Sociedade
22 outubro 2021 às 05h00

"Rácio de médico por habitante é dos melhores, mas acessos a cuidados de saúde é dos piores da Europa"

Associação Portuguesa de Urologia alerta para a necessidade de melhorar a assistência aos doentes e a aposta em aumentar os diagnósticos. Anualmente são detetados cerca de 6600 casos novos de uma patologia que mata 1900 homens/ano no país. Excesso de burocracia no SNS acaba por desviar os médicos da sua função principal.

Carlos Raleiras

"Temos de aumentar a capacidade de ver os doentes de primeira vez e ser mais céleres nos diagnósticos precoces." O desejo do urologista Luís Abranches Monteiro sintetiza parte das preocupações que o Jornal de Notícias, o Diário de Notícias e a TSF, órgãos do Global Media Group, já começaram a recolher no âmbito da iniciativa "Próstata de Lés a Lés" que começa agora em colaboração com a Associação Portuguesa de Urologia. Trata-se de uma viagem de norte a sul e ao longo das próximas semanas vai perceber junto dos urologistas portugueses quais as principais dificuldades e assimetrias no combate ao cancro da próstata, patologia que todos os anos mata 1900 homens. Anualmente são diagnosticados cerca de 6600 novos casos de carcinoma da próstata, como tecnicamente é designado, número que tem vindo a aumentar porque há uma maior consciência do risco e, por conseguinte, mais diagnósticos. Apesar de tudo, há mais diagnósticos precoces que fazem a grande diferença quando é preciso iniciar tratamento. A deteção precoce permite quase sempre uma intervenção com maior taxa de sucesso. Cerca de 85% dos homens diagnosticados em fase inicial eliminaram a doença.

"O grande desafio que temos pela frente é conseguir fazer os exames iniciais", alerta o presidente da Associação Portuguesa de Urologia (APU) que compara e até considera Portugal na vanguarda do acompanhamento depois da doença diagnosticada. "Arriscaria dizer que temos uma situação um pouco melhor do que acontece em muitos países europeus principalmente no que diz respeito ao tratamento. O nosso problema é o acesso rápido aos cuidados de saúde primários onde começa o diagnóstico. Depois a questão prolonga-se até ao acesso aos cuidados hospitalares. Neste particular considero que temos muita coisa a melhorar começando, desde logo, pelos tempos de espera que estão agora ainda mais perturbados com a pandemia." Abranches Monteiro aponta o dedo à falta de recursos humanos, mas afirma que o problema não é a falta de médicos. "Há um excesso de burocracia no Serviço Nacional de Saúde que nos ocupa em muitas outras tarefas extraclínica. Aquilo para que nós realmente precisamos dos médicos é que vejam os doentes e tomem decisões e, muitas vezes, isso fica em segundo plano." O caminho, aponta o médico, é repensar seriamente o assunto. "Todos temos de o fazer porque os médicos são suficientes no país. Tem é de haver maior aproveitamento dos recursos. Existe um rácio de médico por habitante que talvez seja dos melhores da Europa, mas, por outro lado, temos uma eficácia de todo o sistema das piores neste aspeto da celeridade de acesso aos cuidados de saúde."

Além de questionar os profissionais de saúde, o projeto "Próstata de Lés a Lés" vai também auscultar a população em diversas regiões. Há sobre este assunto um elevado número de mitos associados ao diagnóstico, ao tratamento e ao pós-operatório relacionados sobretudo com disfunção sexual e incontinência urinária. "É uma iniciativa que vai, de certeza, chamar a atenção para um problema real e extremamente importante", comenta o vice-presidente da Associação Portuguesa de Doentes da Próstata, José Graça. "Costumo dizer que o assunto é uma caixinha muito fechada, porque há um estigma muito grande em relação a este cancro contrariamente, por exemplo, à mulher, que assume com frequência um cancro da mama, que é tão traumatizante como o cancro da próstata."

Graça fala com conhecimento de causa depois de sofrer as agruras da doença e hoje, já recuperado, ajuda os outros. "O principal papel da associação é chamar a atenção dos homens que têm entre 45 e 50 anos para a importância de fazerem um exame periódico à próstata. Quanto mais cedo se tratar, melhor vai ser o prognóstico, com menos complicações e uma melhor qualidade de vida no futuro. É frequente dizer-se que o cancro da próstata é uma doença de homens, mas costumo dizer também que será uma doença de mulheres, porque elas e a família do doente acabam por estar envolvidas em todo o processo."

