Um fosso cultural transposto pelo Facebook
Há poucos meses, o meu tecnofóbico pai de 75 anos, que ainda trabalha a tempo inteiro como carteiro numa cidade grande, pediu-me para lhe criar uma conta no Facebook, deixando-me quase muda de surpresa. Quando ele acrescentou que o queria fazer para se manter em contacto com uma mulher saudita de 26 anos, que tinha conhecido na sua rota de entrega de correio, fiquei ainda mais atordoada.
O seu pequeno passo para entrar nas redes sociais em 2015 foi, para ele, um salto tão grande como o passo de Neil Armstrong na Lua foi para os Estados Unidos em 1969. Em muitos aspetos, o meu pai ainda vive na década de 1960. Com as suas rígidas sensibilidades católicas de ]italo-americano, os valores dele estão mais próximos de O Pai É Quem Sabe do que de Uma Família Muito Moderna.
Quando vejo o meu pai a divertir-se com as suas principais referências de infância a preto e branco, como os heróis do Oeste americano tipo Roy Rogers, preocupo-me que ele se refugie no passado e se isole demasiado. Ele tem muitos amigos, mas prefere ficar a ver filmes antigos na televisão do que encontrar-se com um amigo. O seu pedido para entrar no Facebook foi, assim, a atitude menos de acordo com o seu carácter que ele alguma vez tomou, pelo menos que eu me lembre.
No dia em que conheceu a mulher a que chama Anah (a versão mais simples do seu nome difícil de pronunciar), ele viu alguém com um hijab que evitava o contacto visual. Quando ele disse "Olá", ela afastou-se. Mas dia após dia, Anah foi ficando mais à vontade com ele e com o seu humor suave.
Eles começaram a conversar. Ela iniciava timidamente as conversas quando ele chegava com cartas e encomendas. Começou também a assimilar melhor a cultura ocidental. Continuava ainda a vestir-se com modéstia, mas já usava maquilhagem e verniz brilhante nas unhas. Comprou roupas elegantes e uns óculos da moda.
O meu pai também conhecia a irmã e o irmão de Anah do mesmo prédio, mas foi de Anah, a mais recatada dos irmãos, que o meu pai se aproximou, a ponto de lhe oferecer um pequeno presente no aniversário dela. Ele tinha refletido muito antes de se atrever a tal gesto porque temia insultá-la; em vez disso, ela sentiu-se tocada.
Então, há alguns meses, ele disse-me que Anah estava de regresso à Arábia Saudita em definitivo. Ela partiria dentro de dois dias.
Quando ele me pediu para o ajudar com o Facebook para que pudesse manter o contacto com ela, percebi que os seus sentimentos para com aquela amiga eram profundos. Eu tinha passado recentemente um tempo no estrangeiro e tinha-o encorajado a aderir ao Facebook para seguir as minhas viagens; ele não quis. Agora, ele pedia para abrir uma conta com uma fotografia dele no perfil pessoal.
Quando lhe sugeri que usasse uma imagem de Trigger, o cavalo de Roy Rogers, para preservar a privacidade a que se agarra tão ferozmente, o meu pai recusou.
"Eu prefiro uma fotografia minha. Ela pode querer mostrar à família quem eu sou", disse-me.
Antes de Anah voltar para o Médio Oriente, o meu pai levou-a a almoçar ao seu restaurante italiano favorito e a comer a sobremesa a um café próximo do local onde ele tinha crescido. Estes são os lugares onde ele se sente mais confortável, os lugares onde ele me levava. Tal como tinha acontecido com o presente de aniversário, ele tinha refletido sobre o convite, com medo de que este a pudesse ofender, mas ela aceitou alegremente.
Tentei imaginar a conversa entre eles: uma rapariga muçulmana com o seu inglês limitado e o meu ítalo-americano pai, Vinny, com o seu sotaque inimitável a deixar cair os erres, a perguntar-lhe se ela queria um "cafeie" e um "cannolo".
Tradicionalmente, os amigos do meu pai eram italianos e católicos. Ele sentia-se mais confortável com um companheiro paesano, alguém da sua própria aldeia, que parava na mesma esquina ou comungava na mesma igreja. Ele nunca procurou ninguém diferente.
Essa era uma das razões para o almoço com Anah ser tão importante. Naquele domingo, ele descobriu que ela, como muitos muçulmanos, não bebia álcool nem comia carne de porco. Quando lhe perguntou se ela tinha assistido aos serviços religiosos naquele dia, o meu pai descobriu que no rito dela as mulheres não estão autorizadas a participar nos cultos na mesquita.
Em resposta, Anah perguntou--lhe se ele tinha ido à igreja naquela manhã. Claro que sim.
Em Anah, o meu pai viu alguém que desfez os pressupostos que ele tinha como certos sobre os muçulmanos; agora vê-os como pessoas de uma cultura com mais semelhanças com a sua própria cultura do que diferenças. Também reconhece que viu em Anah um espelho das lutas que os seus próprios avós travaram depois de terem imigrado para cá há mais de cem anos.
"Tu tens classe", disse o meu pai um dia a Anah.
"O que é "classe"?", perguntou ela.
"Significa que és bonita e tens atitudes bonitas", explicou ele, e ela sorriu.
