Sociedade
28 junho 2022 às 16h49

Conselho Dentológico dos Jornalistas "perplexo" com cobertura do caso da criança em Setúbal

CD do Sindicato de Jornalista considera que houve "desrespeito do ponto 8 do Código Deontológico, onde se afirma que "o jornalista não deve identificar, direta ou indiretamente, menores, sejam fontes, sejam testemunhas de factos noticiosos, sejam vítimas ou autores de atos que a lei qualifica como crime".

DN/Lusa

O Conselho Deontológico (CD) do Sindicato dos Jornalistas anunciou esta terça-feira que "viu com perplexidade" algumas coberturas jornalísticas do caso da menina de três anos que morreu no dia 20, vítima de maus tratos e de violência, em Setúbal.

"Das várias questões deontológicas envolvidas", destaca, em comunicado, "o desrespeito do ponto 8 do Código Deontológico, onde se afirma que "o jornalista não deve identificar, direta ou indiretamente, menores, sejam fontes, sejam testemunhas de factos noticiosos, sejam vítimas ou autores de atos que a lei qualifica como crime".

Na nota, o Conselho Deontológico refere ainda que, segundo o Código Civil, os direitos de personalidade gozam igualmente de proteção depois da morte do respetivo titular.

O órgão realça que o ponto 8 do Código Deontológico foi revisto em 2017 e essa alteração "foi considerada um progresso na defesa dos direitos das crianças".

"A sensibilidade para a cobertura noticiosa sobre crianças tem sido um tema recorrente da ação dos últimos conselhos deontológicos do Sindicato dos Jornalistas", pode ler-se no comunicado.

Além do uso da imagem das crianças sem consentimento, numa recomendação de 03 de junho de 2009, "o CD colocava à reflexão dos jornalistas se o facto de os nomes dos menores servirem de base para a identificação pública dos denominados "casos" não funcionava como um elemento acrescido para agravar a situação de vítima das crianças envolvidas", lê-se no comunicado.

Na nota, o CD lamenta que "os jornalistas e os media se deixem afetar por acontecimentos dramáticos, de que o caso de Setúbal, agora, ou o de Peniche, em 2020, são apenas dois exemplos mais recentes, caindo em tratamentos informativos exaustivos que não preservam a identidade e a privacidade dos cidadãos e não atendem às condições de serenidade, liberdade, dignidade e responsabilidade das pessoas envolvidas".

Nesse sentido, o CD insta os jornalistas "a procederem a um debate e a uma reflexão sobre estes aspetos", considerando que "é precisamente perante casos de particular dramaticidade e na forma como trata pessoas em situações particularmente fragilizadas [...] que o jornalismo e os media se distinguem pela nobreza dos seus valores éticos, deontológicos e responsabilidade social".

"Não vale a pena argumentar perante a sociedade sobre a importância do jornalismo para a democracia quando se trata de forma negligente cada um dos seus cidadãos, a começar pelos mais desprotegidos", defende o CD.

Esta terça-feira, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) confirmou, em declarações à Lusa, "a receção de participações" sobre a cobertura televisiva da morte de criança em Setúbal, as quais "se encontram em apreciação".

Na segunda-feira, foi divulgado que o grupo parlamentar do PCP pediu à ERC que esclareça se está a pensar a pronunciar-se sobre a cobertura informativa do alegado homicídio de Jéssica Biscaia.

Questionada pela Lusa sobre se houve outros pedidos do género recebidos pelo regulador, a ERC "confirma a receção de participações, a respeito da cobertura televisiva ao referido caso, e que estas se encontram em apreciação pelos serviços da entidade".

O regulador acrescenta ainda, numa resposta por escrito, que "quando a ERC produzir uma pronúncia, procederá à sua divulgação, como é habitual, no sítio eletrónico da entidade".

De acordo com um requerimento endereçado, na última sexta-feira, à ERC, através da Assembleia da República, a bancada comunista "requer à Entidade Reguladora para a Comunicação Social que esclareça se está previsto pronunciar-se" sobre a cobertura noticiosa do alegado homicídio de uma criança de três anos, em Setúbal, no dia 20 de junho.

O PCP considera que o acompanhamento dado pelos órgãos de comunicação social foi uma "desumana exploração de tudo o que mais sórdido há neste caso".