Câmara de Grândola questionada por "privatização encapotada" da Praia da Aberta Nova
Os projetos de um grupo americano para um novo turismo de luxo entre Troia e Melides geraram especial entusiasmo no arranque do ano, quando se espalhou que George Clooney estava incluído no leque de acionistas do fundo imobiliário Discovery Land. A história era um pouco diferente - o ator tem investimentos com o fundo, mas não ligação específica à Herdade Costa Terra -, contava ao DN António Lacerda, diretor executivo da Agência Regional de Promoção Turística do Alentejo (ARPTA). Mas logo se antecipou que poderia vira ter um lugar no resort à beira da Praia da Aberta Nova, para onde se prevê a construção de 360 vilas exclusivas, com o preço dos lotes de terreno a rondar os 10 milhões de euros.
Menos animados ficaram muitos dos moradores das redondezas, antecipando que a nova fama daquelas paragens alentejanas pudesse empurrá-los para fora.
Em resposta às preocupações dos munícipes, a Câmara de Grândola aprovou, em fevereiro, a suspensão do Plano Diretor Municipal (PDM), para travar a especulação imobiliária e a aprovação de novos empreendimentos turísticos em Melides e Carvalhal e, assim, impedir "que o investimento turístico e imobiliário se transforme num risco para a natureza, o ambiente e as populações".
Mas é o próprio presidente do município, António Figueira Mendes (CDU), que é agora contestado pela obra que se tem vindo a cumprir nos empreendimentos já autorizados.
"Estamos a assistir à privatização encapotada da Praia da Aberta Nova, que fica quase "exclusiva" para os futuros clientes do empreendimento de luxo Costa Terra." Quem o diz é a associação de defesa do ambiente criada quando a autarquia grandolense procedeu à revisão do Plano Diretor Municipal (PDM) de Grândola, que permitiu a explosão turística da região.
Em carta dirigida ao autarca, à qual o DN teve acesso, a Proteger Grândola denuncia as obras em curso na estrada de acesso à praia e a construção de uma vedação de ambos os lados do caminho, num trecho de dois quilómetros. E questiona se "o objetivo da vedação não será mesmo tornar impossível o estacionamento de carros e obrigar os utentes regulares a deixarem de utilizar esta praia".
Em declarações ao DN, em janeiro, o representante da ARPTA desvalorizava o temor das populações locais de um dia não terem areal livre na zona. "Por lei, não podem existir praias particulares em Portugal", vincava o representante do turismo alentejano, lembrando até o caso da Praia da Amália, na Herdade do Amarelo, em Odemira, que nunca se permitiu que a fadista tornasse exclusiva.
Lembrava ainda que "são os concessionários que exploram os apoios de praia, que muitas vezes garantem acessos, saneamento e instalações sanitárias" e que o caso, com o Discovery Land, não seria diferente. Ainda que pudesse haver condições para garantir a privacidade dos proprietários.
De acordo com o explicado pela associação, a Praia da Aberta Nova tem dois pequenos parques de estacionamento, "muito subdimensionados para o número de utentes da praia, que ultrapassa as mil pessoas por dia em época alta", pelo que a maioria dos carros acaba por ficar estacionada na berma da estrada.
"O Plano da Orla Costeira Espichel-Odeceixe (POC) classifica a Aberta Nova com 38 lugares de estacionamento formais e 180 informais" e o plano de intervenção naquela praia "prevê a construção de um novo parque de retaguarda para 220 lugares, criação de acesso pedonal, requalificação do acesso viário", bem como vias para circulação de veículos de emergência nos dois sentidos. "Nas obras em curso não se vislumbra a localização do novo estacionamento" e a colocação de vedação de ambos os lados irá "tornar muito complicada" a circulação e não deixa margem para estacionar, garante a associação, sublinhando a impossibilidade de acesso de carros de socorro de maiores dimensões.
No documento dirigido ao presidente da autarquia a 16 de agosto, a Proteger Grândola recorda que, no ano passado, a câmara construiu um novo passadiço de acesso à Praia da Aberta Nova, "financiado com fundos da União Europeia e tendo indicado como objetivo da intervenção a melhoraria das condições de acesso, a garantia da segurança de pessoas e bens e a acessibilidade universal à praia". E questiona se a supressão do estacionamento e o levantamento da vedação não anulam esses objetivos.
"Está a CMG a cumprir a sua obrigação de trabalhar em defesa dos munícipes? Estarão os fundos dos contribuintes europeus a ser utilizados de forma correta?", questiona a associação, que quer ainda ver esclarecidos outros pontos, incluindo se as obras em curso naquela estrada pública estão a cargo da autarquia ou de uma entidade privada e se existe algum acordo entre estes e a CMG e, havendo, prevendo que tipo de contrapartidas. Levanta ainda questões técnicas como o contrassenso de autorizar a obra em plena época alta balnear e o cumprimento das regras estabelecidas no que à "distância dos postes ao eixo da estrada" diz respeito.
Contactado ontem à tarde pelo DN, não foi possível obter de António Figueira Mendes resposta atempada às questões levantadas pela Proteger Grândola.
A associação pede que a câmara "tome urgentemente as medidas necessárias para interditar a colocação da vedação", até que estejam criadas as condições para os utentes da praia estacionarem de forma segura e ordenada a uma distância do areal que seja "razoável para ser percorrida a pé tal como existe nas outras praias do concelho".