Aumentam dependências de jogos e das apostas "online"

Investigadores, profissionais e decisores políticos internacionais discutem o consumo de substâncias e outros comportamentos adictivos na Lisbon Addictions. No caso da internet, defendem terapia integrada e que inclua o indivíduo e a família.

Os comportamentos adictivos vão estar em discussão entre hoje e sexta-feira na conferência europeia Lisbon Addictions. É a 4.ª edição e tem como tema as adições globais, nomeadamente as que não envolvem o consumo de substâncias, como os jogos online. Casos em que os peritos defendem uma terapia integrada e que inclua o indivíduo dependente e a família.

Os estudos sobre o gaming (videojogos) e o gambling (jogos de apostas) crescem nos últimos anos, tanto como o número de dependentes. "O problema parece ter aumentado com o uso do smartphone, sempre no bolso, cada vez mais integrado nas atividades diárias e percebido quase como uma extensão do corpo", refere a investigação Eu Kids Online Portugal.

Em 2018, questionaram a população entre os 9 e 17 anos e verificaram que os consumos de internet aumentaram comparativamente a 2014. Setenta por cento sentem-se aborrecidos quando não estão a usar a net. Trinta por cento disseram que as horas passadas em frente ao ecrã são responsáveis por conflitos com a família e os amigos (6 % frequentemente) e 48 % dizem passar menos tempo com os amigos/família e deixar de estudar por causa da internet (11% com muita frequência). Deixar de comer e de dormir para estar online subiu de 12% para 18%.

Num outro inquérito, em 2019, 7,6 % dos jovens dos 13 aos 15 anos e 15,6 % dos 16 e 17 responderam ter apostado online nos últimos 12 meses anteriores. Refira-se que estes jogos estão interditos aos menores de 18 anos. Os números foram divulgados no Estudo sobre o consumo de álcool, tabaco, drogas e outros comportamentos aditivos e dependências: Portugal 2019.

Os valores são menos expressivos do que em relação ao consumo de substâncias, mas há uma interligação. "Os alunos que consomem substâncias psicoativas (lícitas e ilícitas) e que têm padrões de jogo eletrónico (online) mais problemáticos são também aqueles que mais jogam a dinheiro e os que parecem desenvolver mais problemas associados", concluíram os investigadores.


Terapia individual e familiar

Carla Andrade, psicóloga clínica, apresenta na manhã desta quarta-feira um estudo sobre um jovem dependente de jogos online: A gaming and gambling: characteristics, harms, correlates, and treatment (Videojogos e jogos de apostas: características, danos, relacionados e tratamento).

Trata-se de um jovem de 16 anos, enviado pelo médico de família, que acompanhou durante 18 meses nas consultas de prevenção para adolescentes e jovens com comportamentos de risco (adicção e dependências). A psicóloga exerce no Centro de Respostas Integradas (CRI) de Lisboa Ocidental (Amadora, Sintra, Cascais e Oeiras), na Divisão de Intervenção nos Comportamentos Adictivos e nas Dependências (DICAD). Contou com o apoio de Rui Pedro Silva (psicólogo clínico e terapeuta familiar) e Luísa Pereira (assistente social e terapeuta familiar).

O jovem em causa jogava vários jogos online, muitos dos quais no formato de multijogadores. A dependência chegou ao ponto de passar noites agarrado ao computador, desenvolvendo simultaneamente um diagnóstico de fobia social e sintomatologia depressiva. Teve alta "quando melhorou significativamente" desses sintomas, o que passou por diminuir drasticamente as horas passadas online.

"É importante haver uma intervenção psicoterapêutica integrada tanto do ponto de vista individual, como familiar. Há questões relacionadas com a família que têm de ser trabalhadas, como sejam a colocação de regras, a monitorização que os pais terão de fazer, as estratégias que devem usar e que passam pela negociação com os adolescentes/jovens. A complementaridade entre uma intervenção individual e familiar é uma mais-valia", defende a psicóloga.

Após a pandemia, aumentaram os reencaminhamentos e acompanhamentos de adolescentes/jovens com adicção ao jogo/online ou utilização problemática da internet e/ou jogo (gaming e gambling). E as equipas de prevenção da CRI têm sido cada vez mais solicitadas para intervir em comportamentos adictivos sem substâncias.

Neste sentido, estão a desenvolver programas para jovens do 2.º, 3.º ciclo e Secundário, também orientados para os encarregados de educação. Têm vindo a ser implementados nas escolas, enquadrados na promoção da literacia em saúde e prevenção de doença.

Conferência europeia.

A Lisbon Addictions 2022 estabeleceu um novo recorde de participantes (mais de 1800), provenientes de 100 países. Números que têm vindo a ser batidos desde o primeiro encontro, em 2015, sendo realizado de dois em dois anos (falhou 2021 devido à covid-19). É organizada pelo Serviço de Intervenção nos Comportamentos Adictivos e Dependências (SICAD), pelo Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (a sede é em Lisboa), pelo jornal científico Addiction/Society for the Study of Addictions e pela International Society of Addiction Journal Editors.

Estão previstas mais de mil apresentações nos três dias de trabalhos, distribuídas por 200 sessões, incluindo plenários, grandes debates, workshops e visitas guiadas. Estão convidados 25 peritos internacionais. Os temas em debate serão analisados em vários ângulos, desde as políticas públicas e intervenção internacionais até métodos inovadores e direitos humanos.
O principal objetivo é que seja um espaço para troca de experiências entre investigadores, profissionais e decisores políticos. Em cima da mesa, os novos desafios no âmbito dos comportamentos adictivos e dependências (ver entrevista).

"Perspetivas globais sobre adicções e mercados de drogas"; "Dependência de álcool"; "Adicções e saúde mental"; "Hepatite C, outras doenças infecciosas e danos relacionados com as drogas"; "Desafios atuais e futuros na política global de drogas", serão alguns dos temas em discussão (haverá tam- bém um espaço para comunicações que não se enquadrem nos temas predefinidos).

Há três painéis programados: "Garantir o alívio adequado da dor reduzindo o risco de dependência, lições aprendidas e o caminho a seguir"; "Reimaginar a recuperação"; "Desigualdade social no consumo de álcool, consumo de álcool por menores e indústria do álcool". os grandes debates vão discutir as questões-chave relacionadas com as "Adicções Globais": "Tratamento assistido por psicadélicos para distúrbios por uso de substâncias - há muito negligenciado ou agora sobrestimado?" e "Dependência, comportamentos compulsivos e hábitos não-saudáveis - uma etiologia comum e implicações para a prática?"

Há, ainda, sessões à hora do almoço, estas promovidas pela a Organização Mundial de Saúde e pelo Gabinete das Nações Unidas de Combate à Droga e Prevenção do Crime.


ceuneves@dn.pt

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