Como os meus pais se divorciaram na meia-idade, o meu pai passou os últimos 20 anos em grande parte sozinho. Creio que sem uma mulher e com uma filha única já de meia-idade, eu, que já não "necessita" dele, o meu pai sente falta de ser uma figura paterna protetora. Ao não ter tido filhos, eu roubei-lhe a hipótese de ser o nonno (avô italiano) por excelência, que ele desejava vir a ser.
No fim do almoço, Anah tirou uma selfie dos dois. Eu perguntei ao meu pai se ela lhe tinha enviado a fotografia, mas ele explicou que não lhe tinha dito o seu endereço de e-mail. Era tão raro ele estar online, que não se tinha conseguido lembrar exatamente qual era e não queria que ela pensasse que ele era "estúpido com a tecnologia", confessou-me.
O meu pai foi ao quarto buscar o seu antiquado telemóvel de abrir, que exibiu com orgulho diante de mim, convencido de que este era a prova de que ele não era um completo dinossauro, e perguntou-me como é que podia tirar uma fotografia com ele. O meu pai, que geralmente mantém o telemóvel desligado, nunca antes tinha manifestado curiosidade na função de câmara.
Naquela tarde, ainda atordoada pela surpresa, eu abri a conta de Facebook do meu pai. Escolhi uma foto de capa da Fonte de Trevi para mostrar o amor dele por Itália. Para a fotografia de perfil escolhi a imagem mais lisonjeira que tinha dele, com um largo sorriso, no Natal. Eu tinha-lhe dado um conjunto de DVD de filmes clássicos do Oeste e, em tom de brincadeira, uma arma de brincar, um cavalinho de pau e um chapéu de cowboy.
Também encontrei uma fotografia de nós dois do início dos anos 1970 (em que eu estava ao colo dele com 2 anos, em frente à nossa árvore de Natal), publiquei-a no meu mural do Facebook e enviei-lha. Eu achei aquela imagem dele tão hiperbolicamente antiquada, com o seu cabelo preto ondulado e a sua camisa de xadrez roxo e preto, que se tornava ternurenta.
Dois dias depois, revelei-lhe o que tinha feito. Ele ficou satisfeito com as fotos de capa e de perfil, mas chateado com a fotografia antiga de pai e filha.
"O quê? Publicaste aquela foto antiga?", gritou. "Olha para o meu cabelo!"
Quando ele viu que o seu ano de nascimento estava visível para o mundo entrou em pânico: "Puseste o meu aniversário para que todos possam vê-lo?"
Retirei-o imediatamente.
Depois, ensinei-lhe os diversos meandros do Facebook: o que era privado, o que era público, como "gostar" das publicações, como criar publicações, como aceitar e pedir "amizade".
Mostrei-lhe os seus pedidos de amizade. Anah estava entre eles e foi o primeiro que ele aceitou. Depois consentiu em aceitar-me a mim.
Quanto à lista de amigos generosamente sugerida pelo Facebook, ele não se comoveu. "Eu não quero que todas essas pessoas me encontrem", disse ele.
Abanei a cabeça: "É para isso que existe o Facebook."
Depois, mostrou-me a fotografia que tinha tirado a Anah com o telemóvel dele. A última vez que a viu, o porteiro do prédio dela tinha-a chamado à sala do correio, mas várias pessoas nas proximidades tinham ouvido dizer que ela estava de partida e juntaram-se todas em seu redor. O meu pai encontrou uma oportunidade para partilhar o seu nome do Facebook e ela rapidamente digitou algo no seu telemóvel.
"Isso deve ter sido quando ela aceitou a tua amizade", disse-lhe eu.
"Era isso que ela estava a fazer?"
Embora ele tenha conseguido tirar-lhe uma fotografia, não tenho a certeza de que ela sabia o que ele estava a fazer. Na pequena imagem que aparecia no telemóvel do meu pai, Anah usava um hijab branco e óculos de aros escuros, mas eu não conseguia ver a cara dela, porque ela estava a olhar para o outro lado. Depois de me mostrar a foto, o meu pai corou, esboçou um meio-sorriso e guardou o telefone.
Duas semanas mais tarde, de regresso à cozinha do meu pai, ensinei-lhe novamente os passos para entrar na sua conta do Facebook e recordei-lhe a sua senha de acesso. As suas sugestões de amizades incluíam agora dezenas de muçulmanos de todo o mundo; o seu mural continha mensagens em árabe.
"Isto é fantástico", disse ele, desta vez com uma tal admiração, que a preocupação que tantas vezes sinto pela tendência do meu pai para se refugiar no Velho Mundo dissipou-se. Eu vi um homem feliz a saltar por cima de vários abismos geracionais, culturais e tecnológicos, todos ao mesmo tempo.
Vi também que Anah lhe tinha enviado a mesma mensagem dias atrás, em três momentos distintos: "Olá, como estás?"
"Olá, eu estou bem. E tu? Tenho saudades tuas. Isto não é a mesma coisa sem ti", teclou ele com determinação.
E não é mesmo. O meu pai é agora um dos milhões de utilizadores do Facebook, ligado a um mundo que ele nunca tinha sonhado que existia e a uma amiga que ele nunca tinha imaginado poder vir a ter.
Exclusivo DN/The New York Times