Ambientalistas defendem que a guerra pode ser oportunidade para a transição energética

Na véspera da 27.ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, que decorre a partir deste domingo no Egito, as associações ambientais secundam a opinião do ministro do Ambiente: a guerra não pode parar o processo de transição energética, pelo contrário, "é uma oportunidade para o acelerar".

A guerra na Ucrânia - e as implicações que está a ter em todo o mundo - vai atrasar o processo de transição energética (que estava em curso)? Ou, pelo contrário, poderá acelerar essa mudança? A propósito da 27.ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP27), que junta representantes de quase 200 países a partir de domingo em Sharm el-Sheikh, no Egito, o DN ouviu responsáveis de três associações ambientais. E os três são unânimes em ver aqui um último e urgente impulso para a transição energética.

Francisco Ferreira, presidente da ZERO, considera que é difícil fazer um balanço do impacto que a guerra está a ter no processo, destacando aspetos positivos e negativos. Comecemos pelos últimos: "Temos centrais a carvão que continuam a funcionar e que tinham final previsto, outras que estavam paradas, de reserva, e foram ativadas (é o caso da Alemanha, Polónia, entre outros países da Europa Central e de Leste), e um pouco por toda a Europa essa é a realidade; temos países a ressuscitar ou a ampliar a extração de gás (é o caso dos Estados Unidos ou do Catar). E assim estamos a aumentar emissões", adverte o ambientalista.

Por outro lado, elenca alguns sinais positivos, mesmo no que se refere à Europa. "Temos objetivos de redução do consumo energético - de 15%, como foi decidido no Conselho Europeu, ou de 7% em alguns países como Portugal. E temos casos como o da Alemanha, que é paradigmático: a meta de abandono do carvão mantém-se, para cumprir os objetivos de médio e longo prazo."

A grande novidade salientada por Francisco Ferreira é o compromisso da União Europeia em acelerar a aposta nas energias renováveis para evitar ficar dependente dos fornecedores externos de combustíveis fósseis. A par disso, houve ainda o sinal dado pela própria Agência Internacional de Energia, há poucos dias, "quando disse claramente que o gás natural não faz parte do futuro", desencorajando investimentos nessa área.

"É esta aceleração das renováveis, que também tem de ser acompanhada pelas medidas de eficiência energética, que é o grande contraponto, estrutural até", considera o responsável da ZERO.

"Poderemos ter um aumento de emissões, temporariamente. Não é certo, porque, por um lado, vamos buscar o carvão, mas, por outro, estamos a reduzir o consumo. No curto prazo, é difícil dizer como é que saem as emissões. Depende também de como o clima se comportar durante o inverno. No médio e longo prazo, diria que estamos com ganhos, não obstante este novos investimentos em extração de gás nalguns países de África, Médio Oriente e EUA", afirma o dirigente da ZERO.

Já Paulo Pimenta de Castro, presidente da Iris - Associação Nacional de Ambiente, considera que os últimos tempos "vieram acelerar a necessidade de abandono dos fósseis. A dependência que tínhamos da Rússia e, por arrasto, da Ucrânia, onde passam alguns gasodutos, pode ser a oportunidade para fazer acelerar o processo da transição energética".

Mas este ambientalista está convicto de que o mesmo não ocorre de um momento para o outro. "Vamos eventualmente passar um inverno difícil", vaticina. Porém, "isso não implica que voltemos atrás, à queima de carvão. Isso seria um retrocesso". Sabendo que "estamos numa situação difícil", perante a inevitabilidade das circunstâncias, será preciso urgir o processo.

As mesmas dúvidas são partilhadas pela Quercus. Domingos Patacho, um dos mais antigos entusiastas daquela organização, mostra-se consciente de que a guerra "veio, sem dúvida, atrasar o processo de transição energética, mas pode revelar-se uma oportunidade". Ou seja, "os países estão a procurar alternativas nas fontes de energias renováveis que lhes permitam ficar mais independentes, o que, a prazo, será um estímulo para que se acelere esse processo".

Mas este ambientalista cita, a propósito da COP27, um artigo da ONU News, em que o investigador Ian Fry é precisamente questionado sobre o retrocesso que pode advir da guerra no que respeita a promessas e compromissos que alguns países fizeram no ano passado. O especialista em alterações climáticas considera que a guerra também pode ser um "despertar" para que as nações se tornem autossuficientes em energia.

"Ele argumenta que a maneira mais barata de fazer isso é por meio de energias renováveis, que são fundamentais para reduzir as emissões", sublinha Domingos Patacho. Nesse artigo, Ian Fry cita o caso português: "Estamos a ver Portugal a caminhar para 100% de energias renováveis, sabemos que a Dinamarca também está a fazer o mesmo, e penso que isso levará outros países a verem a necessidade de serem renováveis e autossuficientes em energia."

Ministro do Ambiente reforça compromisso: "É para manter e acelerar a transição energética"

O ministro do Ambiente e Ação Climática, Duarte Cordeiro, considerou entretanto que Portugal, apesar da crise energética decorrente da guerra na Ucrânia, tem condições para manter e acelerar a transição energética. Em entrevista à agência Lusa, o governante reforçou a ideia de que não é tempo de recuar. "No atual contexto de guerra e crise de energia, os países recuaram em políticas por questões de segurança energética. O nosso país manteve a mesma e entende que tem condições para acelerar as suas políticas energéticas", procurando "aproveitar vantagens do país para acelerar a produção de energia renovável", afirma Duarte Cordeiro.

Na véspera da conferência, em que vai participar, o ministro defende que é preciso manter a ambição do Acordo de Paris sobre redução de emissões de gases com efeito de estufa e acelerar políticas. Por outro lado, considera que é tempo de a União Europeia dar o exemplo e "puxar outros países", por forma a assumirem compromissos de luta contra o aquecimento global. "Circunstancialmente, podemos, por força da guerra [na Ucrânia], ter de adotar medidas que nos permitam garantir segurança energética, mas isso não significa não manter ambição relativamente às metas e aumentar essa ambição", conclui.

dnot@dn.pt

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