Bombeiros profissionais esperam retomar negociações. Montenegro avisa que "Governo não vai decidir na base da coação"
A Associação Nacional de Bombeiros Profissionais (ANBP) agendou esta quarta-feira uma reunião do conselho geral para o dia 20 de dezembro, para discutir ações de luta reivindicativas.
"Embora a ANBP acredite na boa-fé das negociações, fica claro que, caso o Governo não demonstre abertura para dialogar e reiniciar o processo negocial que suspendeu, serão tomadas medidas públicas e reivindicativas", lê-se nas conclusões do conselho geral de hoje.
O dia 20 de dezembro coinvide com a "data da última reunião negocial, que estava agendada anteriormente entre os sindicatos e o Governo", recorda a ANBP.
"Se, entretanto, não houver avanços no processo negocial, a ANBP vai definir novas ações de luta", refere ainda.
O primeiro-ministro disse não querer "atirar nenhuma acha para a fogueira" e fez "um apelo muito firme ao sentido de responsabilidade quanto à capacidade de revindicar e de acordar" dos bombeiros sapadores.
Mas Luís Montenegro deixou um aviso. "É preciso que todos tenham noção do seguinte: o Governo não vai decidir nunca na base da coação e não vai decidir nunca na base daqueles que pretendem ir muito além daquilo que são as nossas possibilidades".
"E há uma coisa que quero garantir aos portugueses, nós somos implacáveis com isto, nós não só não seremos complacentes com violações das regras do estado de direito como também não seremos complacentes com a reivindicação desmedida de situações de injustiça relativa ou de desiquilibrio", enfatizou.
Para o primeiro-ministro, "o esforço do Governo está a ir não só ao encontro da valorização da carreira como também ao sentido de igualdade e equidade em toda a função pública".
"É preciso que todas as carreiras que temos vindo a valorizar se possam consciencializar de que nós não temos recursos ilimitados, não podemos andar permanetemente a negociar e, sobretudo, não podemos criar a expectativa de oferecer aquilo que não temos para dar", argumentou o chefe do Governo em Celorico de Basto.
Acrescentou que no caso dos bombeiros sapadores, o "esforço" do Governo", do "ponto de vista da equidade, está em linha com aquilo" que se fez "com as forças de segurança e com as Forças Armadas".
"Eu queria que este duplo apelo ao sentido de responsabilidade pudesse ter eco nos profissionais e que as suas manifestaçoes de opinião, de reivindicação, a serem realizadas, que se façam num sentido do cumprimento da lei. E, ao mesmo tempo, fazer um apelo ao sentido de responsabilidade daqueles que estão sentados à mesa das negoicações para reconhecerem o esforço que estamos a fazer", frisou o primeiro-ministro.
Sublinhou que se trata de uma carreira que não tem há 22 anos "nenhum processo negocial equivalente a este de valorização". "Estamos a fazer o esforço que é possível", assegurou.
Depois dos apelos à responsabilidade dos bombeiros, Montenegro disse também que "jamais" vai ultrapassar "os limites daquilo que é aceitável e daquilo que são os valores de justiça relativa dentro da administração pública", independentemente o que se fizer na rua.
"Se as coisas não correrem bem, o Governo não estará à espera que a gente passe o Natal descansados"
A reunião do conselho geral dos bombeiros, realizada esta quarta-feira, foi agendada na sequência da suspensão das negociações, decretada na terça-feira pelo Governo, depois de uma manifestação não autorizada de bombeiros sapadores ter utilizado petardos numa ação de protesto junto ao edifício-sede do executivo.
O presidente da ANBP, Fernando Curto, recordou que há "uma revolta natural nos bombeiros" pela falta de resposta do Governo.
"Tenho para mim que o Governo sabe que os sindicatos têm razão na maior parte das propostas que estamos a apresentar", afirmou Fernando Curto, mostrando-se convicto de um regresso à mesa negocial.
"Não acredito [no fim do processo], porque acho que o Governo tem obrigação de reiniciar as negociações", afirmou, embora ameace com posições mais enérgicas.
"Se as coisas não correrem bem, o Governo não estará à espera que a gente passe o Natal descansados", avisou, prometendo uma reunião de todos os bombeiros sapadores após o conselho geral de 20 de dezembro e o agendamento de ações de luta, "sempre no que é razoável" e no respeito da lei.
Mas "iremos fazer valer as reivindicações para a população saber as dificuldades porque passamos", salientou.
Por seu turno, Sérgio Carvalho, presidente do Sindicato Nacional dos Bombeiros Profissionais (SNBP), recordou que há o calendário negocial previa uma reunião para o dia 13 de dezembro e outra para o dia 20.
"Esperamos que estas reuniões se mantenham" e, no dia 20, "iremos fazer uma avaliação da situação", explicou o dirigente sindical, que criticou a atitude dos vários governos em relação aos sapadores.
