Bullying. Agressões, ameaças e insultos continuam a aumentar nas escolas

Depois do regresso ao ensino presencial, verifica-se um aumento dos episódios de bullying nas escolas de Portugal. Adolescentes dos 12 aos 15 anos são a maior parte das vítimas e agressores, segundo dados recolhidos pela PSP.
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Dois mil oitocentos e quarenta e sete. Este é o número de ocorrências criminais registadas pela Polícia de Segurança Pública (PSP) em contexto escolar no ano letivo de 2021/2022. O bullying - termo que remete para comportamentos de caráter agressivo e repetitivo sobre alguém - é um problema atual e que ocorre todos os dias nas escolas, em grupos e no mundo online.

No regresso à realidade escolar depois de meses de ensino não presencial, a verdade é que o ano letivo passado foi marcado por um número total de 2183 vítimas: 1192 do género masculino e 1000 do género feminino, com maior expressão nos adolescentes dos 12 aos 15 anos, de acordo com dados disponibilizados pela PSP.

Quanto aos agressores, o número chega a 2525 suspeitos, com maior relevância nos jovens da mesma faixa etária.

Estes dados são relevantes num dia como o de hoje - data em que se assinala o Dia Mundial de Combate ao Bullying - e em que se revela um aumento de casos de bullying após a pandemia.

Tito de Morais, fundador do projeto MiudosSegurosNa.Net, e Cristiane Miranda, coach e fundadora do Teen On Top - Coaching para Jovens, revelam ao DN as suas perspetivas quanto aos casos de violência física e psicológica em Portugal.

"Um dos problemas que nós enfrentamos é a falta de um diagnóstico, apenas temos estudos representativos que nos dão uma imagem parcial da situação. Não existe um retrato nacional", explica Tito de Morais. "Não sabendo quais são as características do problema, não conseguimos definir um plano de ação. Continuamos a trabalhar às escuras na esperança de que o que estamos a fazer combata os problemas que não estão identificados", sublinha.

Tendo em conta os tipos de casos com que lidam nos seus projetos, Tito de Morais e Cristiane Miranda percecionam que os casos de bullying começam em idades muito tenras.

"O bullying normalmente começa muito cedo, no segundo ciclo, mas também ouvimos muitos relatos de bullying na escola primária e até na pré-primária, o que é muito preocupante", adianta Cristiane Miranda.

Logo, "é importante falar com os alunos e não para os alunos. Não se combate o bullying apenas com palestras - elas podem sensibilizar, mas não resolvem o problema. As escolas têm que criar um programa para trabalhar esta temática e ouvir a comunidade escolar: os alunos, os pais e os professores"

"O bullying é um problema de todos e a solução tem que passar por todos", reforça Cristiane.

Quanto ao ciberbullying, ambos os especialistas reforçam que este é um problema difícil de controlar devido à facilidade de interação online.

Segundo Cristiane, "o problema do ciberbullying é que antigamente os miúdos vinham para casa e tinham um porto seguro. Hoje em dia não há refúgio para ninguém porque o ciberbullying não tem fronteiras e existe em todo o lado".

Por sua vez, Tito de Morais lembra que"o ciberbullying não tira férias, não tem fins de semana e pode funcionar 365 dias por ano. A casa ou a biblioteca, que antigamente eram um local de refúgio, deixaram de o ser a partir do momento em que há acesso à internet. A maior diferença é que o bullying normalmente ocorre em locais onde há supervisão de adultos, como por exemplo na escola, corredores ou balneários. Mas online não há essa supervisão".

Pedro Fernandes é um rosto bem conhecido dos portugueses, por trabalhos na televisão ou na rádio. O apresentador foi um dos muitos casos de vítimas de bullying na adolescência, mas não deixou que isso o impedisse de concretizar objetivos.

Foi com cerca de dez anos que os primeiros episódios de bullying começaram a afetá-lo. Depois de estudar num colégio em Lisboa - onde dizia ser "protegido", uma vez que a mãe era professora -, Pedro foi estudar para uma escola pública na margem sul e tudo mudou.

"O ambiente era muito diferente e vi-me completamente desenraizado. Lembro-me que havia tentativas de roubo e tinha que usar algumas artimanhas para conseguir escapar a isso, como por exemplo levar duas carteiras para a escola", lembra.

Como consequência, Pedro Fernandes tornou-se uma criança "fechada e insegura" que, no entanto, contrastava com a vontade de ser extrovertida junto dos amigos e da família.

"Eu fechava-me muito em relação a esta situação, como acho que muitos miúdos acabam por fazer. Não queremos passar por fracos. Acredito que acabei por ser uma criança mais fechada e mais insegura ao passar por isto. Demorei muito tempo a finalmente poder libertar-me das amarras que só mais tarde é que percebi que tinha", diz.

"Quando estava com amigos ou família conseguia ser outra pessoa e sentia-me muito mais livre: era o Pedro extrovertido que fazia toda a gente rir. Mas na escola fazia o contrário", continua.

Estas experiências menos boas na escola inspiraram Pedro Fernandes a escrever o seu primeiro livro infantil, "O gigante com pés de princesa".

"Quando inventamos uma história, de forma inconsciente temos tendência a ir buscar experiências da vida real. Acho que este gigante com pés de princesa foi esse o caso: inventei aquela história sem saber que iria ligar à minha experiência com o bullying", revela.

Neste dia Dia Mundial de Combate ao Bullying, Pedro Fernandes lembra o papel importante dos pais: "É muito importante que os pais sejam atentos e que participem na vida escolar dos filhos. Muitos pais não ligam ao que se passa no dia-a-dia das crianças e é bom perceber os sinais e estar sempre em cima do acontecimento, no bom sentido", conclui.

ines.dias@dn.pt

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