Arouca afirma-se como incubadora de jovens investigadores portugueses

As I Jornadas de Ciência de Arouca juntam diáspora e futuros investigadores. Tudo isto num pequeno concelho onde a investigação dá frutos. Sob o olhar embevecido dos seniores como Manuel Sobrinho Simões, natural da terra
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Cientista entre a biologia e a física. Uns que deixaram a secundária há anos, outros que se preparam para o fazer. Em comum têm o nascer em Arouca e o gosto pela ciência, o bichinho que se instalou na escola. À mesa de um jantar, nas I Jornadas de Ciência de Arouca, os juniores trocam experiências de bolseiros e de como é diferente trabalhar no estrangeiro, investigação mais virada para as empresas. Enquanto os "pequeninos" recordam as viagens para apresentar os projetos galardoados. Tudo sob o olhar orgulhoso dos seniores. Mas o que é que Arouca tem para ter tantos cientistas?

A constatação surpreende quem saiu há mais de uma década da Escola Secundária de Arouca, o laboratório deste movimento. "Não fazia ideia, até porque, numa terra pequena como esta, a tendência é seguir medicina, tem a ver com o prestigio", diz Simão Rocha, 36 anos, da área da genética, doutoramento em Cambrige e pós-doc em Paris, agora no Instituto de Medicina Molecular de Lisboa.

Foram as primeiras jornadas, entre sexta-feira e ontem, logo para juntar a diáspora e os futuros investigadores. Exercício difícil e que reuniu 14 arouquences com doutoramento ou em fase de o concluir, entre eles quem faça investigação no Brasil, Espanha, Áustria e Holanda. Outros estão espalhados por Portugal, mas com maior expressão no Norte.

Corpo docente bom e estável

Experimentalistas e críticos, perguntam antes de responder: "Houve encontros do género em outras terras? "Com quem nos comparamos?" "Quantos somos?" "Qual é rácio por alunos?" E, só depois, as explicações.

"Tivemos muito bons professores, sobretudo no 12.º ano, e eram da casa", explica Daniela Rocha, 34, geoconservação, a única na cidade, na Associação de Geoparque de Arouca. "Os alunos são aplicados, têm boas notas. Só há uma escola secundária, que é pública, e todo o trabalho é aqui desenvolvido, aponta Andreia Dias, 37 anos, biodiversidade pela Universidade de Barcelona.

Ana Raquel Figueiredo, 38 anos, biologia vegetal, é a mais velha do grupo. Viaja através dos projetos que a conquistam: primeiro na Califórnia (EUA), agora em Campinas (Brasil). "Entrei para a ciência em 2001 e sinto que na última década se evoluiu bastante em Portugal. E a vantagem de Arouca é que tem um grupo de professores muito bom e estável, desde o básico até ao secundário. É uma cidade que dá grande liberdade de movimentos e, por outro lado, está muito perto do Porto e isso ajuda ao nosso desenvolvimento."

Estudam moléculas, células e circuitos óticos, fazem ecologia microbiana, testam a indústria da biomassa, relacionam a obesidade com o cancro, realizam biofilmes e jogos eletrónicos sérios, colocam a quântica ao serviço das novas tecnologias. E ainda se espantam com os mais novos que desenvolve testes mais rápidos para a deteção de poluentes na água recorrendo a embriões de caracóis. É o projeto Smart Smiles, de Matilde Silva e Mariana Garcia, alunos do 12.º mas que começaram o trabalho no 9.º, com que ganharam três primeiros prémios, entre eles o de jovens cientistas europeus, EUCYS, Varsóvia 2014. Matilde quer seguir medicina, Mariana ainda não decidiu.

Ou quem utiliza larvas de mosca da fruta para criar um neuro teste, uma ferramenta desenvolvida por Beatriz Gomes, 18 anos, estudante de ciências farmacêuticas em Coimbra, e por Paulo Castro, aluno de medicina no Minho, dois primeiros prémios nacionais. Acabem de chegar do México onde apresentaram o trabalho.

Afinal, o que é que Arouca tem?

"Tem uma escola que apoia e incentiva os projetos, com professores muito empenhados e que é autosustentável. Trabalha, ganha prémios e com esse dinheiro volta a investir na ciência." Explica Mariana Santos, 21 anos, estudante de medicina e que pertence a um grupo de futuros médicos que recebeu o prémio de originalidade dos jovens cientistas europeus em 2012, em Bratislava. Trabalhou com Armindo Fernandes e Ricardo Fernandes sobre o efeito da radiação emitida pelos telemóveis na fertilidade masculina da mosca do vinagre.

Filho de Arouca e referência internacional, Manuel Sobrinho Simões recua no tempo para explicar o sucesso da terra. "Arouca era o mosteiro e um vale, que era rico na agricultura. Num meio agreste, só os melhores é que sobrevivem e, antes da revolução industrial e da nossa deslocação para o litoral, há uma concentração de massa cinzenta em Arouca. E depois há um associativismo muito forte entre autarquia e associações, além de uma grande relação com o Porto e, também, com Coimbra. E, como o comércio era muito fraquinho, o conhecimento foi sempre considerado pelas pessoas daqui como um elevador social."

Mas a verdadeira estrela das jornadas é Filipe Ressurreição, 54 anos, professor de biologia na escola e investigador no Departamento de Genética do Instituto Superior de Agronomia, o principal dinamizador da Oficina da Ciência, onde os jovens desenvolvem os projetos, cerca de 25 por ano, e com os quais já conquistaram 26 prémios desde 2004. " O sucesso de Arouca tem a ver com tudo um pouco: os alunos, os professores, os apoios da escola, a própria comunidade", justifica, modesto. Mas, à pergunta se poderia fazer o mesmo em outra cidade responde: "Podia."

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