"Ainda não regressámos aos números antes da pandemia, não há igreja que o consiga"
Os cultos religiosos regressam à normalidade, isto se não tivermos em conta o uso da máscara e a higienização das mãos. Não há limitação de espaço, nem distanciamento obrigatório e as celebrações da Páscoa retomam quase a forma habitual. Os crentes é que não regressaram totalmente a todas as paróquias e algumas estimativas apontam para menos 20 % de assistência. Mas a pandemia também abriu outras formas de passar a mensagem, com o recurso às redes sociais, à transmissão em direto online , à televisão e até à rádio.
"Há mais participação atualmente do que nos dois primeiros anos da pandemia. A perceção é que há uma retoma, um crescendo, mas em termos quantitativos é difícil dizer neste momento. Se a Páscoa regressa à normalidade? É uma normalidade possível, com todos os cuidados", diz o padre Manuel Barbosa, porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP).
Comparando os números dos novos casos de pandemia, a última semana teve níveis superiores (29 de março a 4 de abril) às duas Páscoas anteriores: 61 988 novos infetados e mais 145 mortes. Há dois anos, um mês depois dos primeiros doentes com covid-19, havia confinamento total na Páscoa. Na semana anterior, somavam-se 2722 novos casos e 42 mortes. Em 2021, mais 2938 infeções e 59 mortes, mas dois meses antes (26 janeiro a 1 de fevereiro) tinha sido a pior semana: 79 208 novas infeções e 2036 vítimas mortais. E a população não estava vacinada, realidade completamente diferente da atual.
Este ano, a CEP permitiu todas as celebrações religiosas, embora com condicionantes: não beijar a cruz e distanciamento na visita pascal a casa dos crentes.
"As pessoas estão a voltar, mas não é igual à participação de 2019. Há, de facto, uma diminuição relacionada com a morte de idosos devido à covid-19, mas também é por as pessoas terem problemas em estar numa assembleia. Há quem ainda pense se deve ou não regressar", explica o padre Rúben Marques, da paróquia de Nossa Senhora da Conceição, na Praça do Marquês, no Porto. Estima que não recuperaram 20 % da assistência, entre jovens e idosos. Para os que faltam é mesmo uma ausência total, uma vez que nesta paróquia optaram por não fazer transmissão online. "Havia demasiado oferta e com baixa qualidade. Comunicámos aos paroquianos que assistissem à celebração de Fátima, de Roma, e às televisões", diz o padre Ruben.
Em Viseu, na Igreja de Nossa Senhora do Viso, o pároco Miguel Abreu está a viver momentos que não aconteciam há dois anos. Com a diferença de que a visita pascal foi mais prolongada e sem convívio. Nota um crescendo de presenças de dia para dia, mas ainda sem regressar aos números de 2019.
"Começámos a abrir as portas e as pessoas começaram a vir. Há dias em que a igreja está mesmo cheia, outros nem tanto. Ainda não regressámos aos números antes da pandemia, não há igreja que o consiga. Estamos a dar passo, mas ainda haverá menos 10%. Também temos transmissão online das missas, ao sábado (vespertina, dedicada às crianças) e aos domingos de manhã e à tarde. Habituaram-se e preferem ver em casa", justifica o padre Miguel.
De resto, aqui já transmitiam a missa anteriormente, mas reforçaram a assistência nos últimos dois anos. As visualizações têm agora diminuído à medida que aumenta a presença nas celebrações.
"Olhando para as assembleias, as pessoas descobriram que podiam assistir a missas interessantes de vários pontos do globo pela internet, incluindo as missas do Papa, o que levou a um ajustamento do que está a ser a prática religiosa. Neste momento, ainda estamos a viver o pós-pandemia, com as pessoas a voltarem gradualmente à prática religiosa. Na minha capela, no Centro Comercial das Amoreiras, notou-se um aumento significativo, desde janeiro, de pessoas que vêm regularmente à missa", explica o padre Peter Stwill, que abriu, em 1985, a primeiro capela num centro comercial de Lisboa. "Serve essencialmente uma população que trabalha no centro ou nas Torres e algumas pessoas de idade da vizinhança. Destas, algumas faleceram, outras não estão em condições de virem ou não arriscam; mas os profissionais vêm".
