Atrofia muscular espinhal pode entrar no rastreio do teste do pezinho no próximo ano
O teste do pezinho inclui 26 doenças raras. Em 2022, pode vir a abranger mais uma: a atrofia muscular espinhal. Instituto Ricardo Jorge confirmou ao DN "haver disponibilidade para iniciar no próximo ano os procedimentos metodológicos, legais e éticos necessários" à sua inclusão. Este é o passo que falta para mudar a vida de quem nasce com a doença.
A atrofia muscular espinhal (AME) é uma doença rara e, de entre estas, das "mais frequentes", confirma ao DN a neuropediatra do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, Teresa Moreno. "A probabilidade é de um para cada 10 mil nados-vivos, estimando-se que em Portugal haja, neste momento, 120 a 130 doentes com AME nos seus vários tipos - 1, 2, 3 e 4", refere. Segundo explica, o tipo 1 é a forma mais grave da doença, que, até há três anos, dava um prognóstico de sobrevida a quem com ela nascia de, no máximo, dois anos. Nos tipos 2, 3 e 4, os doentes são diagnosticados mais tarde, alguns já em idade adulta, e com um prognóstico de sobrevida mais elevado. "Há doentes com 40, 50 e mais anos", diz a médica.
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Mas esta realidade começou a mudar há três anos com o aparecimento de medicamentos que, pela primeira vez, se destinavam à doença. Os doentes de tipo 1 têm agora a esperança de uma sobrevida mais longa e de melhor qualidade de vida. Natália, uma menina de 3 anos, diagnosticada com AME ao fim de 20 dias de vida, é um exemplo, como o DN deu conta na edição de ontem. Dois anos depois de ter começado a fazer medicação, Natália "está cá", e como diz a mãe, "isso é o que importa", porque ao longo destes três anos a vida tem sido feita de vitórias em vitórias, desde o agarrar a chupeta ou o rastejar para apanhar o que quer, até começar a conseguir dizer algumas palavras. A nova medicação associada a uma reabilitação multidisciplinar tem trazido a Natália e a outros meninos como ela a esperança de "uma vida cada vez mais normal".
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Rastreio precoce é imperioso para terem uma vida normal
A neuropediatra Teresa Moreno, que contou ao DN que perdeu 23 meninos com o diagnóstico de Natália até haver estas novas terapias, confessa: "É verdadeiramente entusiasmante estar a viver este tempo." Para a especialista, o passo seguinte na mudança da história da doença é o rastreio através do teste do pezinho. "Tornou-se imperioso que se comece a tratar os doentes antes de os sintomas aparecerem, porque quando estes aparecem já 80% das células neuronais estão mortas. Se o rastreio for feito à nascença é possível começar a tratar o doente e, com as novas terapias, estes poderem vir a ter uma vida normal."
Segundo explicou ao DN, este rastreio já é feito em alguns países, como Itália, Singapura, Taiwan, nos EUA, em dois ou três estados, e na Alemanha, desde o início deste ano. Em janeiro de 2022 vai começar a ser feito na Holanda e, em Portugal, espera-se que esta decisão seja tomada o mais rapidamente possível. O DN sabe que a Sociedade Portuguesa de Estudos para as Doenças Neuromusculares entregou, em 2020, no Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (INSA), um dossiê com toda a informação técnica e justificação científica que sustentam a razão por que se "tornou mandatório este rastreio à nascença", mas "ainda não obteve resposta".
Teresa Moreno explica que "estão a ser feitos ensaios clínicos em bebés e, na realidade, todos estão a demonstrar que se a doença for diagnosticada à nascença e se os bebés começarem a ser tratados vão andar na idade certa, vão sentar-se na idade certa". "Já que se gasta tanto dinheiro a tratar estes meninos, então que se faça o teste do pezinho e que o gastemos de forma que estes meninos possam vir a ter uma vida normal", acrescenta.
