Depois da polémica sobre a existência ou não de um Plano de Verão ocorrida em maio de 2024, pouco depois de o Governo em funções ter tomado posse, e que levou ao pedido de demissão do então diretor Executivo do Serviço Nacional de Saúde, Fernando Araújo, este ano a Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS) e a Direção-Geral da Saúde divulgaram no final de março que o Plano de Resposta Sazonal de Saúde - Módulo de Verão estava pronto. O Despacho n.º 4465/2025, de 10 de abril, assinado pela Secretária de Estado da Saúde, Ana Povo, define as orientações para esta época e entrou em vigor a 1 de maio, mantendo-se até 30 de setembro. Mas, quem está no terreno a lidar com a realidade do SNS, como o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH), diz que “não vem trazer nada de muito diferente”. Ou seja, argumenta, “não há nenhuma alteração à organização dos serviços, como equipas-tipo, concentração de urgências, quer sejam de pediatria ou de obstetrícia, nalgumas regiões, ou a criação de urgências metropolitanas no período noturno. E estas medidas, sim, poderiam fazer alguma diferença”. No entanto, ressalva Xavier Barreto, o facto de haver um Plano para o Verão “é positivo”. “É também positivo a ideia de que a Direção Executiva possa saber em cada momento como estão os hospitais a organizar as suas escalas e para onde pensam reencaminhar os seus doentes. Isto vai dar-lhe mais informação para poder gerir a rede de cuidados, mas não é o Plano de Verão que irá impedir o encerramento de urgências, sobretudo no mês de agosto”. .Nove urgências do SNS encerradas no fim de semana . O presidente da APAH admite que “algumas medidas neste plano têm a sua lógica”, mas é peremtório quanto ao seu impacto: “Temos de ser muito claros, a situação das urgências é impossível de resolver a curto prazo. Podemos mitigar os efeitos, podemos atenuar o seu impacto nas populações - se concentrarmos a resposta para que as pessoas tenham sempre uma porta aberta, o que é muito importante -, mas dizer que vamos conseguir manter as urgências todas abertas sem problemas, é mentira. Isso não vai acontecer e não podemos estar a dizer isto às pessoas”.Escalas de serviço devem ser apresentadas à DE com dois meses de antecedênciaDe acordo com o diploma, a partir de agora as Unidades Locais de Saúde (ULS) só poderão encerrar urgências externas com a autorização da DE-SNS. A proposta deve ser feita por cada Conselho de Administração, especificando os motivos e o período de encerramento (temporário ou prolongado) - recorde-se que, no ano passado, houve casos como os do hospital de Viseu, que encerrou a urgência de Pediatria vários meses, e o de Leiria, que fechou a urgência de obstetrícia, durante 19 dias de agosto. Desta proposta deve ainda constar a indicação para onde vão ser reencaminhados os utentes que não poderão ser recebidos na urgência daquela ULS durante determinado período. Esta medida impede que o encerramento decorra apenas de uma decisão hospitalar comunicada ao CODU (Centro de Operações de Doentes Urgentes), como acontecia até agora. .Direção Executiva reúne com hospitais da Margem Sul para resolver fechos das urgências de obstetrícia . Mas não só. O documento define ainda que cada ULS tem de “elaborar, atempadamente, escalas de serviço, afixá-las em local visível para os profissionais de saúde, que garantam a presença de equipas médicas, de enfermagem e de outros profissionais de saúde adequadas às necessidades assistenciais e, sempre que necessário, reavaliá-las e remetê-las à DE-SNS com, pelo menos, dois meses de antecedência”. As ULS têm ainda de comunicar diariamente à DE-SNS a taxa de ocupação de camas e a afluência aos serviços de urgência, bem como a ativação do nível de contingência mais elevado e as medidas de mitigação implementadas. É ainda recomendado neste documento o reforço da articulação entre ULS, Serviços Partilhados do Ministério da Saúde e INEM, para garantir “uma resposta integrada e eficiente às urgências e emergências, bem como a adequação dos tempos de resposta e reforçando os meios de emergência sempre que necessário”.“Se não temos recursos humanos, a decisão lógica é concentrá-los”Para Xavier Barreto, e face à escassez de recursos humanos no SNS, sobretudo de médicos, sendo esta a principal razão para os encerramentos de urgências, “a decisão lógica, se não conseguimos mantê-las todas abertas, é concentrar-se recursos. Ou, pelo menos, definir que encerram de forma rotativa, o que é melhor do que ter três urgências encerradas na mesma altura, algo que tem acontecido com muita frequência, nalgumas regiões”. E alerta: “A situação das urgências é crítica e era isto que deveria estar a ser discutido na campanha eleitoral, não cenários globais, mas medidas concretas para contratar mais profissionais”. De acordo com o Plano de Resposta Sazonal, as ULS tinham um mês para apresentar o seu plano de contingência para o verão. O DN questionou o administrador sobre como estão os hospitais a preparar-se para esta época, e, mais uma vez, Xavier Barreto foi claro: “Os hospitais estão a fazer o que fazem todos os anos para atenuar as falhas nas escalas no período de verão. Estão a rever férias e a tentar desfazer algumas - portanto, aquela ideia de que toda a gente vai de férias ao mesmo tempo nos hospitais, não corresponde exatamente à verdade. Estão a procurar completar as escalas, tentando contratar todos os prestadores de serviço que podem, porque estes também fazem férias em julho e agosto. Estão a procurar calendarizar ou, nalguns casos, interromper a atividade programada, nomeadamente cirúrgica, sobretudo em agosto, para poderem concentrar mais pessoas nos serviços de urgência”. .Comissão propôs criação de Centro Materno Infantil no Garcia de Orta para resolver problemas na Margem Sul . Mesmo assim, destaca, tudo isto “não é suficiente”, até porque outra das soluções, que seria recorrer às horas extraordinárias, “já é mais difícil, porque estas já dependem da boa vontade dos profissionais, que, em muitos casos, já esgotaram o que é permitido por lei”.O administrador considera que explicar tudo isto às populações não é fácil, nem sequer é fácil que elas o entendam, mas volta a reforçar que são precisas “medidas concretas”, dando como exemplo o que foi feito há 40 anos no tempo em que o professor Albino Aroso era secretário de Estado da Saúde, no ministério liderado por Leonor Beleza. “Fecharam-se cerca de 150 maternidades e as pessoas não deixaram de ter resposta, porque o que se fez foi concentrar os blocos de partos num conjunto de maternidades com mais condições”. Só que, nessa altura, “houve um governo que assumiu esta reforma como um desígnio nacional e não teve problemas em assumir os encerramentos, porque era o melhor para a população. Portanto, na minha opinião não podemos continuar na situação em que estamos. Temos de encontrar soluções, nem que seja a concentração de recursos e de urgências”.O DN questionou a DE-SNS sobre o que de diferente trazia este plano, se refletia alguma alteração na realidade dos recursos humanos e o impacto esperado, mas não obteve qualquer resposta. .Urgências só podem fechar com aval da Direção Executiva do SNS a partir deste sábado