Há um ano, o pároco da Igreja da Nossa Senhora do Amparo, em Benfica, Nuno Rosário Fernandes, instalou ecrãs na rua para que as pessoas pudessem assistir às cerimónias pascais. Este ano, os fiéis entram, mas a transmissão online mantém-se. É, aliás, uma aposta vencedora. "Temos sempre o salão como retaguarda para as pessoas não ficarem ao monte. Em especial na celebração da Paixão, sexta-feira, que traz sempre muita gente. É uma tradição, é o dia do ano que tem mais gente".
A igreja leva cerca de 200 pessoas sentadas e fez-se um grande investimento nos meios digitais, com câmaras instaladas em toda a igreja. Emitem diariamente através de um canal de televisão por cabo, também no YouTube e no Facebook. "Era uma coisa que tinha pensado ainda antes da pandemia - em função das pessoas de mais idade, dos doentes. A pandemia veio precipitar isso e mantemos a transmissão diária de uma celebração", diz o padre Nuno, salientando que "é um dever e uma obrigação do cristão a participação na missa de domingo". Há quem frequente a igreja sempre ao domingo e acompanhe as eucaristias online durante a semana. E além disso criaram também a web-rádio "Rádio Amparo"".
"A transmissão online também fez com que algumas pessoas se aproximassem da comunidade e, mesmo não sendo daqui, começassem a vir e até a colaborar como voluntárias. É bonito ver como a igreja se abriu", salienta.
O padre Nuno sente que estão a recuperar a participação presencial, com algumas limitações sobretudo por parte de quem rejeita aglomerações. "Mas como temos muitos horários, as pessoas vão-se dividindo. Não sou capaz de dar uma percentagem de redução. Tenho a noção de que algumas deixaram de vir, umas porque faleceram, outras talvez tenham deixado mesmo de vir, mas sentimos que há uma boa participação". Por semana, celebram 21 missas.
A missa de domingo do Seminário Maior de Coimbra parece ter invertido a tendência de diminuição com a pandemia. Recuperada há seis anos pelo reitor, padre Nuno Santos, o segredo está nas "transmissões online, com qualidade" e na procura de novas formas de divulgar a mensagem.
"Esta missa foi pensada para pessoas que tinham abandonado a Igreja, para cristãos não-praticantes, foi estruturada para esses: na linguagem, na música, no acolhimento. O segundo foco foi nas famílias com filhos antes da idade de catequese. Por exemplo, temos um desenho semanal e criámos uma dinâmica com as crianças. O terceiro foco foi nas pessoas que queriam uma comunidade que fizesse a diferença. Esta é uma comunidade muito heterogénea, só para a missa são 23 pessoas. Os cânticos são cantados com piano e viola. Somos muito existenciais, trazemos a vida das pessoas para a celebração", explica o reitor, padre Nuno Santos. Vão criar uma missa semanal, às terças, focada no silêncio e dedicada a um compositor de música clássica - por exemplo, Bach.
Com o confinamento total, decidiram desde a primeira hora começar a "transmitir online, com qualidade". "Contratámos uma empresa da área, com quem criámos uma parceria (site e YouTube), o que também foi uma maneira de a ajudar. Começámos a ter muita participação, 500/600 pessoas em direto e que aumentava para mil, duas mil, com as visualizações. Estivemos assim durante a quaresma de 2020. Quando pudemos regressar à rua, celebrámos nos jardins do seminário, chegámos a ter 400/500 pessoas no verão", explica o padre.
Com a internet galgaram fronteiras. No Pentecostes de 2020, cooperaram com um grupo do Brasil e atingiram as três mil visualizações, alguns fidelizaram-se, como Moreno Veloso, filho do cantor brasileiro Caetano Veloso e que já prometeu visitar o seminário, conta o padre. Muitos migrantes assistentes, seja os que vivem em Portugal, Países Baixos, Alemanha, Inglaterra, Suíça, até no Líbano. Outro grupo é o dos confinados. "Uma coisa que nunca tínhamos pensado são as missas que celebramos por intenção de uma pessoa. A missa é em Coimbra e há familiares a assistir em Lisboa, Porto e no estrangeiro".
Quando foi possível regressar à igreja não o conseguiram. Era muita gente e não havia espaço, devido às medidas de distanciamento. Foram para um salão, o de São Tomás, que leva 100 pessoas, além de retransmitirem para a biblioteca, onde cabem mais 80 . "Aumentámos muito a comunidade, sobretudo quando vamos para a rua. Vamos fazer depois da Páscoa e há quem já tivessesse dito que vai voltar", sublinha o padre Nuno Santos.
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