"As instituições de investigação mais importantes têm procurado salvaguardar-se de eventuais riscos"

Integridade em Ciência é o tema a debate no ciclo de conferências "Desafios da Ciência na Sociedade Contemporânea", organizado pelo Instituto de Altos Estudos da Academia das Ciências de Lisboa. A iniciativa com a presença de Paula Martinho da Silva, advogada, especialista em bioética, decorre <em>online</em>, via Zoom, esta quarta-feira (18.00). Em entrevista, a conferencista partilha algumas das reflexões que leva ao encontro.
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O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, entidade à qual presidiu, lavrou em 2018 o relatório de recomendações "Integridade na Investigação Científica". Aí lemos: "os casos conhecidos de falta de integridade em ciência têm tido um aumento significativo, com um impacto individual, social e económico evidente". Isso mesmo já havia sido reconhecido na Primeira Conferência Mundial sobre Integridade da Investigação. As métricas de avaliação dos investigadores e das instituições, como fazer mais, melhor, mais depressa e publicável, poderão cooperar para o "aumento significativo" atrás referido?
Vivemos numa sociedade em que a "excelência" e o "sucesso" são apresentados como uma valorização tanto em termos profissionais, como económicos, criando o que Michael J. Sandel [filosofo, escritor ensaísta dos Estados Unidos] designa por uma "sociedade de ganhadores e perdedores", cujo lema se traduz na cultura do êxito (grow or go). Por vezes traduzem-se em ilusões e os meios para os alcançar são frequentemente estimulados por pressões tanto pessoais, como económicas, criando uma competição pouco saudável. Expressões muito conhecidas no meio científico, como publish or perish - a pressão para publicar nas melhores revistas científicas, muitas vezes num curto espaço de tempo; a pressão para a apresentação de bons resultados; a progressão na carreira; a procura de financiamento, constituem fatores que são identificados como responsáveis pelas más práticas científicas e que colocam em risco a qualidade da investigação, a honestidade dos seus resultados e leva a condutas reprováveis. Daí que seja da maior importância promover e assegurar o cumprimento dos princípios e padrões éticos de integridade científica prosseguindo o objetivo da investigação científica que é o da busca do conhecimento, usando métodos científica e eticamente robustos, com impacto positivo para a comunidade científica e para a sociedade.

No mesmo documento acima referido lemos: "A má conduta científica não é um crime sem vítimas". De que vítimas falamos?
Falamos essencialmente das repercussões da má conduta científica na própria investigação, nos investigadores, nas instituições e na sociedade em geral. O conhecimento e inovação não progridem solidamente, os investigadores aviltam a sua profissão, serão excluídos de futuros financiamentos e de concorrer a outros lugares; as instituições desprestigiam-se, atingindo a sua reputação; a sociedade perde confiança; o investimento desaparece, e, acima de tudo, é cada um de nós que é prejudicado no conhecimento que se perdeu, no avanço que não se realizou, na desconfiança que se instala, no investimento desperdiçado e nas oportunidades que se perdem e que dificilmente se recuperam.

Um dos pontos que levará à conferência hoje na Academia das Ciências de Lisboa trata a questão da fiabilidade, honestidade, respeito e responsabilidade, princípios consignados no Código Europeu de Conduta para a Integridade Científica. Em Portugal, investigadores e instituições estão a implementar as ferramentas necessárias para cumprir o código aqui já referido?
A importância da investigação em Portugal é inquestionável, bem como a qualidade dos investigadores. Faz-se uma investigação sólida, íntegra e que segue os padrões éticos. As instituições de investigação mais importantes têm procurado salvaguardar-se de eventuais riscos, o que torna saudável a produção científica em Portugal. Há, por isso, que consolidar essa investigação responsável. As instituições e os investigadores devem mostrar claramente o seu compromisso com a promoção de uma cultura de integridade científica, assente no respeito pelas boas práticas de investigação, constantes do Código Europeu de Conduta para a Integridade na Investigação, mas igualmente nas guidelines internacionais consensuais e na legislação em vigor. Devem, também, implementar ferramentas necessárias para cumprir e consolidar essas boas práticas. Mas não basta dizer que se quer fazer ou se faz. É preciso que essas ferramentas sejam eficazes e que possam demonstrar os benefícios que o seu cumprimento pode trazer para a investigação.

Seria aconselhável criar, por exemplo, uma Comissão Nacional para a Integridade Científica ou os mecanismos desenvolvidos no seio de diferentes instituições (ex. universidades), assim como os quadros legais, revelam-se por si só adequados?
A criação de uma Comissão Nacional para a Integridade Científica é uma possibilidade que tem sido recomendada, e pode ser considerada. No entanto, e em primeiro lugar, penso ser de todo o interesse para cada instituição desenvolver internamente mecanismos de prevenção, supervisão e resposta, seguindo os quadros legais em vigor e as guidelines internacionais consensuais.

Entre as questões que levará à já referida conferência refere que "existem modelos consensuais que são e podem ser seguidos pelas instituições e investigadores com vista a uma cultura de integridade científica". Quer elencar-nos alguns desses modelos?
Quando na Declaração de Singapura sobre Integridade na Investigação [2010] , texto fundador de uma política de integridade científica a nível internacional se refere, no seu preâmbulo, que "enquanto que podem existir e existem diferenças nacionais e disciplinares na forma como a investigação é organizada e conduzida, há também princípios e responsabilidades profissionais que são fundamentais para a integridade da investigação onde quer que esta seja realizada", está a afirmar que existem valores comuns que são partilhados por quem faz investigação e esses valores estão bem refletidos por exemplo, no Código de Conduta para a Integridade na Investigação.Quando falamos em integridade na investigação, não nos restringimos exclusivamente ao trabalho do investigador, mas também a todo o ambiente em que se desenrola a investigação e nos instrumentos que existem em cada instituição de modo a permitir que uma boa investigação possa ser praticada, desde a formação, supervisão e orientação, procedimentos da investigação, ou seja, o desenvolvimento das ideias de investigação, à sua conceção e realização, utilização dos fundos, gestão e utilização de dados, publicação de resultados; a forma como se desenrola o trabalho da equipa. O Código de Conduta Europeu já descreve guidelines muito claras, que cada instituição pode e deve adotar. Adotar as guidelines, respeitar os códigos deontológicos existentes, elaborar Códigos de Conduta, cumprir a legislação existente, nacional e europeia, em matéria de investigação, o que implica, também, a constituição de estruturas independentes nas instituições que velem pelo cumprimento dos princípios éticos - dotadas de meios para o exercício efetivo das suas competências -, são alguns dos exemplos com vista a criar uma "cultura de investigação" saudável.

dnot@dn.pt

Siga a conferência aqui:
https://videoconf-colibri.zoom.us/j/92374028924
ID da reunião: 923 7402 8924

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