Sociedade
29 junho 2022 às 09h06

Temido assume responsabilidade pelo que falha no SNS e pede desculpa

A ministra assumiu responsabilidades por "tudo o que falha" na audição na Comissão de Saúde, anunciou que o novo estatuto do SNS vai ser aprovado na próxima semana e disse esperar resolver algumas dificuldades com contratação direta de médicos.

DN/Lusa

A ministra da saúde assumiu esta quarta-feira que "tudo o que falha" no Serviço Nacional de Saúde "é responsabilidade política da ministra", pedindo desculpa por isso, mas lembrando que deve deixar melhores condições do que as que encontrou.

"Não sei que parte é que ainda não entenderam da minha total responsabilidade e sentimento de responsabilidade com tudo o que falha no SNS, desde os telefonemas que ficam para fazer, às casas de banho que estão por funcionar, aos ares condicionados que não funcionam, às pessoas que estão à espera, aos contactos que ficam feitos, por vezes rudeza no contacto, a ausência de falas", afirmou Marta Temido na Comissão de Saúde.

Marta Temido respondia a críticas de deputados da oposição sobre a gestão do Serviço Nacional Saúde (SNS), a saída de especialistas, o encerramento de serviços de urgência de obstetrícia e ginecologia, a falta de médicos de famílias e a falta de recursos humanos nos hospitais.

"Não sei que parte é que ainda não perceberam que a responsabilidade é sempre e totalmente minha e é a parte, obviamente, pela qual peço desculpa", insistiu.

"Mas, mais do que pedir desculpa, tenho a responsabilidade política de deixar a outros ministros da Saúde um melhor contexto e melhores condições e isso faz-se com reformas, faz-se com medidas, faz-se com políticas e acredito verdadeiramente que a direção executiva do SNS não é um lugar a mais", salientou Marta Temido.

A ministra sustentou que a direção executiva do SNS "será um lugar extraordinariamente difícil e pesado e um lugar que permitirá que as respostas dos serviços funcionem mais integradamente e haja uma maior visão de conjunto".

"Acho que está à vista porque é que precisamos de uma direção executiva do SNS", à qual competirá, sem prejuízo da autonomia das entidades, coordenar a resposta assistencial das unidades que integram o SNS, assegurar funcionamento em rede e proceder à sua avaliação.

Sobre a carência de recursos humanos, Marta Temido recordou o aumento do número de profissionais. Em 2015, quando se iniciou a legislatura, o SNS tinha 119.000 profissionais de saúde, hoje tem cerca de 151.000.

"Dizer que isto não é um investimento não me parece adequado e não parece verdade", comentou, lembrando ainda a abertura de um concurso para a contratação de mais 1.639 médicos recém-especialistas".

Segundo a ministra, este número de vagas é superior ao número de recém-especialistas (1.020) porque há a "perceção clara" de que é necessário "atrair para o sistema mais profissionais de saúde do que apenas" os que acabaram a formação.

No último concurso, lembrou, ficaram por preencher 50 vagas para acesso à especialidade. Contudo, neste momento, esta questão "não é o único tema" que têm sobre a mesa.

"Este é, de facto, um problema complexo e a resposta é também complexa, mas se estivermos sempre a impedir que se compreenda, porque é que ficaram por preencher 50 vagas, porque é que hoje a especialidade não é provavelmente interessante e há outras fórmulas de trabalho que são preferidas, são escolhidas, são a alternativa para os mais jovens, não conseguiremos chegar ao âmago da questão", comentou.

Marta Temido destacou ainda o esforço que tem sido feito em termos salariais: "2.779 euros é o vencimento que recebe um recém-especialista depois de colocado, 1.111 euros é o valor do incentivo financeiro que já estava atribuído e que tínhamos melhorado".

A este propósito, elucidou que em 2015, o incentivo financeiro ao longo de cinco anos era de 21.000 euros e hoje é de 80.000 euros.

Relativamente aos médicos de Medicina Geral e Familiar foi estabelecido no Orçamento de Estado mais um adicional de 60%, o que corresponde a cerca de mais 1.600 euros.