A inovação terapêutica veio nos últimos anos mudar o paradigma da carga física e emocional que a doença sempre motivou. "O processo curativo evoluiu exponencialmente, elucida o presidente da APU. "Já não é como há dez anos. O número de perturbações de incontinência ou da função sexual é menor e as novas terapêuticas médicas trouxeram maiores benefícios e uma qualidade de vida sem precedentes. É importante que as pessoas quando já estão nos últimos anos tenham uma boa qualidade de vida. E esta é a grande mais-valia das novas terapêuticas neste momento", esclarece Abranches Monteiro. Interrogado sobre os diferentes níveis de acesso às novidades, diz não acreditar que o Serviço Nacional de Saúde o pratique. "Até posso estar enganado, mas quero pensar que as inovações terapêuticas, mesmo sendo muito dispendiosas por enquanto, estão disponíveis para todos os doentes independentemente de estarem numa ou outra região do país. Espero que assim seja e, se assim não for, temos de resolver a questão rapidamente."

Os diversos urologistas contactados pelo "Próstata de Lés a Lés" vão responder localmente à questão das assimetrias. Este é um trabalho jornalístico que vai percorrer o país em jeito de diagnóstico ao "estado da arte". Abranches Monteiro, a terminar agora um mandato de quatro anos à frente da Associação Portuguesa de Urologia que abrange 400 médicos, a quase totalidade dos urologistas portugueses, aguarda com bastante expectativa os resultados, mas não tem grandes dúvidas sobre as conclusões. "Portugal é um país pequeno e apresenta algumas assimetrias, principalmente no acesso aos cuidados de saúde. Noto que essas assimetrias são maiores entre regiões. Se compararmos Portugal com outros países não temos essas diferenças tão acentuadas. É verdade que já foi pior, mas continuamos a encontrar discrepâncias entre os grandes centros e algumas regiões do interior. Mesmo no litoral, onde temos a perceção de que há sempre melhores cuidados de saúde, é onde enfrentamos as maiores dificuldades com os tempos de espera na passagem dos doentes dos centros de saúde para os hospitais. Isso acontece, sobretudo, devido à densidade populacional."

A causa dos problemas é, na opinião do presidente da sociedade científica, um denominador comum nas várias latitudes do país: a falta de recursos humanos (como já lemos anteriormente). No que diz respeito ao tratamento hospitalar e ao acesso às inovações terapêuticas, Abranches Monteiro alivia o tom crítico.

"Em termos de oncologia em geral e particularmente no cancro que agora estamos a abordar temos a felicidade de possuir os melhores diagnósticos e acesso à melhor terapêutica. O nosso calcanhar de Aquiles e o que temos de rever, e com esta iniciativa também contribuímos para isso, é a capacidade de aumentar os diagnósticos mais precoces. É esse diagnóstico que permite iniciar o processo da cura."

Como representante de doentes, José Graça espera que "Próstata de Lés a Lés" seja uma autêntica campanha de sensibilização para todos, mesmo para os profissionais de saúde, a começar pelo médico de família. "Deveria haver maior sensibilização para os médicos pedirem exames periódicos com mais frequência."

Para a multinacional farmacêutica Janssen, que apoia o projeto, trata-se de uma estratégia de comunicação diferenciadora que vai alertar quem mais deve estar atento a esta questão, os homens a partir dos 45 anos. A diretora-geral em Portugal acredita que a ampla divulgação pública será benéfica para comunicar com a sociedade e os homens em particular. "Sentimos que a nossa responsabilidade vai mais além dos tratamentos inovadores que trazemos para o mercado. As conversas com os médicos vão provavelmente desmistificar muitas questões que erradamente estão enraizadas na população e no conceito da masculinização que a sociedade tem", afirma convictamente Filipa Costa, convencida da possibilidade de serem desfeitos muitos mitos durante a campanha.

"A Janssen aposta no tratamento desta doença há várias décadas e, cada vez mais, aportamos esperança de vida aos doentes. Temos um compromisso claro com a sociedade e, neste caso, com a população portuguesa e é nossa responsabilidade também alertar para a possibilidade de existir melhor saúde e melhores cuidados. Esta é uma campanha diferente só possível de concretizar através de uma parceria que junta associações de médicos e doentes e um grupo de comunicação com a estrutura do Global Media Group."

É um tumor maligno que se desenvolve, na maior parte dos casos, lentamente e sem sintomas. É o cancro mais comum dos homens idosos na Europa e o risco aumenta com a idade. A taxa de sobrevivência é relativamente alta e tem vindo a aumentar.

É uma glândula localizada abaixo da bexiga e à volta da uretra. Apenas os homens têm próstata, responsável pela produção de parte do líquido que constitui o esperma. Uma próstata saudável tem aproximadamente o tamanho de uma noz grande e tem 15-25 mililitros de volume. Com o envelhecimento, a próstata aumenta lentamente de tamanho.

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