Banco público precisa de 350 dadores de óvulos e esperma
A lei que alargou a procriação medicamente assistida (PMA) a mulheres solteiras ou casadas com outras mulheres, em vigor há quase três meses, tornou ainda mais evidente a falta de dadores de esperma e de óvulos em Portugal. A nível nacional estão registados 24 homens como dadores e 42 mulheres dadoras no banco público de gâmetas. Mas o banco, sediado na Maternidade Júlio Dinis, no Centro Hospitalar do Porto, precisa de 350.
"Para fazer face às necessidades imediatas precisaríamos de cerca de 200 candidatos masculinos (considerando que cerca de 75% não serão dadores efetivos) e de pelo menos 150 dadoras efetivas", adiantou ao DN Isabel Sousa Pereira, diretora do Banco Público de Gâmetas.
Atualmente, existem 251 pedidos na instituição: 68 para gâmetas masculinos e 183 para gâmetas femininos, referiu a responsável. Em cinco anos de existência, 70 crianças nasceram graças aos óvulos e espermatozoides doados ao banco público, segundo um balanço feito em maio do ano passado. Mas muitas poderão nascer, considerando o aumento da procura que existe desde que a lei da PMA, em vigor no final de dezembro, alargou esta técnica a mulheres solteiras ou casadas com outras mulheres.
No privado, o problema não é tão premente. A Ava Clinic, em Lisboa, que garante ter sido a primeira em Portugal a efetuar tratamentos destes a casais inférteis, desde 1999, tem, por exemplo, uma lista de dadores suficiente. Dela faz parte Ivone (nome fictício), uma jovem de 23 anos que decidiu doar óvulos há um ano. "Nessa altura tive a consulta com a psicóloga para poder fazer parte da lista de dadoras". Ivone garante que o fez "pela experiência" e porque lhe "agradou a ideia de saber que de alguma forma geraria vida e com isso ajudaria alguém a alcançar os seus sonhos". A compensação monetária - que é de 630 euros por doação para as mulheres e de 295 euros para os homens - é apenas "uma compensação pelo esforço, que ainda é algum, e pelos riscos". Como as doações são anónimas, o único feedback que Ivone tem são os cartões de agradecimento escritos pelos casais e que a clínica lhe faz chegar. "Esse é o momento em que tudo aquilo que fiz vale mesmo a pena", diz.
Em Lisboa, a espera é maior
Os centros PMA de Lisboa nos hospitais públicos são os mais concorridos, com o do Hospital de Santa Maria a ter um tempo de espera de 8 a 10 meses para uma primeira consulta e o da Maternidade Alfredo da Costa a ir até aos cinco meses. Em qualquer dos casos, as candidatas têm de ali chegar por via de uma primeira consulta no centro de saúde.
"Temos 14 candidatos a dadores, entre homens e mulheres. Mas são insuficientes para o que precisamos", refere Graça Pinto, diretora do centro PMA da Maternidade Alfredo da Costa, um dos três pontos de recolha de gâmetas do país, juntamente com o Centro Hospitalar do Porto (que foi o primeiro) e o Centro Hospitalar Universitário de Coimbra.
"A partir do início de janeiro recebi vários pedidos de consulta de mulheres solteiras sem parceiro masculino. Agora, desde que temos três centros de recolha de gâmetas, estamos a dar prioridade aos casais que tinham sido enviados para o Porto, onde estava o único ponto de recolha. Desde 20 de janeiro já temos uma dúzia de casais que estavam nessa situação e têm prioridade. E desde 1 de fevereiro, enviei uns seis ou sete pedidos novos, alguns de mulheres sem parceiro", acrescenta Graça Pinto, da MAC. As primeiras consultas destas novas candidatas "estão previstas para maio/junho, porque a lista de espera no centro PMA da MAC é de cinco meses".
Quase um ano no Santa Maria
A experiência do diretor do centro PMA de Santa Maria, Calhaz Jorge, é que ali não houve uma relação causa-efeito entre a entrada em vigor da nova lei e uma subida exponencial dos pedidos. "As nossas consultas são a largos meses de distância. Temos meia dúzia de candidatos a aguardar pela primeira consulta. Não temos tido uma procura muito grande porque a capacidade de resposta no Serviço Nacional de Saúde (SNS) ainda está em desenvolvimento". Calhaz Jorge sublinha que em Santa Maria "o tempo de espera para uma primeira consulta é de 8 a 10 meses".
No Centro PMA de Coimbra fazem-se 700 tratamentos de infertilidade por ano e a espera para uma primeira consulta é de três meses. "É o centro público com menor lista de espera do país", adianta a diretora, Teresa Almeida Santos. O efeito da entrada em vigor da nova lei não vai representar mais do que uma subida de 10% nos pedidos, em Coimbra. "Calculo que não vamos ter mais de 70 novos beneficiários por ano". "O impacto da lei vai sentir-se mais nos centros que já têm grande lista de espera, nomeadamente os de Lisboa", refere.
No privado, o problema da lista de espera para consultas não existe, desde que as candidatas possam gastar uns milhares de euros. Cândido Tomás, diretor clínico da AVA Clinic, em Lisboa, adianta que ali têm "registadas cerca de 50 clientes, quer sejam mulheres solteiras ou casais de mulheres". Nem todas foram ainda consultadas. "É importante que todo o projeto seja efetuado de um modo integrado, no que diz respeito à saúde da mulher, ao seu aconselhamento psicológico e ao tipo de tratamento a efetuar e os seus riscos". Cândido Tomás acrescenta ainda que "todos os procedimentos de consulta, análise e decisão demoram algum tempo, um a dois meses, mas é fundamental para todos terem a certeza do que estão a fazer e dos riscos associados".
Na totalidade, a AVA Clinic, em Lisboa, já iniciou mais de 13 000 tratamentos, dos quais nasceram quase 2000 crianças. O tempo para uma primeira consulta é de uma a duas semanas. Os custos dos tratamentos variam: desde os exames de ecografia (100 euros), passando pelas inseminações (cerca de 700 euros), fertilização in vitro (3200 euros) ou micro injeção (4200 euros), até às doações de ovócitos (cerca de 6100 euros). Estes últimos tratamentos necessitam de medicamentos que podem chegar até aos 500 a 700 euros.