A ministra da saúde anunciou ainda que o novo Estatuto do Serviço Nacional de Saúde vai ser aprovado na próxima semana em Conselho de Ministros.

Segundo Marta Temido, o novo estatuto do SNS tem soluções estratégicas, uma visão em termos de recursos humanos com a autonomia das contratações, com incentivos aos profissionais de saúde e com pactos de permanência.

Numa intervenção na primeira audição regimental na comissão parlamentar de Saúde da nova legislatura, Marta Temido reconheceu os problemas que o Serviço Nacional de Saúde enfrenta e defendeu ser "essencial continuar a aperfeiçoar a política de reforço dos recursos humanos da saúde".

"Sabemos bem que o SNS enfrenta problemas na organização da sua resposta, sobretudo na retenção, organização do trabalho e motivação dos profissionais de saúde que se traduzem nas dificuldades de acesso com que os utentes se confrontam e que os últimos dias têm demonstrado", sublinhou.

Segundo a ministra, a atribuição de equipas de saúde familiar aos residentes em Portugal permanece "a primeira prioridade setorial".

Por isso, disse, após a abertura em 15 de junho de 4.302 vagas para contratação de médicos de família e depois de o Governo ter assumido que dessas vagas 67 eram carenciadas, auferindo mais 40% de vencimento, na terça-feira, dia em que o novo Orçamento do Estado entrou em vigor, foi aprovado o despacho que identifica as 239 vagas em unidades de cuidados de saúde personalizados, cuja taxa de cobertura é inferior à média nacional e será compensada com mais 60% de remuneração no caso dos profissionais que aceitem nelas trabalhar.

Marta Temido exemplificou que um médico especialista que recebia uma remuneração de 2.779 euros poderia receber mais 1.111 euros numa vaga carenciada e agora poderá receber mais 1.667 euros se ocupar um destes postos de trabalho.

Além disso, o programa do Governo, a lei do Orçamento de Estado, o novo estatuto do SNS e o próprio Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) reconhecem e "são claros nos compromissos" assumidos para com estes profissionais de saúde.

Apontou o regime dedicação plena, a valorização das carreiras dos profissionais de enfermagem, designadamente através da reposição dos pontos perdidos aquando da entrada em vigor da nova carreira de enfermagem e os investimentos na transição digital da saúde, no valor de 300 milhões euros, do qual se destaca o registo de saúde eletrónico.

Disse ainda que o programa de trabalho que agora se retoma, envolve um terceiro eixo absolutamente central: o Programa de Gestão Estratégica dos Recursos Humanos do Serviço Nacional de Saúde, com os seus três eixos: consolidar o sistema das profissões de saúde, promover o desenvolvimento de competências dos profissionais do SNS e melhorar os ambientes de trabalho.

Na sua intervenção, Marta Temido anunciou ainda aumentos de resposta assistencial em todas as linhas, designadamente nos rastreios oncológicos.

Sublinhou que o rastreio ao cancro da mama é hoje uma realidade em todos agrupamentos de centros de saúde da região de Lisboa e Vale do Tejo, afirmando que era uma necessidade estrutural que foi "finalmente ultrapassada".

A ministra da Saúde reconheceu que os concursos para médicos especialistas não respondem a todas as necessidades do sistema e disse que o Governo espera dar resposta a algumas delas através da contratação direta.

Marta Temido disse que a dedicação plena dos médicos ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) será uma das apostas do Governo.

"Abrimos vagas que resultam da junção de necessidades manifestadas pelos serviços e da disponibilidade de especialistas (...). Sabemos que o número de recém-especialistas que apresentaram candidaturas a este concurso é inferior (...). Há mais necessidades do que as que estão expressas no concurso e esperamos que por via da contratação direta algumas delas possam ser satisfeitas", afirmou Marta Temido.

