André Pestana e o STOP. Um êxito sindical sem "alquimia partidária"

O coordenador do STOP ganhou enorme protagonismo nos últimos meses. Com um longo percurso ligado à extrema-esquerda, será isso transponível para o campo político?
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O nome entrou de rompante no espaço público, à boleia do grito de revolta dos professores e das escolas fechadas um pouco por todo o país. Desde então o STOP, liderado por André Pestana, assumiu-se como o novo ator, até mesmo protagonista, da luta da classe docente, juntando milhares de professores nas ruas. Poderá este protagonismo estender-se para lá do movimento sindical? Vindo da extrema-esquerda, militante do Movimento Alternativa Socialista (MAS), poderá André Pestana representar algo de novo neste espetro político?

Para António Costa Pinto é "inegável" que o STOP trouxe um "fator de novidade, de inovação" à luta sindical, que se traduz a três níveis: por um lado "a junção das profissões associadas à educação", chamando à contestação outras profissões do setor, ganhando assim uma capacidade de mobilização que excede os professores e provocando um "impacto mais significativo", a que se somou o "tipo de ação grevista, que chegou a levantar dúvidas de constitucionalidade ".

Podem estas lutas sindicais extravasar para o plano partidário? António Costa Pinto não tem dúvidas que a resposta é negativa. A "criação de uma imagem mais independente e de defesa específica dos interesses de um grupo socioprofissional" é uma mais-valia do STOP, que conseguiu agregar um "conjunto de professores mais jovens que provavelmente nem saberão as origens do principal dirigente, nem estão preocupados com isso, e que são mais sensíveis ao STOP na sua dimensão de sindicato independente". "Não há aqui uma dimensão de controlo político, não há uma relação como a da Fenprof com o PCP", diz o investigador coordenador do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa. E isso explica a discrição do Movimento Alternativa Socialista: "Dá jeito aos dois, ao sindicato e ao MAS, que terá a consciência de que tentar capitalizar muito, diminui o sindicato e a sua capacidade de mobilização".

Para Adelino Maltez o STOP surgiu como a "voz tribunícia" que deu corpo às reivindicações dos professores, com problemas "de décadas" que continuam por resolver. "Há um conservadorismo de gestão, quer da parte do ministério, quer da parte dos sindicatos, um centralismo que não admitia outras formas de gestão dos professores. O STOP entrou aqui muito bem, obrigou a que os outros sindicatos fossem a reboque". O que é um bom sinal, defende o politólogo, sustentando que a "concorrência faz bem, também entre os sindicatos". Mas nada disto é transponível para o sistema político partidário. "Não há nenhuma identificação" entre estas duas esferas, diz Adelino Maltez, sublinhando, aliás, que se as duas se misturassem o STOP "deixava de ter a importância" que ganhou nos últimos meses.

Com um já longo percurso político, André Pestana foi membro da Juventude Comunista, aderiu ao Bloco aquando da formação do partido, em 1999, e acabou por sair após as legislativas de 2011, quando os membros da então Rutura/FER deixaram o partido, em rota de colisão com a direção bloquista. Acabariam por formar o Movimento Alternativa Socialista (MAS) que, depois de ter como principal rosto Gil Garcia, tem agora como porta-voz Renata Cambra, também ela professora e voz ativa nos protestos dos docentes. Com uma notória separação de águas. O MAS "claramente tem como uma das linhas mestras a separação total dos sindicatos", dizia André Pestana ao DN em janeiro - "Quem decide as lutas dos professores são os professores e quem decide se cedemos a um acordo são os professores e não o sindicato. É fundamental esta independência".

Para Viriato Soromenho-Marques a ascensão do STOP explica-se pela combinação de um conjunto de fatores que se vêm desenhando "há anos, numa génese lenta e dolorosa" e que redundaram agora num "momento de viragem": o "desinvestimento na escola pública, na carreira docente, a perda de prestígio social, a degradação da disciplina nas escolas, apoiada na indiferença do Ministério da Educação, que nunca se preocupou com esta questão, ao longo dos anos, e com a indiferença também dos sindicatos tradicionais, que fundamentalmente geriam questões contratuais e dos salários". Um processo de "degradação da escola pública e da condição docente" em que há um "momento em que uma gota a mais ou uma gota a menos faz a diferença". E este foi o momento: "As pessoas atingiram um ponto de rutura. Abriu-se um processo disruptivo que surpreendeu toda a gente, mesmo os próprios organizadores".

Um processo em que "não há nenhuma alquimia partidária", diz Soromenho-Marques - André Pestana é alguém que "pelas suas características, se torna numa espécie de timoneiro involuntário de um processo que o ultrapassa". Não sem inspiração, nomeadamente "pela capacidade de integrar todos os setores" na luta sindical: "Há aqui um ovo de Colombo, que é o unir dos professores aos assistentes operacionais, pessoas que têm grande responsabilidade nas escolas, que são mal remuneradas. A partir de momento em que temos professores e operacionais unidos é possível parar escolas sem estar a obrigar os professores a perderem permanentemente rendimento", abrindo caminho a uma espécie de "luta de guerrilha". E com maior força: "Quando as pessoas estão unidas há uma força superior às forças de cada um. Acho que o Governo tem aqui um problema nada fácil de resolver, porque há aqui uma dinâmica em que é mais fácil continuar, com mais um bocadinho de esforço, do que parar. Parar agora seria altamente destrutivo para este movimento", sublinha Soromenho-Marques.

Mas o professor catedrático também não vê que este protagonismo possa galgar as fronteiras do sindicalismo: quando muito poderá repercutir-se "noutros setores". O mesmo é dizer que não é um caminho para novos atores políticos à esquerda. "A esquerda está numa fase regressiva", sustenta, vaticinando que é até mais provável, no contexto atual, começarem a surgir "formas de ação organizada de rua da extrema-direita do que da extrema-esquerda".

susete.francisco@dn.pt

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