Água. Dar um passo de gigante em 10 anos

Muito mudou nos últimos anos 30 anos no setor da água em Portugal. Há que reconhecer todo o trabalho feito e, na opinião da Secretária de Estado do Ambiente, dar o próximo passo. Sendo que este é um problema de todos, que não pode "navegar" ao sabor da meteorologia.
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Nos últimos tempos o discurso sobre o circuito da água tem incidido sobre os problemas, nomeadamente sobre as perdas e esquece-se de mencionar o que tem sido feito. "Como se ainda estivéssemos nos anos 90" e, em certos locais, "não corria água pela torneira durante dias a fio", recorda Inês Costa, secretária de Estado do Ambiente, que abriu a sessão "Conferências de Março" promovida pela ERSAR (Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos).

A secretária de Estado lembrou que, só no âmbito do POSEUR - Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos - foram mobilizados 560 milhões de euros de fundos europeus, que foram utilizados para reforçar o abastecimento, diminuir perdas e tratar afluentes e financiaram 940 operações no continente. "Investimentos que permitiram construir e remodelar mais de 3.300 quilómetros de redes drenagem, 317 ETARs, melhorar o serviço de abastecimento e saneamento a mais de 4,6 milhões de portugueses".

Por tudo isto Inês Costa afirma que, em muitos casos, houve saltos quantitativos e qualitativos gigantes e que apenas ficaram um pouco aquém da meta traçada e que era "substancialmente ambiciosa".

Sobre o futuro a secretária de Estado referiu que os investimentos em abastecimento e saneamento passarão de 875 milhões de euros do atual Quadro, para mais de mil milhões de euros no próximo Quadro comunitário de apoio. "Mas teremos 14 vezes mais fundos para apoiar a reutilização de águas residuais, por exemplo, dando um impulso decisivo a estes projetos".

Ainda sobre o futuro Inês Costa afirmou que "temos, de uma vez por todas, de quebrar a sima de o país a duas velocidades". Sendo que não se trata apenas de infraestrutura, mas sim também de organização e capacitação. "Temos de pensar, seriamente, em mecanismos, em equipas, numa task force que vá de encontro a estes temas mais frágeis". E não se trata apenas de uma questão contabilista ou de cobertura de gastos. A abordagem de Inês Costa abarca também cadastro, manutenção, de regulamentos de descarga, de digitalização, de comunicação com o cidadão, entre outras medidas. "Em segundo lugar creio que é preciso converter o plano estratégico macro - que é o PENSAAR - em planos estratégicos do sistema local, sobretudo em baixa", defende Inês Costa, acrescentando que é essencial, cada vez mais, integrar medidas que antecipem o impacto das alterações climáticas e da escassez hídrica.

Entre as várias medidas que já estão a ser levadas a cabo - e que devem ser incrementadas - a secretária de Estado destacou a reutilização da água residual tratada que pode ser utilizada em diferentes contextos. Para Inês Costa esse é um dos principais desafios a curto prazo - para estabilizar as condições pelas quais esta utilização pode ser feita "e é urgente que isso aconteça".

Estes são desafios que atinge a todos. Entidades, governos, cidadãos. "E não nos podemos deixar ao luxo de achar que esta discussão e esta responsabilidades sejam feitas ao sabor da meteorologia", afirmou. "Porque, quando chove tudo suspira de alívio, e, de repente, já não é tão urgente colocar contadores a quem usa água e não paga".

"Ainda tomamos os serviços do Ambiente como algo adquirido, quando deveria ser algo muito mais valorizado", referiu Inês Costa, acrescentado que "ainda aceitamos com demasiada facilidade pressionar estes serviços para lá do razoável, para determinadas opções de atividade económica numa região ou país sejam possíveis". No entanto a secretária de Estado alertou que o resultado final acaba por ser mais falhas, mais perdas, mais falhas em manutenções, mais falhas em equipamentos e desvalorização dos seus recursos humanos.

"Demos um passo de gigante em 30 anos, precisamos de outro passo em 10", foi desta forma que Inês Costa avaliou o passado e o futuro da temática da água em Portugal, acrescentando que "não podemos apenas atirar dinheiro para cima do problema". Os apoios são bem-vindos, "mas, a verdade é que não teremos mais ciclos nestas condições", afirmou, sendo que "nenhum financiamento poderá ignorar o facto que, nos últimos 20 anos, a precipitação em Portugal e Espanha diminuiu cerca de 15%, prevendo-se que diminua entre 10 a 25% até ao final do século".

"Temos pela primeira vez em Portugal a noção, clara, da água que está disponível, ou não, em cada região, em cada bacia e mesmo em cada sub-bacia hidrográfica", referiu

Nuno Lacasta, presidente do conselho Diretivo da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), acrescentando que se segue a fase de negociação de alocações. E lembrou que, recentemente, foi feita, pela primeira vez, a alocação de quantidade de água específica a agricultores para, durante este período dividirem entre eles.

Relembrando os números dados por Inês Costa, o presidente da APA contextualizou que, até ao final do século, Portugal pode passar a receber menos 45% de chuva. "Por isso é absolutamente crucial conseguirmos olhar para a água que consumimos", referiu acrescentando que se é verdade que o esforço feio até agora é épico, no entanto, face aos desafios que temos pela frente não nos podemos demitir de "constatar desde logo, tal como aconteceu na conservação da natureza, que o parente pobre da gestão da água em Portugal são as perdas". E o certo é que "chegou o momento de fazermos investimentos em Portugal".

Já no que concerne à água para reutilização a opinião de Nuno Lacasta é a de que a nossa forma de contabilização - seguindo o regulamento comunitário - significa que contabilizamos apenas água reutilizada aquela que é tratada e depois é diretamente aplicada na limpeza de ruas, de jardins ou na agricultura. Enquanto, refere, noutros países, optam por devolver ao meio a água tratada, sendo depois contabilizada por grosso para feitos de reutilização.

Nuno Lacasta apontou ainda um outro desafio que Portugal terá de enfrentar nos próximos tempos: as lamas das ETARs. "O aumento de produção pecuária, de suiniculturas, nomeadamente, mas não só, na última década foi literalmente exponencial", constatou, acrescentando que as soluções tecnológicas, a par da deslocalização "permitem-nos ter aqui algum lado positivo na gestão de lamas industriais no nosso país". isto nas lamas industriais. Já nas urbanas a principal alteração segundo o presidente da APA tem ocorrido no grupo Águas de Portugal.

Os resíduos são outro problema. Um problema que parece não ter fim. A prova é que, mesmo com o efeito da pandemia, continuamos a depositar demasiados resíduos em aterros: 53%. Sendo que "temos de passar, numa década, para 10%". É, na opinião de Nuno Lacasta, um desafio sem precedentes.

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