A deputada do Bloco de Esquerda Catarina Martins questionou Marta Temido sobre o facto de os hospitais não terem autonomia para preencher vagas de quadro vazias e lembrou que mais de metade dos médicos de saúde pública estão no privado, perguntando quais as soluções que o Governo tem para conseguir captar para o serviço público parte dos profissionais que dele saíram.

Na resposta, a governante disse que mesmo que o Governo conseguisse captar todos os especialistas formados no país, o SNS continuaria com dificuldades de resposta em algumas áreas, designadamente porque muitos destes profissionais, por causa da idade, não são obrigados a fazer urgências.

"Estamos empenhados na dedicação plena, de modo a que seja um dos aspetos que permita cativar os profissionais para o SNS", respondeu a ministra, apontando ainda a maior autonomia dos hospitais, designadamente para contratação.

Nos primeiros cinco meses do ano foram realizadas 1,7 milhões de consultas de Medicina Geral e Familiar, das quais um milhão em Lisboa e Vale do Tejo, onde se localiza a maioria dos utentes sem médico de família.

Os dados foram avançados por Marta Temido na primeira audição regimental na Comissão da Saúde, na sequência de questões levantadas pelo deputado do PSD Ricardo Baptista Leite e pelo deputado do Chega Pedro dos Santos Frazão sobre o número de portugueses sem médicos de família (1,4 milhões).

Em resposta às críticas dos deputados, Marta Temido esclareceu que "os utentes que não têm médico de família têm acesso a consultas de medicina geral e familiar no SNS".

"No ano 2021, as consultas para utentes sem médico de família no SNS foram 4 milhões e até maio de 2022, foram 1.700.000. Destas, 1 milhão foi na região de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo", precisou.

Para Marta Temido, estes dados são relevantes, porque é nesta região que se concentra "a maioria dos utentes sem médico de família".

Sublinhou ainda que é também devido a este facto que, das 239 vagas abertas para unidades de cuidados de saúde personalizados, cerca de 200 são na região de Lisboa e Vale do Tejo, sendo as restantes distribuídas pelas regiões carenciadas do Algarve, Alentejo e algumas unidades de cuidados de saúde primários em regiões como a Guarda ou outras unidades com "especiais dificuldades".

Na sua intervenção inicial na Comissão da Saúde, Marta Temido divulgou dados da atividade assistencial no SNS nos primeiros cinco meses deste ano e por comparação com o período homólogo de 2019.

Segundo os dados avançados pela governante, foram realizadas mais 1,2 milhões de consultas médicas, mais 193 mil consultas de enfermagem e mais 78 mil consultas de outros técnicos de saúde, nos cuidados de saúde primários, bem como mais 112 mil consultas e 23 mil cirurgias nos hospitais.

Adiantou ainda que, no âmbito do regime excecional de incentivos à recuperação da atividade assistencial, no verão de 2020, ano do início da pandemia, foram realizadas 142 mil consultas e 70 mil cirurgias em produção adicional no SNS, com incentivos de 74 milhões de euros aos seus profissionais.

A ministra destacou igualmente o aumento de cobertura dos rastreios oncológicos de base populacional, com o número de mulheres rastreadas ao cancro da mama a crescer 13% e 16% no rastreio do cancro do colo do útero.

Já o número de rastreios do cólon e reto aumentou 4%, disse, salientando ainda o crescimento de 32% do número de operados em cirurgia oncológica a abril deste ano face a 2019.

Na audição, a ministra da Saúde foi também questionada sobre o processo de descentralização de competências para os municípios que está em curso na área da saúde.

Avançou que, até segunda-feira, 49 municípios já tinham os seus autos de transferência homologados, explicando que não estão abrangidos por este processo as autarquias da Madeira e dos Açores, nem os municípios que estão integrados em unidades locais de saúde, "o que significa que não são os 308, mas 201 os municípios onde se pretende avançar com a descentralização de competências".

"Tenho podido, ao longo dos últimos dias, com a senhora ministra da Coesão Territorial, percorrer o país em reuniões com os autarcas, no sentido de perceber quais são os constrangimentos que ainda temos por ultrapassar", afirmou Marta Temido.

