O bastonário dos Médicos, Carlos Cortes, já tem em seu poder o parecer de cada um dos colégios das especialidades que asseguram os serviços de urgência sobre o plano de contingência definido pela Unidade Local de Saúde (ULS) do Arco Ribeirinho para o serviço de Ginecologia-Obstetrícia, quando este não tem número de médicos especialistas suficientes para funcionar. E as conclusões dos três pareceres, a que o DN teve acesso, são claras: “Inaceitável.” Para o Colégio de Ginecologia-Obstetrícia “a situação atual causa uma imprevisibilidade inaceitável no acesso aos cuidados, mas também a toda estrutura de saúde”. O de Medicina Interna diz mesmo que “o presente despacho do CA da ULS do Arco Ribeirinho pretende tornar banal algo insuscetível de ser banalizado.” O Colégio de Cirurgia Geral argumenta que a “decisão viola o Código Deontológico dos Médicos, nomeadamente o seu Artigo 36.º, o qual impede o médico de ultrapassar as qualificações e competências.” O DN sabe que Carlos Cortes já fez seguir os três pareceres para o Conselho de Administração (CA) da ULS do Arco Ribeirinho, que integra o Hospital Nossa Senhora do Rosário, no Barreiro, a pedir “mudanças urgentes”. Na missiva assinada pelo bastonário é referido que a “Ordem dos Médicos considera inaceitável qualquer medida que contrarie os fundamentos científicos, técnicos e deontológicos expressos nesses pareceres”, solicitando, por isso, “que sejam de imediato introduzidas as alterações necessárias ao procedimento em causa, de forma a garantir o estrito respeito pelas competências das especialidades médicas envolvidas, pela segurança dos doentes e pelos princípios fundamentais da boa prática médica.”Recorde-se que, há uma semana, 28 médicos de Medicina Interna do Hospital do Barreiro escreveram ao CA da ULS a contestar o plano de contingência definido para o Serviço de Ginecologia-Obstetrícia. Segundo este plano, e como foi noticiado na altura, os médicos de Medicina Interna passariam a ter de prestar cuidados e apoio às doentes do foro ginecológico e às grávidas internadas, quando não há um médico especialista desta área. .Grávida do Barreiro esperou horas para entrar no Hospital de Cascais para ser assistida. Feto chegou sem vida. Na carta enviada à ULS, os médicos internistas fazem saber que tais cuidados não fazem parte da suas “competências” e apresentaram escusas de responsabilidade. O bastonário dos médicos reagiu, na altura, em comunicado, dizendo que tal decisão revelava “um profundo desconhecimento dos limites técnicos e científicos das especialidades médicas envolvidas, e demonstra uma preocupante ligeireza quanto à segurança dos cuidados prestados às grávidas e às mulheres”, considerando “inaceitável que médicos internistas e cirurgiões gerais sejam chamados a assumir funções que ultrapassam claramente as suas competências”. Mas para sustentar a sua posição, e as medidas que tenham de vir a ser tomadas, Carlos Cortes pediu pareceres aos três colégios das especialidades mais envolvidas nas urgências, que, agora, vêm concordar com a sua posição inicial. Ginecologia-Obstetrícia defende melhor “solução” para resolver dificuldadesNo parecer enviado ao bastonário, a Direção do Colégio de Ginecologia-Obstetrícia (DCGO) afirma concordar com a existência de “um plano de contingência para os Serviços de Urgência de Ginecologia e Obstetrícia (SUGO) que seja eficaz, no que concerne à resposta dos serviços e às solicitações da população”. Ou seja, em seu entender, “um plano de contingência faz parte de qualquer organização. Tem de existir sempre que as equipas habituais, normais, não possam ser formadas. Trata-se de um plano B, um plano para as eventualidades. Não sendo uma regra, tem como objetivo regular uma atividade, a um nível abaixo daquela que em situações normais seria expectável, mantendo as condições de segurança para as utentes e profissionais”. No entanto, considera que “a situação atual causa uma imprevisibilidade inaceitável no acesso aos cuidados, mas também a toda estrutura de saúde”. Este colégio diz ser “decisivo encontrar as melhores soluções para resolver as dificuldades do momento, sem nunca colocar em risco utentes e profissionais”. .Urgência de obstetrícia do Barreiro fechada 10 dias. Utentes dizem estar a ser preparado fecho definitivo. Para a DCGO, “as melhores soluções passam por encaminhar as utentes e, particularmente, as grávidas para o melhor local de atendimento. Desde logo, as situações urgentes para um SUGO e as situações não urgentes (azuis e verdes) para consultas abertas ou consultas externas hospitalares ou nos centros de saúde. Ainda acreditamos que qualquer utente beneficia em ser bem atendido e ser encaminhado para o local adequado de atendimento”. E, por outro lado, por “nunca se colocar em risco utentes e profissionais”, o que “implica, acima