Sociedade
28 novembro 2022 às 00h15

Painéis ilegais lesam autarquias em 10 milhões por ano. Setor pede mais fiscalização

Empresas colocam outdoors em locais que não estão autorizados nos planos municipais. Há, pelo menos, três mil painéis nesta situação. Em declarações ao DN, Philippe Infante, da JCDecaux pede mais atenção a estas situações. Associação do setor fala num "problema bastante antigo" e refere já ter alertado as entidades para a questão.

Rui Miguel Godinho

São praticamente três mil, estão espalhados um pouco por todo o país, mas a maior concentração é no norte. Pelo meio, um denominador comum: todos contornam a fiscalização e encontram-se, por isso, em situação de ilegalidade. O número foi divulgado num estudo de audiências a que o DN teve acesso e que revela ainda outro fator: com estes números, os municípios portugueses acabam por perder cerca de 10 milhões de euros de receitas anuais em impostos cobrados.

As razões apontadas para esta situação são, sobretudo, três: falta de recursos municipais para fiscalizar; desleixo, e passividade das autarquias. Até porque estes casos, aponta o estudo, dão-se sobretudo em municípios mais afastados dos grandes centros. A informação foi confirmada junto de fonte de uma autarquia do norte do país, que dá como exemplo os casos de Gondomar, Santa Maria da Feira e Vila do Conde que "todas juntas, estas autarquias devem ter à volta de 40 painéis ilegais nos terrenos municipais". Perante isto, esta fonte fala mesmo em "pirataria". "É uma pirataria que é feita por estas empresas. Ao não pagarem as taxas devidas acabam por amealhar vários milhares de euros" e, comparando com quem paga, "acaba por haver uma concorrência desleal entre empresas".

Neste caso, as câmaras podem atuar, apesar de o procedimento não ser fácil, como explica a mesma fonte. "Se há outdoors ilegais no domínio público, legalmente, nós, autarquias não podemos fazer nada. O que se pode fazer é, no caso de haver recursos para tal, ir buscar um guindaste, remover o painel e colocar num depósito municipal, avisando depois a empresa tem um número de dias para levantar e nada os impede de voltar a colocar o painel no mesmo sítio", afirma. Se os painéis estiverem em terrenos privados, a situação complica-se, uma vez que é necessário haver avisos judiciais aos proprietários dos terrenos - se for possível identificá-los -, "e os mecanismos burocráticos em Portugal demoram muito tempo, então as decisões complicam-se e atrasa o processo", refere a mesma fonte.

Os casos de outdoors ilegais não são novos. No entanto, a questão ganhou um novo fôlego depois de a Câmara de Lisboa ter movido várias ações de retirada de cartazes políticos na zona do Marquês de Pombal, no centro da cidade. Neste caso, todos estes painéis estavam em local autorizado. Por isso, alguns partidos - como o Chega e o Nós, Cidadãos! - interpuseram recursos da decisão em tribunal e a Comissão Nacional de Eleições (CNE) declarou que a retirada era ilegal.

Mas para lá da polémica, quem não está envolvido no caso, vê a situação como um exemplo a seguir. "Apesar de tudo, é uma boa medida. Quem vai passear ao Marquês tem todo o direito em apreciar a zona sem nenhuma poluição visual ali ao lado, porque, no fundo, é disso que se trata", afirma fonte que pediu o anonimato. "Aquilo de que precisamos é que seja criada uma empresa fiscalizadora quase como aquelas que fiscalizam os estacionamentos nas cidades. Até porque se não se conhecer bem o local, dificilmente se vai perceber que aquele painel é ilegal ou que não devia estar ali", refere.

Além disso, diz, esta "é também uma questão de poluição. Não poluição ambiental, claro, mas visual. Ter outdoors em lugares ilegais - e muitos deles estranhíssimos - é uma poluição visual".

