Cancro em idade precoce. “Foi arregaçar as mangas e tratar-me”
A radialista Joana Cruz, 44 anos, descobriu “um alto, parecia uma ervilha” na mama. Tinha 42 anos e foi um puro acaso. “Estava tranquilamente no sofá, a ver um documentário, e, por acaso, mexi na zona do decote”.
Já andava para fazer exames e decidiu não adiar mais. “Não consegui marcar logo para o sítio onde costumava ir, fui a outro, onde me disseram que era um quisto”. Só que algo lhe dizia que havia qualquer coisa que não estava bem. “Sentia um formigueiro naquela zona, ao adormecer e, do nada vinha-me à cabeça a palavra ‘repete’”.
Repetiu os exames, desta vez na sua clínica habitual. “Quando repeti a ecografia mamária o médico disse que não sabia se era um quisto e aconselhou uma biópsia e ressonância. A partir daí começou todo o processo”.
Recebeu o diagnóstico de cancro da mama triplo negativo, o mais grave. “Assim que soube pensei: ‘Vamos lá resolver isto. Onde é que eu me apresento e a que horas?’ Foi arregaçar as mangas e tratar-me!”
Apesar de o diagnóstico apontar para um tipo de cancro bastante agressivo, Joana Cruz afiança que não teve medo. “Senti-me mais tranquila porque foi detetado muito no início. Portanto, a taxa de sucesso de cura seria muito significativa ou total, como se veio a registar”.
Joana Cruz não teve de fazer mastectomia. “Saí do hospital como entrei, ou seja, não tive aquele impacto que muitas mulheres têm, que primeiro ficam sem mama e depois têm de passar pela reconstrução mamária”.
Fez os tratamentos e o médico apresentou-lhe um vasto cardápio de possíveis efeitos secundários da quimioterapia. “Dentro das hipóteses que o oncologista me dava havia diarreias, vómitos, náuseas, obstipação, aftas na boca. O certo é que não tive esses efeitos. A única coisa que foi visível e impactante foi a queda do cabelo, sobrancelhas e pestanas”.
A radialista não rapou, de imediato, o cabelo. “O cabelo começa a cair e é mesmo violento, tal é a quantidade que se vê na mão ou na escova. Mesmo assim preferi fazer, passo a passo, as etapas. Depois de começar a cair o cabelo fica muito fininho; apanhava-o com ganchinhos. Quando já não tinha ponta por onde pegar, agarrei na máquina do meu pai e rapei-o”.
Encarou a situação “com naturalidade. Muita gente, a dada altura da vida, pensa como é que ficaria se rapasse o cabelo. E eu rapei, pronto. Acho que essa naturalidade ajudou-me. Não há certos nem errados. No meu processo decidi fazer assim; levar a situação com calma e aceitar cada momento”.
Joana Cruz não tinha casos de cancro na família. E foi direta na altura de dar a notícia: “Disse: ‘Tenho cancro de mama’. E nunca pensei porque é que isto me tinha acontecido a mim. Aceitei e não tive medo, achei que seria como Deus quisesse”.
Para outras pessoas que se deparem com este diagnóstico apenas diz: “Até ao último suspiro está a valer estarmos cá. É uma bênção acordarmos de manhã e continuar a viver”.
"Achei logo que não ia morrer disto"
(Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)
Marta Fonseca, 34 anos, gestora de Recursos Humanos, descobriu que tinha cancro aos 32, por acaso. “Estava no escritório e comecei a sentir uma dor na mama direita. Fui à casa de banho apalpar-me e senti um nódulo”, recorda.
Marta é um dos casos de cancro em pessoas em idade jovem e, na sua família, não há histórico da doença. “Cada vez é mais comum em pessoas novas. Tenho uma página no Instagram - Ser Paciente - onde recebo imensas partilhas de outras pessoas que também desenvolveram a doença”.
A gestora de Recursos Humanos fez uma ecografia mamária. “O médico, assim que fez o exame aconselhou-me logo a fazer a biópsia. Deu positivo, era um cancro de mama dos mais agressivos, a partir daí foi seguir em frente e começar com os tratamentos”.
Marta sempre teve uma postura positiva perante a doença. “Obviamente que quando soube que estava doente não foi uma notícia feliz. Mas não fiquei destroçada ou a chorar. Fui prática. Sabia que tinha a doença e preparei-me para os tratamentos”, explica.
“De início eram para ser só seis meses de quimioterapia e um mês de radioterapia. Só que como tive de fazer uma mastectomia radical, ainda tive de fazer mais seis meses de quimio oral”, explica.
Marta Fonseca garante: “Nunca tive medo. Só tive medo no final, quando fui fazer a operação para a reconstrução mamária, porque é uma cirurgia que dura 12 horas. Antes, quando me deram o diagnóstico, achei logo que ia correr tudo bem e que não ia morrer disto”.
O diagnóstico aconteceu em novembro de 2022 e Marta fez a cirurgia de reconstrução mamária há cerca de um mês. Durante todo este tempo, viu o corpo passar por várias alterações. “A primeira vez que fiquei sozinha, em casa, e me olhei ao espelho sem a mama, foi difícil. Mas, ao mesmo tempo, foi mais natural do que eu pensava porque aquilo não tinha mau aspeto e a cicatriz era muito fininha”.
Começou a perder o cabelo. “Foi um processo complicado, porque eu tinha o cabelo muito comprido. Só que assim que começou a cair - e cai muito, mesmo - decidi rapar a cabeça”.
Na altura, tentou encarar o seu novo aspeto com naturalidade. Hoje conclui que “foi difícil. Quando olho para as fotografias daquela altura faz-me confusão, não gosto de ver. Além de careca estava inchada porque tomei muitos corticóides; engordei 12 quilos em todo este processo. Todo o conforto com o corpo desaparece mas, ao mesmo tempo, sempre tive a consciência de que preferia estar viva, com aquele corpo, do que não estar aqui”.
Durante um mês ainda usou peruca. Depois, resolveu doá-la a outra pessoa que tem a doença. “Assumi a careca e andei assim durante cerca de seis meses, até ao final da quimioterapia”. Agora, o cabelo já cresce. “Ainda me sinto estranha, porque olho-me ao espelho e não estou como era antes do cancro”.
Apesar de nunca ter tido medo da morte, assume:“Com a doença percebi que há essa possibilidade. Afinal, não sou imortal”.