A neuropediatra reforça: "Quando temos o diagnóstico 80% das células neuronais já morreram, portanto estas nunca serão recuperadas. E ao fim dos 3 meses de vida só temos 25% destas células, que não são como outras do nosso organismos que se regeneram. Daí a premência de detetar a doença numa fase em que ainda não há uma enorme destruição neuronal, fazendo que os neurónios que sobram sobrevivam e se rentabilizem, começando a enervar células que já tinham perdido a enervação, conseguindo recuperar funções em crianças que já não as tinham."
"Estão a ser feitos ensaios clínicos em bebés e, na realidade, todos estão a demonstrar que se a doença for diagnosticada à nascença e se os bebés começarem a ser tratados vão andar na idade certa e vão sentar-se na idade certa."
Esta possibilidade pode estar mais próxima. O INSA confirmou que "em relação à atrofia muscular espinhal, há disponibilidade para iniciar, durante o próximo ano, os procedimentos metodológicos, legais e éticos necessários ao estudo da viabilidade da inclusão desta patologia no painel de doenças rastreadas no âmbito do PNRN [Programa Nacional de Rastreio Neonatal]".
Na resposta enviada ao DN, o INSA especifica que o PNRN, chamado teste do pezinho, é realizado em Portugal desde 1979 em todos os recém-nascidos, permitindo identificar as crianças que sofrem de doenças, quase sempre genéticas, como a fenilcetonúria, a primeira a ser rastreada, ou o hipotiroidismo congénito, que entrou em 1981, e que vieram beneficiar de tratamento precoce.
Em 2004, o PNRN teve maior expansão no número de doenças rastreadas, "desta vez alicerçada numa inovação tecnológica que veio revolucionar o rastreio neonatal das doenças hereditárias do metabolismo; a espetrometria de massa em tandem. Esta tecnologia veio permitir que, com uma única amostra, e numa única análise, seja possível rastrear simultaneamente várias doenças hereditárias do metabolismo", explica o INSA.
PNRN já permitiu rastrear e tratar 2300 crianças
Em 2008, passaram a ser rastreadas sistematicamente a nível nacional 24 doenças hereditárias do metabolismo. Em 2019, após um estudo-piloto, a fibrose quística foi integrada no PNRN, perfazendo um total de 26 doenças. De acordo com o que está legislado, "toda e qualquer proposta de inclusão de uma nova patologia no PNRN é, numa primeira fase, apreciada pela Comissão Técnica Nacional do Programa Nacional do Rastreio Neonatal. Perante um parecer positivo, é avaliada, posteriormente, pela comissão executiva do PNRN a viabilidade da inclusão dessa patologia a nível laboratorial e, após garantido o financiamento, é autorizada a realização de um estudo-piloto, no qual cerca de 100 mil recém-nascidos serão rastreados para aferir a real oportunidade (custo-benefício) de incluir a patologia em causa no painel das doenças abrangidas pelo programa".

A neuropediatra Teresa Moreno diz que se "tornou mandatório este rastreio à nascença".
© Gerardo Santos Global Imagens
O INSA explica que "o estudo-piloto tem como objetivo avaliar a exequibilidade técnica e organizacional do rastreio da patologia em Portugal e determinar o seu impacto em termos de saúde pública. Será desta forma possível avaliar a viabilidade da integração deste teste no PNRN".
Neste momento, está a decorrer um estudo-piloto para a inclusão da drepanocitose (anemia das células falciformes) no grupo de doenças a rastrear no PNRN, que desde a sua criação já permitiu rastrear e tratar, precocemente, mais de 2300 crianças doentes.
O rastreio do teste do pezinho, explica o INSA, "não tem caráter obrigatório, no entanto a sua cobertura é, atualmente, superior a 99% dos recém-nascidos permitindo, através do rastreio e da confirmação do diagnóstico, o encaminhamento dos doentes para a rede de centros de tratamento, sedeados em instituições hospitalares de referência, contribuindo para a prevenção de doenças e ganhos em saúde".
A inclusão da AME no teste do pezinho é agora a esperança para quem nasça no futuro com esta doença rara e congénita. A esperança de uma vida diferente daquela que até agora lhe estava destinada.
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