Sociedade
28 janeiro 2023 às 20h08

"Até sempre Professor". Morreu Luís Moita

Luís Moita, um dos últimos presos de Caxias a ser libertado, professor da Universidade Autónoma morreu este sábado. Tinha 83 anos.

"A Reitoria da Universidade Autónoma de Lisboa e o Conselho de a Administração da Entidade Instituidora, prestam a sua sentida homenagem, juntando-se a toda a comunidade académica e científica que, a partir de hoje, fica mais pobre".

A frase que termina com um "Até sempre Professor" elogia o professor catedrático de "Teorias das Relações Internacionais", Diretor do Departamento de Relações Internacionais e membro do Conselho Científico da Universidade Autónoma de Lisboa e que entre 1992 e 2009 foi vice-reitor da Universidade.

Nascido em Lisboa, a 11 de agosto de 1939, Luís Moita fez instrução primária na Escola Primária de Alcanena, esteve depois no Liceu Camões entre 1949 e 1953. Daí foi para o seminário de Almada, Seminário Maior dos Olivais acabando por tirar a licenciatura em Teologia na Universidade Gregoriana, em Roma, e o doutoramento em Ética em Junho de 1967, com a classificação "summa cum laude" (10/10).

Luís Moita foi um dos protagonistas da vigília da Capela do Rato, em 1972, e foi um estudioso da guerra e da paz, que cooperou com os países africanos.

Com um longo percurso académico, Luís Moita durante 15 anos, entre 1974 e 1989, dirigiu o CIDAC, organização não governamental portuguesa de cooperação para o desenvolvimento; entre 1989 e 1997 leccionou a Cadeira de "Filosofia e Deontologia do Serviço Social" no Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa. Foi Professor Associado Convidado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (até Outubro de 1998).

Do seu perfil de professor, a Universidade Autónoma sublinha ainda a coordenação do Mestrado em Estudos da Paz e da Guerra e leccionou a cadeira de "Globalização e Relações Internacionais de África" no Mestrado e Doutoramento em Estudos Africanos do ISCTE-IUL e lembra que desde 1998, foi conferencista regular do Curso de Defesa Nacional promovido pelo Instituto de Defesa Nacional. Nos anos letivos de 2004 a 2007 lecionou no Instituto de Altos Estudos da Força Aérea e desde 2006 até 2011 no Curso de Estado-maior Conjunto do Instituto de Estudos Superiores Militares.

Em 10 de Junho de 1998 foi condecorado pelo Presidente da República portuguesa com a Grande Cruz da Ordem da Liberdade e em 7 de Janeiro de 2005 foi condecorado pelo Presidente da República italiana como Grande Oficial da Ordine della Stella della Solidarietá Italiana.

O embaixador Francisco Seixas da Costa recorda "aquele fantástico filme da saída dos últimos presos de Caxias" onde "surge por ali a cara sorridente e confiante de um homem alto, com ar determinado, a caminhar para a liberdade por que tanto tinha lutado. É o Luís Moita".

No texto que escreve na sua página no Facebook, Seixas da Costa fala de um homem "com uma admirável coerência e grande dignidade" que esteve "sempre do lado certo da História, com aquele sorriso bom e o seu modo suave e amável de estar com os outros, o que o torna apreciado e respeitado em insuspeitados quadrantes".

Numa entrevista, em 2021, à revista da Universidade Federal de Santa Maria (Brasil), Luís Moita confessava-se surpreendido pela sua vida académica.

"Quando olho retrospetivamente para o meu percurso intelectual, surpreendo-me a mim mesmo como que "perseguido" pela ideia de "relação". Com efeito, até 1971 eu fui sacerdote católico e, nessa qualidade, estudei cinco anos em Roma, dois deles na Universidade Gregoriana dos Jesuítas e mais três numa Academia dirigida pelos Redentoristas na Universidade Lateranense. Foi nesta última que completei o meu doutoramento em Moral, com uma tese de pendor filosófico e teológico, toda ela centrada no conceito de relação. Estudei em diversos registos o tema da intersubjectividade enquanto questão basilar da ética, concluindo que a exigência moral coincide com a seriedade da relação. Nessa altura, ainda nos anos 1960, mal eu imaginava que iria dedicar-me, décadas mais tarde, às relações internacionais", explica.

Traçando de forma resumida os caminhos que o levaram de sacerdote católico a investigador nas área das relações internacionais, Luís Moita recordava que "depois de anos de intensa atividade de oposição à ditadura vigente em Portugal e à política colonial que sustentava uma guerra em três territórios africanos, oposição essa que me custou a prisão política, passei, após o restabelecimento da democracia em 1974, a dirigir uma organização não-governamental de apoio aos movimentos de libertação e de cooperação com os novos países africanos saídos do antigo império português".

"Daí", explica, "a minha ligação a África e a minha proximidade aos processos de desenvolvimento. Foi certamente essa experiência que me habilitou a aceitar, em 1988, o convite da Universidade Autónoma de Lisboa para lecionar, na Licenciatura em Sociologia, a Cadeira de Sociologia do Desenvolvimento. E, pouco depois, uma nova Cadeira: Sociologia das Relações Internacionais".

"A vida do Luís Moita foi uma fonte. Os tantos e tantas que com ele aprendemos o que é ser gente decente e arrojada perdemos hoje um pilar da nossa vida", afirmou o dirigente bloquista José Manuel Pureza. Luís Moita participou em 2014 na abertura do Fórum Socialismo em Évora.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, lamentou a morte do professor Luís Moita, evocando-o como um "lutador pela justiça social" e "militante pela igualdade" e endereçou à família e amigos "um sentido abraço de pêsames".

Numa nota publicada no sítio oficial da Presidência da República na Internet, Marcelo Rebelo de Sousa escreve que "Luís Moita foi um democrata e um lutador pela justiça social, militante pela igualdade e pelas liberdades do nosso e de todos os povos".

"Ainda há poucas semanas tinham estado juntos, na igreja de São Domingos, em Lisboa, numa comemoração dos 50 anos da Vigília da Capela do Rato, no quadro das comemorações dos 50 anos do 25 de abril", lê-se na nota.

O chefe de Estado lembra o "académico doutorado em Itália, professor catedrático" a quem "apresenta a sua pública homenagem, endereçando à família e amigos um sentido abraço de pêsames".

O presidente da Assembleia da República recordou o professor e sociólogo Luís Moita como uma "referência cívica e moral de várias gerações", antes e depois do 25 de Abril de 1974.

"Luís Moita continuará bem vivo na memória dos que com ele aprenderam a estar no lado certo da história: na luta pela paz, a descolonização, a democracia mais avançada possível, a espiritualidade viva. Antes e depois do 25 de Abril, uma referência cívica e moral de várias gerações", lê-se numa mensagem publicada na conta oficial de Augusto Santos Silva na rede social 'Twitter'.

Seixas da Costa lembra, no seu texto de elogio, "aquela figura que, saída do catolicismo crítico, [que] enveredara, entre outras, pela tarefa difícil, mas essencial, de ajudar à luta anti-colonial na terra do colonizador".

Um homem, como acentua, que a "repressão [do Estado Novo], que bem conhecia a sua determinação, não poupou".