Em 2002, o executivo introduziu no vencimento base todos os suplementos, incluindo o de risco que agora é reclamado pelos sindicatos, e, em 2019, alargou unilateralmente a idade de reforma, sempre sem acordo com os sindicatos.
"Os bombeiros sapadores têm uma grande noção de justiça e de lealdade e é por isso que hoje se sentem injustiçados", afirmou, justificando o uso de petardos na manifestação de terça-feira.
"Os sindicatos têm feito tudo para que o processo decorra com normalidade", mas "quem tem de responder às nossas propostas é o Governo", disse.
As concentrações de bombeiros para os locais das reuniões negociais têm sido feitas "à margem dos sindicatos", mas são "ações legítimas", tendo em conta o esquecimento a que estão votados, afirmou Sérgio Carvalho, que manifestou abertura em continuar a negociar depois deste mês, desde que o Governo cumpra a promessa de que qualquer decisão tenha retroativos a 1 de janeiro de 2025.
No dia 20, "o que está em cima da mesa são todas as formas de luta e nessa altura será discutida a forma adequada", acrescentou
PR pede que se resolva estatuto dos bombeiros mas critica uso de tochas e petardos
O Presidente da República considerou entretanto fundamental resolver o problema do estatuto dos bombeiros sapadores, mas criticou o uso de tochas e petardos e a queima de pneus nas suas manifestações.
"O fundamental é o seguinte, é que, do lado das autoridades, que haja a noção de que o estatuto tem de avançar, do lado dos bombeiros, que há métodos que não os prestigiam, são opostos aos seus interesses e à sua credibilidade, como usar o fogo, queimar pneus, usar petardos e usar tochas numa manifestação de bombeiros", defendeu Marcelo Rebelo de Sousa.
Segundo o chefe de Estado, que falou antes de participar numa iniciativa do jornal Público, em Lisboa, "há um problema de estatuto" dos bombeiros sapadores, "que resulta de a entidade patronal serem os municípios, quem estabelece o estatuto legal ser o Estado e, portanto, haver aqui uma relação triangular a três".
"É fundamental resolver esse problema, porque já vem de longe, passaram mais de 20 anos, tem que ser resolvido", apelou.
Por outro lado, "quanto à forma de luta" utilizada nas recentes manifestações, Marcelo Rebelo de Sousa manifestou-se preocupado com a "credibilidade das instituições" mais do que com "o problema da legalidade", referindo que "os bombeiros são, talvez, a atividade vocacional ou profissional mais bem vista" em Portugal.
"Por isso, eu não considero feliz que, sendo uma das razões da segurança criada nas pessoas a do combate ao fogo, nas manifestações utilizem o fogo como instrumento de luta laboral", afirmou, criticando "ter havido pneus ardidos em frente à Assembleia da República" ou "tochas em frente da sede do Governo".
"Como também não me parece feliz usarem petardos, porque o comum do cidadão não pode fazer manifestações usando petardos", acrescentou.
Ventura responsabiliza primeiro-ministro por escalada nos protestos
O presidente do Chega afirmou esta quarta-feira que "compreende perfeitamente as razões da indignação" dos bombeiros, responsabilizando o primeiro-ministro pelo "aumento do nível dos protestos" e por "atirar lenha para a fogueira".
Em declarações aos jornalistas na Assembleia da República, André Ventura considerou que o Governo está a aproveitar a escalada de tensão nos protestos dos bombeiros na manhã para para "atirar lenha para a fogueira" e dizer que "já não vai negociar nada e já não vai chegar a acordo nenhum".
Ventura enfatizou que a indignação dos bombeiros tem como responsável o primeiro-ministro, Luís Montenegro, embora apelando aos bombeiros para que "cumpram a lei" e comuniquem às autoridades competentes a realização dos protestos.
"Nós compreendemos perfeitamente as razões da indignação destes bombeiros. E isto tem um responsável. Este responsável é o primeiro-ministro (...) Quando há muita indignação, há muito protesto. Porém, os bombeiros chegarão a melhor resultado se o fizerem cumprindo a legislação que temos em Portugal, que é uma legislação que até nem é muito difícil. (...) Acho que os bombeiros deviam fazer uma grande manifestação. Podia ser aqui mesmo, no parlamento. Podem comunicá-lo. E podem mostrar ao país a sua indignação", disse.
André Ventura defendeu ainda que os portugueses precisam de compreender o que diz ser uma mudança significativa a nível sindical neste setor, afirmando que "os sindicatos dominados por forças antigas de esquerda" já não representam grande parte dos bombeiros e que estes profissionais se organizam em movimentos inorgânicos.
"É por isso que eles continuarão a insubordinar-se face aos seus sindicatos, porque eles já não os representam na maior parte dos casos. Porque são sindicatos dominados pelas antigas forças que dominavam o sindicalismo português, que não representam estes trabalhadores, e onde eles já não se sentem representados", sublinhou.
O líder do Chega mostrou-se ainda "firmemente convencido" de que os sapadores portugueses são dos "mais mal pagos da Europa", com um "vencimento que não dá para pagar uma casa em Lisboa".
