"Alojamento local foi a tábua da salvação"

O negócio é legal, ajuda a economia e os problemas são ultrapassáveis, sem poder de veto, defendem proprietários e gestores de alojamento local
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A casa estava degradada, foi recuperada, esteve um curto período à venda e depois deixou de ter o cartaz da imobiliária. Pintada de azul-claro, rés-do-chão com mezzanine, encravada num dos arcos do Aqueduto das Águas Livres, ali ao Arco do Carvalhão, em Lisboa, ostenta agora uma placa de acrílico com duas letras apenas, azuis em fundo transparente: "AL" - alojamento local - apesar de escapar aos clichés das polémicas recentes: Campolide não é uma zona turística, mas por se tratar de uma moradia única não haverá qualquer discussão de condóminos sobre eventuais barulhos de turistas foliões.

À porta apanha-se o 712, com destino a Santa Apolónia, a estação no sopé de Alfama. Aí multiplicam-se as portas com placas "AL", como nas vizinhas Mouraria e Castelo, e do outro lado nas colinas turísticas. Eduardo Miranda, presidente da ALEP - Associação do Alojamento Local em Portugal, diz ao DN que "fala-se muito em Lisboa e Porto porque são mercados relativamente novos, mas 2/3 dos alojamentos locais são em centros de veraneio". E com as casas do Algarve nunca se fizeram peças de televisão e artigos de opinião. Para Eduardo Miranda, "o mercado de AL só cresceu pelo crescimento do turismo".

O iPAD é o escritório

Ana Rafael encontrou neste negócio ("é um negócio, não é uma árvore das patacas", repete ao DN) a resposta à crise que a levou a mudar de vida. "O alojamento local foi a tábua da salvação", depois de a crise ter obrigado a fechar o seu negócio. Gestora hoteleira e designer de moda, 51 anos, há quatro lançou-se com uma casa sua, fora das zonas históricas, em Alvalade. A esta casa juntou, desde janeiro, outras duas arrendadas, na Rua Marechal Saldanha, a dois passos do Adamastor. E arriscou fazer da gestão do AL a sua profissão. "O meu iPad é o meu escritório", aponta.

Já Manuel Ferreira encontrou nesta vida "um complemento" à pré-reforma de bancário. Com 60 anos feitos ontem, entrou no negócio há três, "não queria estar parado em casa". Agora gere um pequeno apartamento na Travessa da Laranjeira, perpendicular à rua íngreme que o grafitado elevador da Bica ajuda a subir. Há turistas que passam, mochilas às costas ou malas de rodinhas, e entram nas portas em volta. Outros passeiam-se apenas, no calor abafado de uma sexta-feira em que muitas portas comerciais estão ainda fechadas. É uma zona de bares - e "quem se queixa do barulho são os turistas", diz Manuel Ferreira.

Na porta vizinha, Guilherme Martins, 76 anos, "criado aqui" na Bica, goza a reforma com caminhadas de dez quilómetros, três vezes por semana, e a ajudar "o senhor Manel" a traduzir para os turistas franceses, ele que esteve emigrado em França. Voltou a Lisboa há dez anos e também se queixa do barulho dos bares. E os turistas? "É bom para o país", atira.

E os quartos para estudantes?

O negócio não é uma árvore das patacas, desfiam os dois gestores. Há que pagar água, luz, gás, depois as limpezas e a lavandaria, também a pessoal para fazer check-in e check-out, contabilidade, impostos e segurança social. Ambos lamentam a discussão que se faz em torno do AL. "O que é que estou a fazer de errado", questiona-se Ana Rafael, que recorda que neste ano em Lisboa "vão abrir 30 hotéis" em Lisboa e que "ninguém fala dos quartos dos estudantes". "Lisboa está na moda, agora ganhamos todos, a pastelaria, o restaurante e o supermercado da rua", refere Ana Rafael.

Eduardo Miranda desfia outros números. O presidente da ALEP diz que 83% dos alojamentos locais se situam em seis freguesias da chamada zona histórica alargada, mas as de Santa Maria Maior e da Misericórdia (que congregam as antigas freguesias das "sete colinas") levam a palma. "Havia cerca de 17 000 imóveis vagos", segundo os censos. "O alojamento local está muito associado à reabilitação", justifica.

Os problemas, aponta, vêm da novidade. A estrutura dos edifícios nem sempre ajuda, a insonorização não é a melhor, mas só "há meia dúzia de queixas em tribunal", num universo de 8000 que, estima, estejam dedicados ao AL em Lisboa. "Os problemas são ultrapassáveis", mas sem que os condóminos tenham poder de veto, diz. Manuel Ferreira defende quotas por bairros para AL, limites nas zonas históricas e fiscalização apertada para ilegais. Afinal, argumenta, "no dia em que tirarem daqui os habitantes também perdemos".

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