Vítor Sobral: "Sem querer ser nem saudosista, nem ofender ninguém, o Brasil é das melhores criações portuguesas"

10 perguntas à queima-roupa, 10 respostas na ponta da língua. Nesta rubrica, o DN desafia personalidades a comentarem assuntos quentes do país e do verão. Hoje é a vez de um dos mais conceituados <em>chefs </em>de Portugal.
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Um alimento.
Vou escolher um por uma razão: estamos na época dele - as sardinhas. Representam duas coisas: um peixe sustentável, que diria que é acessível a todas as pessoas, e que é das formas mais simples de comer peixe, que é grelhado, que é o que é mais conhecido e a forma mais tradicional de o consumirmos. E sardinhas lembram sempre uma boa altura, lembram verão, família, as sardinhadas, peixe grelhado ao ar livre.

Comer.
Para mim, tem duas formas: porque temos fome e porque nos dá prazer. Tento aliar sempre as duas coisas - inclusive, quando tenho fome e como mal, fico chato, fico com birra e faz-me alguma confusão, pessoas que não valorizam o ato de comer. Comer não tem de ser caviar, nem lagosta, é comer bem, de preferência bem acompanhado e ser um dos atos diários que são importantes na nossa vida. Ir a um restaurante e não ir lá pela comida, como cozinheiro e como alguém que gosta muito de comer, faz-me imensa confusão.

Empratar.
Empratar é importante. Quando olhamos para um prato e o julgamos, a primeira coisa que acontece é os olhos, é o primeiro sentido. Costumo inclusive dizer que é o sentido que mais nos engana, porque olhamos, tocamos, cheiramos, ouvimos e só finalmente é que saboreamos. O primeiro impacto é importante, não pode ser nunca o mais importante, tem de ser o conjunto de todos os outros e se o conjunto de todos os outros funcionar. Se o empratamento for muito bonito, mas tudo o resto não funcionar, vira um bom empratamento e uma grande desilusão no final.

Saúde.

É importante. Muitas vezes não cuidamos dela como devíamos e o conselho que dou às pessoas é comerem tudo o que puderem que não seja mal industrializado. Sobretudo há uma que me aflige bastante as pessoas não repararem, que é o pão. Entre um pão bem fermentado e um pão mal fermentado estamos a falar de alguma coisa que ingerimos e que continua a funcionar no nosso estômago num mau sentido.

A saúde tem muito a ver com o cuidado com o que temos nos alimentos que escolhemos para comer. E isso é uma coisa que, como cozinheiro, gostava de ver e sentir que há mais cuidado. Há cuidado de ir pintar as unhas, há cuidado de irem aparar a barba, mas muitas vezes o cuidado daquilo que se ingere não é tão grande como as unhas e como a barba, em sentido figurado.

Um hobby?
Não posso escolher só um, há três coisas, para mim, importantes: estar à mesa com os amigos, ler, inclusive os meus olhos já se queixam, e nadar - água.

Luxo.
O luxo é podermos fazer o que queremos com quem queremos, porque não me fascina um carro fantástico, um relógio, e fazer uma viagem com a família, com alguém que escolha, com os amigos, e poder dar uma forma de desfrutar daquilo que me dá prazer, nadar, ir a bons restaurantes, ir aos mercados e cozinhar, e também ler... isso para mim é luxo.

Negócios.
É o grande calcanhar de Aquiles da minha vida - é que vou morrer sem ser um homem de negócios médio. Quando somos apaixonados pelo que fazemos, alguma coisa a nível financeiro fica para trás. A sociedade, de alguma maneira, não diferencia quem age assim, quem pensa assim, e no que diz respeito a negócios, vou acabar sempre por achar que o caminho que fiz nessa área nunca foi o mais inteligente.

Inflação.
Não sendo economista, mas minimamente entendido, a economia não é matemática, são emoções, é aquilo que conseguimos definir como devemos ou não devemos consumir, a guerra vai ou não prejudicar-nos em relação à inflação. É uma coisa que tenho alguma dificuldade em entender, porque acho que o nosso comportamento no dia a dia tem de ser sempre de cuidado para que não haja nem desperdício, nem falta, e então que não exista inflação. Hoje, sinto que há um grande oportunismo, porque aquilo que se reflete em função do que é o fenómeno económico, muitas vezes não é o que o mercado reflete. Há uma grande parte de aproveitamento relativamente à questão da inflação.

Brasil.
É um país que adoro, a que já fui muitas vezes, onde tenho negócios e, sem querer ser nem saudosista, nem ofender ninguém, o Brasil é das melhores criações portuguesas. A capacidade que os portugueses têm de se misturar com outros povos é uma coisa fantástica e um bom exemplo é o Brasil. E se passarmos isso para a cozinha, então é uma coisa fantástica, porque vemos a matriz da cozinha portuguesa feita em diversas áreas do Brasil, em que os produtos são diferentes, por estratos sociais completamente diferentes e com um resultado maravilhoso.

Mas isso aplica-se na música, aplica-se também na arte, no futebol, toda aquela mistura cultural que o Brasil tem, acho que Portugal tem uma grande influência nisso. Alguém diz a brincar que se imagine um samba cantado em holandês ou em inglês, não é? E acho que sim, é pura verdade. Então o Brasil tem essa conotação para mim e se pudesse decidir, a minha vida era passada 50/50: 50 Brasil, 50 Portugal.

Filhos.
É importante. Sou um felizardo, tenho três filhos, três idades diferentes, um com 7, outro com 18 e outro com 33, portanto, tive filhos em idades diferentes da minha vida, tive a experiência da paternidade também em fases diferentes e posso dar um conselho a quem queira arriscar: ser pai é muito bom, porque dá-nos uma energia incrível.

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