"Isto tem que ser abordado para não termos uma profissão que ou deixa de ter membros, o que também é mau para nós, ou a jusante estará sempre a protestar, o que também não é bom para nós", acrescentou.
BE acusa Governo de provocar bombeiros profissionais
A coordenadora do Bloco de Esquerda (BE) acusou esta quarta-feira o Governo de provocar os bombeiros profissionais nas negociações salariais, "com propostas de salário que são inferiores àquelas que hoje são pagas".
Em Leiria, à margem de uma reunião com representantes das comissões de utentes do Hospital de Santo André, Mariana Mortágua criticou a forma como o Governo tem conduzido o processo negocial com os bombeiros sapadores.
"O salário base de carreira é muito perto do salário mínimo nacional. E o que o Governo fez foi apresentar aos bombeiros sapadores uma proposta de negociação em que o salário de entrada era mais baixo do que aquele que é hoje. Ou seja, foi uma provocação. Provocou uma classe, um grupo de pessoas que contribui para o país e que tem uma profissão muito importante", argumentou.
Os bombeiros profissionais "estão há décadas à espera de um mínimo de respeito pelas suas profissões", que "são muito difíceis e muito exigentes", sublinhou a líder bloquista.
"Os bombeiros sapadores têm profissões de desgaste rápido, são profissões de risco, lidam com incêndios perigosos, matérias perigosas, mas não têm o reconhecimento da profissão de desgaste rápido", apesar de "arriscarem a sua vida todos os dias" e "nem por isso têm direito a reformar-se mais cedo", sustentou.
O BE defende para os sapadores "um subsídio de risco à altura da profissão que têm, um reconhecimento da profissão de desgaste rápido, com uma reforma antecipada".
"Aquelas pessoas chegam aos 50, 55 anos, e já não podem estar no terreno, de facto. Não podemos ter um Estado competente, de qualidade, eficaz, que sirva as nossas necessidades, se não reconhecemos os profissionais. E isso vale para bombeiros e sapadores, vale para médicos, para enfermeiros e para todos os profissionais de saúde", acrescentou a coordenadora do BE.
Sobre a forma como decorreram as manifestações de desagrado dos bombeiros que se verificaram na terça-feira em Lisboa, que incluíram o lançamento de petardos, a responsável do BE lembrou que "os protestos têm que respeitar as regras", mas reconheceu "o cansaço de quem espera há muito tempo":
"Há mínimos de regras que têm de ser cumpridas. E essas mínimas regras garantem o protesto em democracia, garantem a segurança de toda a gente, de quem se protesta e de quem está à margem", disse.
Contudo, "quaisquer excessos que possam ter sido cometidos, e o próprio protesto, têm um contexto que também deve ser compreendido. E é o contexto de um cansaço muito grande pelo não reconhecimento de condições básicas do trabalho de um bombeiro sapador que é tão específico e tão perigoso", ressalvou.
Mariana Mortágua apelou à continuidade das negociações com os sapadores, porque "é preciso encontrar as soluções e respeitar estes profissionais", mas advertiu que "o Governo não pode entrar em negociações provocando os bombeiros".
PCP pede foco nas reivindicações dos bombeiros e não na forma como se manifestaram
O secretário-geral do PCP pediu atenção ao conteúdo das reivindicações dos bombeiros sapadores, e não à forma como se manifestaram na terça-feira, apesar de admitir que não teria dirigido o protesto da mesma maneira.
Em declarações no parlamento, Paulo Raimundo foi questionado sobre a manifestação de bombeiros sapadores na terça-feira em frente da sede do Governo, em Lisboa, - em que foram utilizados petardos e fumo.
Na resposta, o secretário-geral do PCP considerou que se pode olhar para a manifestação através de dois prismas: "do conteúdo ou da forma".
"Eu queria centrar-me, sem fugir à forma, no conteúdo: é justo. Aquilo que é exigido é justo", afirmou, reforçando que "é justa a reivindicação de respeito, de reconhecimento das categorias e profissões e a exigência de aumento dos salários".
"Sobre a forma, o que eu gostaria de colocar, de forma simplista, é: se fosse eu a dirigir aquele protesto, certamente que as formas não seriam aquelas que foram encontradas", frisou, apesar de ressalvar que não gostaria que "a forma desviasse a atenção daquilo que é central, que são os conteúdos".
Questionado se considera, como o Governo, que é impensável negociar com uma manifestação daquela dimensão à frente da sede, Paulo Raimundo respondeu que se tem "assistido a protestos vários, uns daquela forma mais pirotécnica e outros de forma até mais carnavalesca".
"Isso é tudo justificação para muita coisa, eu acho é que não é justificação para não responder às questões que estão colocadas", disse.
Paulo Raimundo reiterou que não se deve contribuir "para desviar a atenção do conteúdo: carreiras, profissões, respeito por quem trabalha e aumento de salários para todos, também para os bombeiros".