Sociedade
25 maio 2022 às 05h00

Cancro do Pulmão: poucos sintomas dificultam diagnóstico

Consumo de tabaco continua a ser o maior risco, mas os especialistas apontam outras razões, como a poluição atmosférica, as nanopartículas ou o tabagismo passivo. Sinais de alerta chegam tarde, o que explica a elevada mortalidade desta doença, apesar das novas terapêuticas.

Fátima Ferrão

Tosse persistente, expetoração com sangue, dor torácica constante - ou qualquer alteração de caráter respiratório menos comum -, perda de energia e de apetite ou alterações do sono são sintomas que devem ser olhados com atenção, especialmente por quem é fumador. A recomendação, deixada por António Morais durante o webinar Cancro do Pulmão: juntos por um futuro mais promissor, alerta também para a importância de sensibilizar os profissionais da medicina geral e familiar para sinais que, sendo comuns com outras doenças do foro respiratório, podem ser indicadores de uma patologia mais severa.

"Precisamos de uma proximidade muito maior com a medicina geral e familiar, que não tem sido a melhor". O presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) defende que estes profissionais têm de ter a sensibilidade para que assim que seja detetada alguma alteração sugestiva de um diagnóstico de cancro, os doentes sejam imediatamente orientados para um hospital que possa fazer um diagnóstico adequado, através de um raio-X ou de uma TAC (Tomografia Computorizada).

Contudo, o presidente da SPP aponta a demora no acesso a consultas externas de especialidade nos hospitais como outro grande fator de bloqueio que continua a atrasar os diagnósticos desta e de outras doenças graves. Durante a pandemia, pela disrupção que provocou na generalidade dos serviços hospitalares, a situação agravou-se ainda mais.

"Diria que foi dramático", salienta António Morais. Os doentes, pelo medo de se dirigirem aos hospitais, acabaram por chegar em estádios muito mais avançados. "É difícil quantificar o dano exato que houve durante a pandemia, e que continua a haver, e obviamente houve doentes que não conseguiram chegar com um estado geral que lhes permitisse fazer o tratamento como seria possível fazer noutras condições".

Isto significa, como explica Teresa Almodôvar, que o tratamento será apenas paliativo, uma vez que a cura deixa de ser possível. "E isto acontece em mais de 60% das situações e mesmo em muitos dos casos tratados em estádios precoces, que recidivam (reaparecem)", acrescenta a presidente do Grupo de Estudos do Cancro do Pulmão, outra das participantes no webinar promovido pela Aliança para o Cancro do Pulmão, em parceria com o Diário de Notícias.

Fazer o rastreio do cancro do pulmão em grupos de risco é fundamental para reduzir os elevados números de vítimas da doença, e para cumprir a meta de duplicar a sua sobrevivência, até 2025, definida pela Aliança do Cancro do Pulmão, que inspira o seu trabalho no projeto internacional The Lung Ambition Alliance, com objetivos comuns a nível mundial. Contudo, como alerta José Duro da Costa, o problema que se coloca, não só em Portugal, "são os custos económicos da montagem de uma estrutura específica para dar acolhimento a este contingente de pessoas que vêm fazer o rastreio".

Segundo o pneumologista e membro da Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC), o processo de rastreio, complicado na sua organização, consiste na realização de uma TAC torácica de baixa dose, que tem de ser feita a grupos de risco que se determinam pela quantidade de maços de cigarros fumados por dia durante o número de anos determinado nesta metodologia, e que depois serão feitos em intervalos regulares, desde o anual, até quatro vezes em 15 anos, por exemplo. "Em todos estes estudos houve uma redução na ordem dos 20% de mortalidade por cancro do pulmão. O problema é a dificuldade de implementar a nível nacional", aponta.

Outras formas de rastreio, alternativas e mais inovadoras, também já foram testadas em Portugal, mas o custo da sua aplicação de forma massificada dificulta a sua adoção prática. José Duro da Costa recorda, por exemplo, a experiência feita há oito anos no IPO. Com a ajuda do olfato canino conseguiram detetar-se 90% dos casos da amostra utilizada no estudo.

"Chegou-se à conclusão de que os cães conseguem detetar cancro no ar exalado colhido em sacos, em cerca de 90% dos casos". No mesmo trabalho foi feita pesquisa para detetar que partículas e substâncias é que os cães conseguiam detetar, e "identificámos que eram hidrocarbonetos que resultam de fenómenos metabólicos das células cancerosas, e isso foi estudado e publicado", diz o pneumologista.

A obtenção de células nasais que permitem fazer uma imagem em espelho daquilo que se passa no pulmão, e detetar a existência de cancro, ou a utilização de inteligência artificial, que permitirá avaliar fatores de risco, e não só, e fazer métodos de screaning da análise mais precisa das tomografias computorizadas que vão sendo feitas, são outras opções de rastreio apontadas por José Duro da Costa. O problema continua, em ambos os casos, a ser o custo.

