Em Penajoia, Almada, vêem-se inúmeras crianças pelas ruas de terra batida.
Em Penajoia, Almada, vêem-se inúmeras crianças pelas ruas de terra batida.Paulo Spranger/Global Imagens

Almada: IHRU garante que não haverá demolições sem soluções habitacionais

Cerca de 350 pessoas correm o risco de ficar sem teto no bairro de Penajoia, em Almada. As casas abarracadas estão construídas em terrenos do IHRU que quer limpá-los. Agora, o IHRU recuou a garante que só irá demolir quando houver respostas para a população
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“Estou numa grande angústia. Sinto-me preocupada, nervosa. Estou aflita. Um dia cheguei aqui, tinha vindo da creche onde fui buscar o meu filho, e vi ali o papel. Só que não há soluções nem respostas para os moradores. E eu prefiro viver numa barraca do que na rua”, desabafa Rosana Silva, 27 anos, desempregada e mãe de um menino de dois anos.

O papel a que se refere é o edital que o Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), proprietário dos terrenos, andou a espalhar pelas paredes do bairro, no dia 12 de junho e que informa a sua intenção de, a partir do dia 10 de julho proceder à “remoção de construções, bens, produtos ou outros resíduos dos terrenos”.

Na prática, teme-se a demolição das casas abarracadas, muitas ainda por acabar, que vão sendo edificadas à medida que os magros salários de quem ali mora chegam aos bolsos. “O pai do meu filho trabalha nas obras, mas nem sempre tem trabalho. Fomos fazendo a nossa casa aos poucos, porque a rua é pior”, prossegue Rosana.

Esta sexta-feira, 5, Ao contrário do que foi avançado, nos editais colocados nas paredes do bairro, no Pragal, em Almada, o IHRU deu um passo atrás. “Ligaram-nos para marcar uma reunião mas não há dia nem hora. Ainda não sabemos de mais nada”, revela ao DN um dos moradores, que pede para não ser identificado. “Só que as coisas não são assim. Tem de haver uma convocatória, não é só um telefonema”, lamenta o mesmo morador, que continua a temer pelo futuro.
O IHRU vem, assim, recuar na decisão de iniciar as demolições no próximo dia 10, assegurando, esta sexta-feira, 5,  que “não serão realizadas desocupações de casas no bairro de Penajoia, em Almada, sem que sejam providenciadas previamente alternativas habitacionais adequadas aos respetivos agregados familiares”.

Ao mesmo tempo, o instituto público, com responsabilidades na área da habitação adianta que “está a elaborar um diagnóstico social individual das necessidades de cada agregado, em articulação com as diversas entidades responsáveis nesta área, de forma a encontrar soluções habitacionais para as famílias, com as quais está também em contacto”, confirmando, assim, a informação dada pelo morador do bairro, ao DN. 

Caso as promessas do IHRU não venham a ser concretizadas, dado que ainda não há uma data para a reunião com os moradores, estes continuam assustados com a perspetiva de ficarem sem teto.

“Muitas famílias vão para a rua, outras vão ter que arrombar as portas que estão fechadas [nos bairros vizinhos] para não ficarem com as crianças na rua. Não temos mais solução para isto. Não temos resposta e cada dia que passa é menos um dia para estar aqui”, afirma a cabo-verdiana, que garante não ter rendimentos para pagar uma renda de casa, no mercado normal. “Ganhamos pouco, são salários mínimos que, depois dos descontos, ficam em pouco mais de 700 euros. Não dá para arrendar uma casa, um T1 está a 900 euros. Se arrendarmos uma casa ficamos sem dinheiro para a alimentação e para pagar as despesas, como a água e a luz”, desespera. 

Ao seu lado senta-se Ernestina. “Esta senhora vive aqui com o filho, o neto e a irmã, porque eles não têm outro sítio para onde ir”, descreve Rosana Silva. Ernestina não consegue falar. Desfaz-se em lágrimas. “Há aqui no bairro mulheres grávidas. Onde é que nós vamos parar?”, interroga-se Rosana.

Edna Moreno, 36 anos, mora com a filha, o marido e um sobrinho. “Moro aqui de favor, porque uma pessoa saiu e deixou-me vir para esta casa”, diz. “Não trabalho, tenho 70% de incapacidade, faço hemodiálise. A minha filha nasceu prematura e também tem uma deficiência no braço direito. Com a condição que o país está não dá para pagar uma renda”, avança esta moradora, que aqui chegou há dois anos.

“O meu marido já cá estava, em Portugal, e conseguiu o reagrupamento familiar. Deixei dois filhos em Cabo Verde, que estão com a minha mãe, é ela que me ajuda. Aqui, em Portugal, a situação está muito difícil. Tentei inscrever-me para ter uma casa da câmara mas é muito complicado. Aliás, tenho um conhecido, que também faz hemodiálise e já está em Portugal há 26 anos. Pediu casa e nunca lhe deram”. Entrega-se a uma espécie de conformismo. “Estamos aqui todos numa situação muito complicada, espero que arranjem uma solução”.

O mesmo espera Yara Semedo, 28 anos, mãe de duas crianças pequenas, de dois e quatro anos. “Vim de Cabo Verde, em 2016, à procura de trabalho. Trouxe uma filha que acabou por falecer. Na altura, ficámos em casa de familiares  mas acabei por arrendar uma casa, com o meu marido. Só que o senhorio pediu a casa e foi um primo do meu marido que nos arranjou este terreno para fazermos a casa”. Aquilo a que chama casa é uma construção em madeira e tijolo, com as divisões delimitadas por panos. É o que tem. “Não tenho alternativa. Não trabalho para tomar conta dos miúdos, só o meu marido é que trabalha. Sinto-me preocupada sobretudo por causa das crianças”.

Os moradores participaram numa assembleia municipal, no dia 28 de junho. Só que a autarca, Inês de Medeiros, recusa responsabilidades no seu realojamento. “A câmara tem alertado o IHRU, iremos transmitir as vossas palavras, mas é bom que se perceba que aquilo é uma matéria exclusivamente da responsabilidade do IHRU”, reforçou a presidente da câmara de Almada. E acrescentou: “O IHRU não só tem responsabilidades como proprietário, como tem responsabilidades até estatutariamente, uma vez que é essa também a sua missão enquanto entidade pública”.

O IHRU, por sua vez, explica que a remoção das construções decorrerá por várias semanas “permitindo assim acomodar o ritmo dos trabalhos com as possibilidades de  desocupação da zona pelas famílias”.

Apesar de o IHRU ser a entidade pública promotora da política nacional de habitação atira responsabilidades para outras “entidades com responsabilidades na matéria que terão de asssegurar a existência de solução habitacional para as famílias, caso estas demonstrem não ter, efetivamente, alternativa”, sem especificar a que entidades se refere.

Com Lusa

Notícia atualizada às 16:50 com a nova posição do IHRU

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