Segundo Philippe Infante, responsável da JCDecaux em Portugal, este é o caso. "Quando vamos na autoestrada, não raras vezes vemos vários painéis junto à estrada. E muitos deles estão ilegais, por não estarem em locais previamente autenticados e por isso perturbam a paisagem e, no limite, alguns ecossistemas", refere o responsável, que especifica ainda os valores que custa, por exemplo, expor um painel de 24 metros quadrados: se for um terreno privado onde se podem colocar outdoors, o valor é de 3355,20€/euros anuais por painel; se for num terreno público, o valor aumenta para 4848 euros anuais por painel.

Conhecedor da realidade francesa, Philippe Infante deixa um exemplo que gostava de ver implementado por cá: "Quando, em França, há um painel ilegal e se sabe da irregularidade, o que se faz é marcar com uma espécie de autocolante a dizer "Eu sou ilegal" e assim fica sinalizado até à retirada".

O que fazer, então, para combater estas situações? Na opinião de Philippe Infante, a solução é só uma: mais fiscalização. "Devia haver uma espécie de EMEL [empresa fiscalizadora do estacionamento em Lisboa] dos outdoors. É preciso fiscalizar de forma mais apertada, apesar das dificuldades que se sabe que existem", refere o responsável da JCDecaux.

Em resposta enviada ao DN, a Associação Portuguesa das Empresas de Publicidade Exterior (APEPE) corrobora as queixas do setor em relação a "um problema bastante antigo", que lesa também "as empresas que se dedicam à exploração de meios de publicidade exterior, sofrendo com a concorrência desleal".

"Por outro lado, existem anunciantes que muitas das vezes sabem que estão a anunciar em painéis ilegais, mas preferem assim, pois sai desta forma mais barato", refere a APEPE.

"Quem compra os meios para as suas campanhas (agências e anunciantes), tem um papel muito importante neste processo de controlo da ilegalidade, pois deveria certificar-se de que está a comprar um meio legal para utilizar na sua campanha e quem não o faça assim, deveria ser penalizado, bem como o detentor do painel ilegal", acrescenta a associação.

Mas o trabalho não deve ser feito apenas pelas empresas, considera a APEPE, uma vez que "os municípios também têm muito a fazer, para controlo da ilegalidade neste setor, pois podem sempre retirar os painéis ilegais, dando um sinal de que não existe inércia e por outro lado criarem formas de controlarem melhor a ilegalidade".

Por isso, a APEPE refere várias medidas que tem tentado tomar para enfrentar esta situação: além de várias reuniões com a "tutela, Infraestruturas de Portugal, Autoridade da Concorrência, ASAE e Associação Nacional de Municípios Portugueses", a APEPE refere ainda que tentou criar um "protocolo de controlo da ilegalidade" com associações de meios, como a Associação Portuguesa de Agências de Publicidade e Marketing ou a Associação Portuguesa de Anunciantes, "mas sem sucesso".

Além, claro, de reuniões com "vários municípios, de forma a alertar para o flagelo dos meios ilegais e algumas forma de combater essas práticas, bem como a apresentação de uma solução eficaz, na monotorização dos meios legais e a identificação dos ilegais, através do P.O.P.E. Plano de Organização da Publicidade Exterior": um plano que possibilita que no mesmo município possam operar diversas empresas em simultâneo.

Além disso, a APEPE, diz, "tem procurado que seja criada uma Licença para se Operar em Publicidade Exterior em Portugal, de forma a que as empresas tenham responsabilidades a cumprir no ponte de vista da segurança e que tenham de defender a sua licença, cumprindo sempre com os requisitos de segurança e de licenciamento". Caso isso não se verifique, "a empresa é clandestina e não pode operar em publicidade exterior".

Assim, a APEPE compilou "um dossier/estudo em que identifica este problema e outros da publicidade exterior em Portugal e apresenta as soluções, para os mesmos, estando a trabalhar com a tutela de forma a que sejam colocadas em prática as soluções apresentadas".

Notícia atualizada às 17.31 de dia 30/11/2022 com respostas enviadas em direito de resposta pela Associação Portuguesa das Empresas de Publicidade Exterior.

rui.godinho@dn.pt