Ameaça à Google? Como a gigante dos motores de busca vai responder ao ChatGPT

O lançamento impressionante do bot conversacional da OpenAI foi seguido de um investimento milionário da Microsoft na empresa. A fasquia está mais elevada que nunca em Silicon Valley.

A Google começou o ano a despedir 12 mil empregados e a estabelecer a Inteligência Artificial (IA) como o domínio de maior importância para o futuro da empresa. Os despedimentos, que estontearam muitos dos visados, fazem parte de um momento de contração da big tech, com as maiores gigantes de Silicon Valley a corrigirem os seus quadros depois da expansão pandémica. Mas para a Google, este momento é também de disrupção daquilo que se tornou o seu lucrativo statu quo nas últimas décadas. A gigante que construiu um império suportado pelo seu motor de busca vislumbra no ChatGPT, um bot conversacional lançado pela OpenAI em novembro de 2022, um potencial desafio.

Ou pelo menos, assim parece. O New York Times deu conta em janeiro de um regresso dos fundadores da Google, Larry Page e Sergey Brin, para reuniões com executivos e uma análise da estratégia de IA da empresa. Ambos deixaram funções executivas em 2019 e esta chamada para o reformular da estratégia foi vista como sinal de que a Google leva a ameaça do ChatGPT a sério. O The Verge, com menos freio nas palavras que o NYT, resumiu da seguinte forma: "Google is freaking out about ChatGPT." Poder-se-ia dizer que a empresa está "baratinada" com um potencial competidor.

É que a Microsoft investiu 10 mil milhões na OpenAI - já tinha investido mil milhões em 2019 - e anunciou a disponibilização geral do serviço Azure OpenAI. O próximo passo, segundo os rumores, é usar uma versão mais avançada do ChatGPT para atualizar o motor de busca Bing, que em dezembro tinha uma quota de mercado mundial em torno dos 9%. O Google Search, que domina 84% do mercado, é responsável por quase 60% das receitas da Alphabet, casa-mãe da Google.

Mas esta visão dicotómica pode ser demasiado simplista. Ritu Jyoti, vice-presidente mundial do grupo de Inteligência Artificial e Automação da consultora IDC, faz uma abordagem mais alargada.

"Penso que há muita confusão no mercado de que o ChatGPT vai competir com o Google Search", disse a especialista ao DN. "O ChatGPT não fornece contexto nem a fonte da informação. Não é dinâmico, não é em tempo real", frisou. "Pode ter uma combinação interessante com um motor de busca, mas o ChatGPT não consegue competir com o Google Search."

Gry Hasselbalch, fundadora da DataEthics.eu e especializada em big data e IA, explica porque é que isto é um problema. "Uma das questões em torno de como o ChatGPT utiliza os dados e como está a ser treinado é que não conseguimos ver as fontes", disse ao DN. "É um problema em termos de plágio, de reutilização não autorizada de material, de aprendizagem e capacidades críticas. Temos uma ferramenta que faz isto por nós mas não é transparente em como o faz."

Embora também haja questões sobre o algoritmo da Google e como elenca os resultados, o ChatGPT "é ainda mais opaco sobre as fontes e os interesses por detrás."

No entanto, Hasselbalch salientou que estas são coisas relacionadas. "Eu diria que a Google foi parte da evolução porque não devemos entender nenhuma destas tecnologias de forma isolada. Foram desenvolvidas em contexto."

Ritu Jyoti indica o mesmo. Embora considere o ChatGPT um sistema "impressionante", este não surgiu num vácuo. "Da perspetiva tecnológica, não é o ChatGPT, é esta geração de IA e a transformação que aconteceu com o modelo e a arquitetura, que são o que realmente impulsionou a inovação." A analista sublinhou que isto não vai transformar apenas os chatbots, vai ter impacto numa série de outras áreas. "Estamos apenas a ver a superfície do que a IA generativa e esta tecnologia conseguem fazer."

Como a Google vai responder

Toda a indústria deu um salto significativo nos últimos cinco anos, com modelos de deep learning e avanços na capacidade de computação que permitiram chegar a este ponto de inflexão. Isso inclui a Google.

"A Google não está a descansar à sombra dos seus louros, é uma empresa de Inteligência Artificial e tem feito um trabalho fantástico", afirmou Ritu Jyoti. "Tem uma série de inovações muito interessantes nesta área, o modelo PaLM, o Google Sparrow, que é um chatbot DeepMind e competição direta do ChatGPT, e tem feito um trabalho muito interessante a eliminar alguns dos desafios e a trazer feedback humano para dentro do circuito", adiantou. "A Google disse que quer ser mais cautelosa e é por isso que não estão a promover algo com o qual não se sentem confortáveis."

Esta é uma questão chave. Apesar de estar a investir de forma pesada em IA há vários anos, a gigante de Mountain View optou sempre por uma abordagem cautelosa porque não queria lançar produtos problemáticos, que pudessem manchar a sua reputação. A AI Test Kitchen, que oferece acesso a ferramentas generativas similares ao ChatGPT e o DALL-E da OpenAI, tem muito mais restrições sobre os pedidos que podem ser feitos aos sistemas.

Isso pode mudar em breve; com o apoio dos fundadores, a intenção será lançar uma versão do Google Search com funcionalidades de chatbot ainda este ano e pôr cá fora 20 projetos alimentados a IA.

O CEO Sundar Pichai aludiu a isso na apresentação dos resultados do último trimestre, que dececionaram com uma quebra de 34% nos lucros. "Os nossos investimentos de longo prazo na ciência de computação profunda torna-nos extremamente bem posicionados à medida que a IA atinge um ponto de inflexão, e estou entusiasmado pelos saltos impulsionados pela IA que estamos prestes a revelar no Search e para lá disso", afirmou.

A expectativa é que os primeiros projetos sejam revelados no evento anual Google I/O, em maio, e a versão do motor mais tarde.

Para Evelyn Mitchell, analista da Insider Intelligence, o ChatGPT constitui um desafio mais de médio e longo prazo para a Alphabet, numa altura em que os desenvolvimentos exponenciais da IA têm o potencial de revolucionar várias áreas, incluindo a publicidade digital, que é a sua maior fonte de lucro. "Mas a posição de mercado da Google na publicidade relacionada com pesquisas enfrenta uma ameaça maior da Amazon e TikTok que da Microsoft, no curto prazo", indicou Mitchell.

A Google também está a sentir o efeito das mudanças de privacidade operadas pela Apple, em especial no YouTube, e a rede de partilha de vídeos compete com o TikTok e as plataformas de streaming pelos orçamentos publicitários. Tudo isto num cenário de pressão macroeconómica.

"A Google também tem as ferramentas e a tecnologia. O desafio com eles é assentarem num modelo de negócio que se baseia em publicidade", disse Jyoti.

O facto é que a Google tem mais a perder que a OpenAI, que avisa à partida os utilizadores de que o ChatGPT está em fase beta e a aprender à medida que é usado.

"A própria OpenAI reconheceu que o ChatGPT é sensacionalista e muito cool, um bot inteligente, mas não é perfeito", frisou Ritu Jyoti. "Há problemas de veracidade e precisão, há questões de uso e abuso, infração de direitos de autor, e estão a trabalhar nisso", disse. "Têm de pôr grades de proteção em toda a volta."

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