coisa é morrer abaixo dos 65, e dos 40”. 

Carcinogénicos ambientais

O investigador do I3S José Carlos Machado ressalva os estudos que mostram esse aumento do número de novos casos de cancro, todos os anos, baseando-se nos mais recentes, feitos nos EUA e em Inglaterra. Mas parece-lhe que “esses dados serão relativamente transversais a outros países, que estarão a observar as mesmas tendências”. “Mas a razão, penso que ninguém sabe ao certo”, afirma este membro da direção do i3S, vice-presidente do Ipatimup. “Há uma tendência para as pessoas acharem que isso tem a ver com o estilo de vida: a sedentarização, a obesidade, mas abre-se aqui a porta à exposição a carcinogénicos ambientais ainda mal definidos”. Isto quer dizer que a juntar à exposição solar, ao tabaco, entre outros, há agora novas ameaças ainda por identificar, “mas suficientemente grandes para que isso depois se note, em termos de incidência global”. Podem ser análogos hormonais, substâncias derivadas de plásticos, ou outros desconhecidos.


No que respeita ao nosso país, “o que sabemos é que o número total de cancros está a aumentar, globalmente, e não especificamente em pessoas mais jovens”, afirma José Carlos Machado. Pela falta de dados que o comprovem, “não podemos fazer essa afirmação específica”, defende.


Em matéria de prevenção, o instituto tem apostado na literacia, nomeadamente através da campanha “tratar o cancro por tu”. Em matéria de investigação no tratamento, José Carlos Machado destaca o cancro do estômago, uma área a que o i3S se dedica há muito, e mais recentemente os cancros do pulmão e pâncreas, “tumores ainda extremamente mortais”. Por isso, sublinha que a resposta passa por “detetá-los mais cedo”. Nesse campo, o i3S tem feito avanços, designadamente através de biomarcadores moleculares e do conceito da biópsia líquida: “Através de uma análise sanguínea poder detetar moléculas em circulação que nos indicam que aquele indivíduo potencialmente terá um cancro”. O foco do i3S não é, de todo, a prevenção, mas antes “a compreensão do cancro”.

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