Câmara impedida de usar nome de Feira Popular de Lisboa em Carnide
A futura Feira Popular de Lisboa vai ter de encontrar um nome alternativo. A designação do parque de diversões que durante quase cinco décadas esteve em Entrecampos é propriedade da Fundação O Século (que geria aquele espaço). Se a autarquia da capital o quiser utilizar terá de o reclamar nos tribunais ou adquirir a patente.
Emanuel Martins, presidente do conselho de administração da fundação, é claro: "A câmara não pode usar o título Feira Popular de Lisboa. Está registado desde 1968 em nome da fundação. Se alguém o usar é usurpação de direito." Nos registos do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), o título Feira Popular de Lisboa surge em nome de O Século, na situação de "registo concedido". O primeiro pedido de patente data de 1965, tendo sido posteriormente renovado. É válido até final de 2017.
Muito embora o novo parque de diversões da cidade, que vai nascer em Carnide, não tenha ainda uma designação oficial, a câmara tem usado o nome do espaço que fechou portas em 2003. Basta olhar para o site criado pela CML para os lisboetas darem sugestões para o novo espaço de diversão - www.feirapopulardelisboa.pt.
Ao DN, Manuel Lopes Rocha, responsável pela área de propriedade intelectual da PLMJ, explica que estando o registo ativo "o titular tem o direito exclusivo sobre a marca" e só a este "cabe utilizar o nome ou autorizar a sua utilização". O advogado também sublinha que esta é uma marca que se tornou de uso comum, pelo que pode haver uma intervenção judicial considerando que o título registado se diluiu e que, assim sendo, não se justifica o direito de propriedade sobre a marca. Mas só um tribunal poderá ditar este desfecho.
Fundação ameaça processar CML
Os tribunais parecem, aliás, estar no caminho das relações entre a Fundação O Século e a câmara. Emanuel Martins ameaça processar a autarquia, que acusa de ter agido de "má-fé" no processo de indemnização à instituição pelo encerramento da Feira Popular. E acrescenta que O Século abdicou de vários milhões de euros a que teria direito numa situação de "chantagem e coação".
Começando pelo fim. Em dezembro de 2012, a Fundação o Século assinou com a autarquia - então presidida por António Costa - um protocolo em que aceitou receber apenas um milhão de euros de um total de 5,2 milhões que a câmara tinha em dívida. Desde 2010 que a CML não pagava os 2,6 milhões de euros anuais a que estava obrigada por um acordo firmado em 2003, aquando do encerramento da Feira. No mesmo acordo a câmara atribuiu à fundação direitos sobre um terreno destinado à instalação e exploração de um posto de abastecimento de combustíveis. Pelo caminho ficou uma indemnização, prevista no documento de 2003, no cenário de a fundação não participar na gestão da futura feira - 1,2 milhões/ano, sem qualquer limite temporal definido.
Agora vamos ao início. Nesse ano, o do encerramento da Feira Popular, e com Santana Lopes à frente da câmara, as duas partes assinaram um acordo em que a CML garantia à fundação, "durante o período de não funcionamento da feira e até à efetiva laboração do novo parque", uma receita mensal equivalente à média de receitas brutas da feira - valor que veio a ser calculado, por uma comissão arbitral, em 2,6 milhões. No documento, consultado pelo DN, a CML reconhece a "imprescindibilidade de garantir os meios económicos necessários à continuidade da relevante obra social da fundação".
O montante foi pago até 2010, ano em que a autarquia cessou os pagamentos. "Durante dois anos e meio a câmara não disse nada, nunca nos respondeu, simplesmente deixou de pagar", aponta o presidente da fundação. Em 2012, alegando não ter dinheiro, a autarquia põe em cima da mesa o protocolo em que se dispõe a pagar um milhão de euros.
Após dois anos sem receber um cêntimo daquela que era a principal fonte de financiamento da fundação, O Século estava à beira de fechar portas, alega Emanuel Martins. E assinou. "Aquilo que fizeram foi exaurir-nos financeiramente, até não podermos dizer que não", acusa. O presidente da fundação alega que o acordo foi assinado sob "coação" - "a câmara fez-nos um ultimato... Isto é, de facto, uma extorsão". "Não tenho nada contra o dr. António Costa, mas neste caso teve uma atitude execrável", diz o também antigo deputado do PS.
Emanuel Martins (que à data integrava a direção, mas não era o presidente de O Século) diz-se agora disposto a ir "até às últimas consequências". Mesmo reconhecendo que a situação é difícil - o protocolo assinado em 2012 diz expressamente que a fundação abdica de "quaisquer outras quantias, vencidas ou por vencer", para além da indemnização acordada. Será um argumento poderoso em tribunal, mas Emanuel Martins diz que é uma questão moral: "É inadmissível, a fundação merecia mais respeito. Não estamos a falar de uma obra de vão de escada, mas de uma instituição com 90 anos." O DN questionou a CML sobre estas questões, mas não obteve resposta.