"Há uma linha, uma esquadria da qual não nos demovemos, que é a da equidade, da manutenção, da equidade e do desenvolvimento de políticas nacionais na área dos cuidados de saúde primários", vincou.

A ministra da Saúde considerou entretanto que os números da mortalidade materna devem ser analisados "numa lógica de séries temporais de cinco a 10 anos" e que a comissão de saúde materna terá a avaliação pronta até final do ano.

"Todos os óbitos são fator de consternação e solidariedade. Em 2020 a DGS [Direção Geral da Saúde] considerou 17 óbitos de senhoras na gravidez ou nos 42 dias após o parto. Mas em 2019 eram 10, em 2018 15, em 2017 11, em 2016 12, em 2016 seis, em 2015 sete, em 2014 cinco", afirmou Marta Temido, sublinhando: "Por muito que tenhamos interesse, mostra que estamos a falar de pequenos números".

Mais tarde, questionada pelos deputados durante a sua primeira audição regimental desta legislatura sobre se considerava estes óbitos "pequenos números", a ministra respondeu: "Eu nunca disse que um qualquer óbito é um pequeno número, um óbito é o familiar de alguém, é uma vida que se perde".

"Quando analisamos, para efeitos estatísticos é uma coisa muito diferente daquilo que é a análise humana e a responsabilidade política", sublinhou, insistindo: "quando analisamos tecnicamente números, temos que olhar nestes casos para séries".

Sobre os problemas na resposta das urgências de ginecologia e obstetrícia, Marta Temido reconheceu: "sabendo-se que havia momentos deste verão em que era difícil garantir o funcionamento de todos os serviços, poder-se-ia ter tomado logo a iniciativa de garantir o funcionamento articulado".

"É por isso que defendemos a criação de uma direção executiva [no SNS]: para que a coordenação, articulação e resposta integrada seja garantida em termos operacionais", acrescentou.

Na sua intervenção, o deputado do PSD Ricardo Batista Leite considerou que era importante saber, no caso do bebé que morreu no Hospital das Caldas da Rainha, há três emanas, "o que falhou, o que foi corrigido e quais as consequências pelas falhas registadas", perguntando à ministra sobre se há algum resultado da investigação da Inspeção Geral das Atividades em Saúde (IGAS).

"Na altura foi anunciada a abertura inquérito pela IGAS (...). Volvidas três semanas, temos alguma informação?", perguntou o deputado.

Numa das respostas que deu sobre o funcionamento das urgências de ginecologia e obstetrícia a ministra lembrou que a revisão da rede de referenciação materno infantil foi determinada em 2017 e que os trabalho envolviam duas vertentes: área materna e área infantil.

"Não foi possível ter o documento em condições de aprovação e para ser publicado e, por isso, retomámos os trabalhos", afirmou a governante, insistindo: "a revisão das redes referenciação hospitalar é um dos pontos da estratégia de reforma da área hospitalar e faz parte dos compromissos assumidos no contexto do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]".

Acrescentou ainda que o objetivo agora é "determinar qual o melhor funcionamento em rede e quais os pontos que, em condições de segurança, é necessário implementar".

"É preciso garantir que equipamentos e infraestruturas estão disponíveis nesses pontos de rede", disse.

Quando questionada pelo deputado Ricardo Batista Leite sobre se pretende acabar com as ARS -- adiantando que teria o apoio do seu partido para a criação da direção executiva se tal acontecesse, para não acrescentar estruturas -, Marta Temido lembrou a descentralização de competências na área da saúde para os municípios, cujo calendário assumiu que tinha sido posto em causa pela resposta à pandemia.

"É um processo cuja estabilização é essencial antes de equacionar outros passos. Num contexto de reforma, fará sentido, com a criação de uma coordenação mais articulada ao nível central na prestação cuidados, que se possam reservar as ARS para uma função que não a prestação de cuidados, dando mais autonomia aos ACES [Agrupamentos de Centros de Saúde], mas tem de ser processo progressivo, para não causar interrupções na prestações cuidados", afirmou.