Calma e segurança atraem americanos que compram casa em Portugal
Aproximidade do mar e o clima ameno, aliados à calma e à segurança, estão a reforçar a atratividade de Portugal junto dos norte-americanos. A imagem de Califórnia da Europa começou a ser, mais recentemente, associada ao país, muito por força das ações de divulgação externas de entidades como o Turismo de Portugal ou a AICEP, que têm viajado para o outro lado do Atlântico com o objetivo de reforçar os fluxos turísticos provenientes daquele mercado, mas também de atrair investimento internacional para o país.
Este esforço tem dado frutos, como espelham os números revelados em janeiro pela entidade que gere o turismo em Portugal. Só no primeiro mês deste ano, o número de passageiros norte-americanos aumentou 18,8% face ao mesmo período do ano anterior, o que motivou igualmente um crescimento de 14,9% nas receitas turísticas e de 13,2% nos valores gastos em compras. Resultados muito positivos, que mostram o crescente interesse pelo destino Portugal para fazer férias, um primeiro contacto que, em alguns casos, acaba por abrir a porta a uma mudança definitiva ou a uma permanência prolongada.
No final de 2023, residiam em Portugal quase dez mil norte-americanos - aproximadamente 1% do total de imigrantes no país -, um número que tem vindo a crescer, especialmente nos últimos três anos, como revela João Cília. “Acredito que seja uma tendência que veio para ficar, mas o ritmo de crescimento tenderá a ser mais moderado.”
A convicção do CEO da Porta da Frente/Christie’s, imobiliária especializada no segmento premium e súper premium, está relacionada com o abrandamento da procura que poderá verificar-se com o anunciado fim do Regime de Residentes Não-Habituais (RNH), previsto no Orçamento do Estado para 2024, aprovado ainda pelo anterior Governo. “Este era um tema muito relevante para os norte-americanos que podem agora hesitar entre escolher Portugal para residir ou optar por outro país da Europa”, explica.
A incerteza sobre o futuro deste regime, que aplicava uma tributação reduzida ou, em alguns casos, isentava mesmo o pagamento de impostos sobre o rendimento durante um período de 10 anos atraiu muitos norte-americanos que, no seu país de origem teriam de pagar taxas muito elevadas. A expectativa sobre a posição do novo Governo face a este tema está a adiar decisões de potenciais novos residentes e a fazer repensar outros que estão em Portugal há mais tempo. Passado este período, João Cília acredita que alguns norte-americanos possam deixar Portugal e mudar-se para outros países com um regime fiscal mais favorável. “Há uma certa concorrência entre os países do Sul no que se refere a atrair este perfil de expatriados”, reforça.
Uma porta aberta para a Europa
Ainda assim, a verdade é que Portugal continua a vencer noutro tipo de argumentos como a estabilidade social e a segurança. Nancy e Casey Pearson, Catherine e Shahid Hussain ou Edward Young são unânimes a reconhecer estas duas qualidades como os pontos mais positivos do país que escolheram para morar, a que juntam outras razões como o clima, a vida calma, a gastronomia e os vinhos, ou a simpatia dos portugueses.
Com motivações e expectativas distintas sobre Portugal, estes cinco norte-americanos representam uma pequena parte daqueles que têm chegado ao país e que foram, em 2023, a nacionalidade que mais investiu no setor imobiliário em terras lusas, a par dos brasileiros.
De acordo com dados da Confidencial Imobiliário, empresa de estatística deste setor, os norte-americanos foram responsáveis, em 2022, por 15% das transações imobiliárias realizadas por estrangeiros. Só em Lisboa, revela a mesma fonte, representaram 10%, no primeiro semestre de 2023, apesar de algum abrandamento face ao período homólogo do ano anterior.
Edward Young foi um dos norte-americanos que, nos últimos três anos, trocou o país do Uncle Sam por Lisboa. Aos 66 anos, que completa a 25 de abril, “uma coincidência muito interessante por ser na data em que Portugal celebra os 50 anos de democracia”, conta em jeito de brincadeira ao DN/Dinheiro Vivo, vive na Graça, em pleno coração da cidade. Originário de São Francisco, na Califórnia, decidiu, após a morte da mãe em 2017, que chegara o momento de mudar de vida. Explorar a Europa era uma opção que concretizou, dois anos mais tarde. Viajou por vários países, entre os quais Portugal, mas foi aqui que sentiu que havia semelhanças físicas e de escala com a sua cidade de origem. Não que a ideia fosse replicar a América do lado de cá do Atlântico. “Sempre quis estar na cidade, nos locais onde vivem os portugueses, e ter essa experiência real”, explica.
Lisboa, 20/04/2024 - Edward Young, fotografado perto de sua casa no bairro da Graça. O norte americano originário de São Francisco escolheu viver em Portugal.
(Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)
Reinaldo Rodrigues/Global Imagens | REINALDO RODRIGUES
A decisão de fazer as malas e de voar até Lisboa de forma permanente surgiu em 2020, quando iniciou o processo de imigração, com a ajuda de um advogado. Chegou, um ano depois, com quatro malas. “Não precisava de mais nada”, assume.
Para começar, alugou um apartamento com o objetivo de conhecer os bairros centrais da cidade, espaço que trocou por outro, também alugado, quando concluiu que ainda não estava no sítio certo. Há dois anos escolheu o apartamento que acabou por comprar, no típico Bairro da Graça. “Adoro o local, mas tenho pena ter-se tornado um bairro cheio de expatriados como eu”, diz.