de tudo, respeitar a preparação técnica de cada profissional. Pedir a um especialista para observar, fazer diagnóstico e instituir terapêutica em áreas técnicas que não são as suas, pode colocar em risco a utente e criar ao profissional vários problemas: éticos, deontológicos e técnicos. Trata-se de uma posição da qual a nossa Medicina não deve abdicar.”Para Medicina Interna plano de contingência tem de ser assegurado pelo serviçoO Colégio da Especialidade de Medicina Interna defende no seu parecer que este plano de contingência “enferma de vários equívocos”, sendo o primeiro que “os planos de contingência existem para controlar danos em situações raras e não expectáveis - terramotos, pandemias, apagões. Ora a situação da Obstetrícia no Barreiro, e na Península de Setúbal, tem um histórico de incapacidade de assegurar a regularidade das escalas da urgência de Obstetrícia, com muitos meses (mais de dois anos e meio). A situação tornou-se habitual, frequente e expectável (sempre que é publicada a escala, sabe-se quando vai haver problema). O presente despacho do CA da ULS do Arco Ribeirinho pretende tornar banal algo insuscetível de ser banalizado”. O segundo equívoco, dizem, é que “um plano de contingência para um serviço tem de ser assegurado pelo próprio serviço. Um Serviço de Ginecologia e Obstetrícia, neste caso do Hospital do Barreiro (ULS do Arco Ribeirinho), que não consegue assegurar o seu próprio plano de contingência que futuro tem?”, questionam. O terceiro dirige-se ao CA da ULS que “parece desconsiderar a diferenciação técnico-científica inerente às diversas especialidades médicas”, argumentando que “a Medicina Interna sempre demonstrou, e continuará a demonstrar, total disponibilidade para prestar apoio em situações e complicações médicas que afetem grávidas ou doentes internadas nas áreas de Obstetrícia e Ginecologia. Contudo, é crucial sublinhar que esta especialidade não possui competência para avaliar, diagnosticar ou tratar situações diretamente relacionadas com o processo do parto, seja no período pré-parto, intraparto ou pós-parto, nem patologia ginecológica. Consequentemente, não pode ser responsabilizada pelo acompanhamento de grávidas internadas nos serviços de Ginecologia e Obstetrícia.” No mesmo documento lê-se ainda que, “caso o CA não disponha das condições necessárias para manter os serviços de urgência e de internamento abertos e em funcionamento com um mínimo de segurança, torna-se imperativo que encontre soluções imediatas. Estas soluções podem incluir, por exemplo, o encerramento da urgência e a transferência de doentes para outras unidades”, concluindo: “O que não pode ser admitido é o comprometimento da segurança dos doentes e o agravamento das já desafiadoras condições de trabalho dos médicos internistas, responsabilizando-os por tarefas que não se inserem no âmbito das suas competências funcionais.” Cirurgia Geral argumenta que decisão da ULS “viola Código Deontológico” No documento que fez chegar ao bastonário dos médicos, a direção do Colégio de Cirurgia Geral “rejeita a atribuição de responsabilidades aos médicos” da especialidade “quanto à assistência direta em situações obstétricas e ginecológicas, definidas pelo Conselho de Administração da ULS do Arco Ribeirinho na Circular Informativa número 79/2025 de 7/7/2025.”, argumentando mesmo que tal “decisão viola o Código Deontológico dos Médicos, nomeadamente o seu Artigo 36º, o qual impede o médico de ultrapassar as qualificações e competências.”A direção do CCG diz estar “ciente das dificuldades na elaboração das escalas de urgência por parte de várias especialidades”, mas “achamos que a situação existente não deve pôr em risco a segurança dos doentes em causa, nem tentar imputar responsabilidades profissionais a médicos que não têm capacidade para tal.” O colégio refere também que “os cirurgiões gerais continuarão, como sempre, a responder às solicitudes do foro da sua especialidade e a colaborar com outros especialistas de uma forma multidisciplinar”, e, por isso mesmo, “rejeitamos qualquer tentativa de atribuição de responsabilidades em contexto de urgência aos especialistas de Cirurgia Geral quanto à assistência direta fora do âmbito das competências diretas da sua especialidade, devidamente definidas por aquele colégio”. No final, este colégio manifesta solidariedade e apoio à posição assumida pelo bastonário e “repúdio à deliberação do CA da ULS do Arco Ribeirinho.”O Hospital do Barreiro faz parte do grupo de unidades da região de Lisboa e Vale do Tejo que, sistematicamente, tem tido a urgência de Obstetrícia fechada ao fim de semana. .Hospitais vão ter de fazer triagem a doentes referenciados para consultas num prazo de dois a cinco dias .Fnam diz que hospitais admitem acordo transitório já em agosto para repor direitos dos médicos