Apesar dos atrasos no diagnóstico e da ainda muito elevada taxa de mortalidade no cancro do pulmão, os avanços na terapêutica ao longo da última década foram, na opinião de Teresa Almodôvar, bastante promissores. A quimioterapia, solução extremamente tóxica, foi durante muito tempo a única opção para os doentes. No entanto, hoje já é possível aplicar terapêuticas feitas à medida, identificando as alterações genéticas que dão origem à doença.

"Infelizmente, essas terapêuticas ainda só são possíveis numa percentagem pequena dos doentes, mas são muito eficazes, na medida em que aumentam a sua sobrevivência", explica a responsável pelo grupo de estudos. Estas pessoas, que têm determinadas mutações, tratadas com as terapêuticas dirigidas, podem ter uma sobrevivência de dois, quatro, ou dez anos. "São os números mais fantásticos em estádio quatro", salienta.

Outra abordagem inovadora e com melhores resultados é a imunoterapia. Trata-se de uma terapêutica que ajuda as células de defesa do organismo a combater o cancro e que tem sido cada vez mais utilizada, e com melhores resultados, no cancro do pulmão. O seu objetivo continua a ser controlar o avanço da doença, mas permite fazê-lo em maior número de pessoas do que acontecia anteriormente e, em algumas, controlando a doença por um longo período de tempo. "Neste contexto, longo período de tempo são dois ou três anos, mas já é bastante bom", reforça Teresa Almodôvar.

Com um enorme impacto na qualidade de vida, o cancro do pulmão é também uma doença associada ao estigma social do tabagismo, um fator de risco que é possível prevenir. "Os doentes com cancro do pulmão são vítimas do estigma social e sabemos que este estigma acresce a estes doentes um maior isolamento e fragilidade social, maior incidência de sintomas depressivos, maior descontrolo dos sintomas relacionados com a doença e, portanto, menor qualidade de vida", afirma Paula Fidalgo.

A responsável da Associação de Doentes Pulmonale defende, por isso, que este grupo de doentes precisa de apoio a partir do momento em que há suspeita de diagnóstico, durante a jornada de diagnóstico, durante o tratamento e, nos casos de doença incurável, até à fase de fim de vida.

As associações têm, a este nível, um papel fundamental no que toca à capacitação dos doentes e das suas famílias e cuidadores. "Tem sido feito um esforço muito grande no que toca à sensibilização da sociedade para o cancro do pulmão e também para a informação destes doentes", salienta Paula Fidalgo.

Também questões como a adoção de estilos de vida saudáveis, e outras relacionadas com o diagnóstico precoce, são essenciais para que este cenário possa ser melhorado e para que a população esteja mais alerta para os sinais da doença. "O que é extremamente importante, porque várias vezes os sintomas são muito similares aos de outras doenças provocadas pelo taba co, nomeadamente a Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC), e se não forem reconhecidos e valorizados atempadamente pelo próprio doente, estamos a perder uma oportunidade", acrescenta a responsável da Pulmonale.

Segundo dados do índice estatístico GLOBOCAN, da Agência Internacional para a Pesquisa Sobre o Cancro, em 2020, foram diagnosticados em Portugal 5415 novos casos de cancro do pulmão - 3933 em homens e 1482 em mulheres. Estes números colocaram este tumor em terceiro lugar entre os mais prevalentes na população portuguesa. No ano em análise perderam a batalha para este cancro 4797 pessoas.

Perante dados tão preocupantes, a Aliança para o Cancro do Pulmão - que conta com a participação de várias entidades como a Sociedade Portuguesa de Pneumologia, o Grupo de Estudos para o Cancro do Pulmão, a Liga Portuguesa Contra o Cancro e a Astrazeneca - foi criada com o objetivo de englobar todos os doentes com cancro do pulmão, quer no diagnóstico, quer no tratamento, em conjunto com as associações de doentes. "Isso é absolutamente crucial, nomeadamente quando se trata de ações como esta, de sensibilização, de educação para a saúde, de intervenção na sociedade e em quem tem poder para decidir", explica António Morais.

As associações de doentes têm aqui o papel de fazer a ponte com os doentes, percebendo quais são as suas sensações, as suas atitudes perante a doença, e quais as necessidades e dificuldades que sentem. Esta aliança engloba ainda aqueles que trabalham no diagnóstico e que têm de questionar as dificuldades e as necessidades que existem de recursos humanos e recursos de material para conseguirem agilizar o diagnóstico, bem como os que participam na administração dos vários tratamentos que hoje são possíveis.

Um dos pilares principais deste grupo de trabalho é a literacia em saúde porque o conhecimento da existência da doença é essencial para uma sociedade bem informada, que possa atuar e ser mais proativa.

dnot@dn.pt