No prédio que habita não há portugueses, pelo que o editor de profissão, que continua a trabalhar em modo remoto com clientes norte-americanos, pondera agora alugar ou vender o apartamento e mudar-se para outro bairro com mais portugueses. “Eu não queria ter aqui a mesma vida, não queria apenas transformar a minha vida americana e vivê-la em Portugal”, confessa, sublinhando que tem a certeza de que veio para ficar.
Aventura na reforma
Já Nancy e Casey Pearson chegaram a Portugal um pouco por acaso, e com motivações distintas de Edward Young. Casados há 10 anos, depois de ambos terem enviuvado, partilham a paixão de viajar, conhecer o mundo e, em especial de explorar a Europa, onde gostariam de passar a reforma.
Portugal não foi uma escolha óbvia “porque achávamos que a língua podia ser uma barreira”, conta Nancy ao DN/Dinheiro Vivo. Espanha era a escolha mais provável - “porque o Casey fala espanhol”, explica Nancy -, mas depois do convite de uma amiga para assistir a um workshop sobre Portugal, no Arizona, decidiram visitar o país, em 2018. “Ficámos encantados com o que vimos”, confessam.
O casal, atualmente com 68 e 77 anos, viveu três meses num Alojamento Local no coração de Lisboa que, como revela Nancy, “foi uma experiência maravilhosa, adorámos o local e as pessoas, e o Casey adorava o café e o vinho”.
Regressaram aos Estados Unidos com a decisão tomada e iniciaram o processo para viver em Portugal, onde chegaram em plena pandemia. “Arrendámos um apartamento muito bom na Freguesia de Santa Marta, num prédio antigo totalmente renovado”. Por ali ficaram durante alguns dos períodos de confinamento e, aos fins de semana, percorriam o país de norte a sul em busca de um local para comprar casa. Acabaram por concretizar o negócio na Areia Branca, Lourinhã, com o mar bem à vista. “Vimos casas em Cascais, Ericeira e outros locais, mas esta foi a que nos apaixonou”, conta Nancy.
O objetivo do casal era ficar por cá, mas algumas questões de saúde levaram-nos a repensar a escolha e a ponderar regressar dentro de alguns anos para junto da família, nos Estados Unidos. Ainda assim, Nancy sublinha a paixão pela vida que levam em Portugal. “O Casey adora fotografia e eu adoro fósseis e geologia, pelo que estamos no sítio certo. Portugal encaixa perfeitamente em todos os nossos requisitos”, reforça.
Muito perto de Nancy e Casey Pearson, também na Lourinhã, encontrámos Catherine e Shahid Hussain, 61 e 65 anos. Antes de chegar a Portugal, há quatro anos, já viviam na Europa onde trabalharam como professores em escolas internacionais, em diferentes países.
A pensar na reforma, e convictos de que era no Velho Continente que gostariam de ficar até ao fim dos dias, rumaram a Portugal, em 2015, para umas férias com as filhas que vivem nos Estados Unidos. A decisão aconteceu dois anos depois, e a mudança concretizou-se em 2019, quando adquiriram a moradia onde vivem há quatro anos, na Região Oeste. Não queriam viver na cidade, mas numa zona tranquila, relativamente perto da capital e do aeroporto, mas com a natureza e o mar aos pés.
Lourinhã, 17/04/2024 - Casey e Nancy Pearson fotografado em sua casa na aldeia da Areia Branca. O casal norte americano originário de Atalanta escolheu viver em Portugal.
(Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)
Reinaldo Rodrigues/Global Imagens | REINALDO RODRIGUES
Apesar de reconhecerem que a burocracia é um problema complicado em Portugal - o fator menos positivo referido por todos os norte-americanos que falaram ao DN/ Dinheiro Vivo -, estão muito satisfeitos com a escolha que fizeram. “Temos de mentalizar-nos de que há diferenças culturais entre americanos e portugueses, e temos de compreendê-las”, diz Shahid. Fora isso, reconhecem que a experiência é “extremamente positiva”.
Trocar a Florida por Portugal
Além dos que trocam os Estados Unidos por Portugal para trabalhar à distância ou para a reforma, há também uma tendência de crescimento da procura entre os norte-americanos que adquirem uma segunda casa no país para passar temporadas de férias. Segundo João Cília, este é um público que vem essencialmente da costa oeste, da Califórnia, ou que já tinha uma segunda residência em Miami, ou noutro locais da Florida.
“Procuram em Portugal o tipo de estilo de vida que já têm nos Estados Unidos, nomeadamente, a proximidade do mar ou o clima”. O CEO da Porta da Frente não tem dúvidas de que muitos estão a desfazer-se das casas de férias na Florida e a adquirir imóveis na zona de Cascais (a mais procurada por este tipo de público). “Procuram imóveis de luxo que, apesar dos preços elevados, continuam a ser mais acessíveis do que em território americano”, reforça.
Adicionalmente, revela ainda João Cília, a vantagem principal que veem aqui é a segurança. “Fogem da insegurança e da clivagem social, e aqui encontram paz social, que é uma coisa muito relevante para eles”.
Os custos de saúde, muito inferiores em Portugal, mesmo no setor privado, também é um argumento forte do país, especialmente num segmento etário mais elevado.
Já para uma faixa etária mais jovem, João Cília revela que o interesse imobiliário está mais centrado em Lisboa e na escolha de apartamentos bem localizados, em zonas nobres da cidade. Neste caso, diz o CEO da Porta Frente, são pessoas profissionalmente ativas, que trabalham em modo remoto e que chegam a Portugal sozinhas ou em família, normalmente com filhos pequenos.
Seja qual for a motivação, a verdade é que os norte-americanos que chegam a Portugal continuam a render-se a tudo o que o país oferece. É o sonho português transformado em realidade.