Abusos. Igreja reage com um memorial e uma "mão cheia de compromissos"
A Jornada Mundial da Juventude vai ser um dos momentos em que a Igreja promete pedir perdão às vítimas de abusos sexuais, através de um memorial e de um espaço de reflexão na "Praça do perdão". Quanto à lista dos nomes de abusadores entregues pela Comissão Independente, José Ornelas afirmou serem apenas nomes, "alguns que já faleceram" e que é preciso investigar. Fica "uma mão cheia de compromissos".
A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) reagiu ontem ao relatório da Comissão Independente (CI) para o Estudo dos Abusos Sexuais a Crianças na Igreja Católica Portuguesa, no final de uma assembleia plenária extraordinária. Terminou com uma conferência de imprensa, com o presidente da CEP, José Ornelas, que respondeu às perguntas, o vice-presidente, Virgílio Antunes, e o secretário-geral, Manuel Barbosa
A decisão mais esperada era saber o que é que os bispos vão fazer com a lista dos nomes dos abusadores entregue pela CI. José Ornelas esclareceu pouco, escudando-se nas dificuldades em avaliar os casos de abusos sexuais a crianças.
"As listas de nomes foram reencaminhadas a cada diocese, que são as entidades responsáveis pela investigação de possíveis casos. É uma lista de nomes sem outra caracterização, alguns que já faleceram. Essa investigação exige redobrados esforços", justificou.
Negou a hipótese de um afastamento preventivo dos mesmos, também em relação aos bispos que poderão ter ocultado casos nas suas dioceses. "Seguimos as normas do direito civil e canónico, agiremos se houver perigosidade, nunca se definiu que esta era uma comissão de investigação mas de estudo. Para uma eventual causa penal, são precisos outros elementos. A própria Procuradoria-Geral da República disse que os casos darão lugar a poucos processos", explicou o presidente da CEP.
José Ornelas acabou por admitir que os bispos já conheciam alguns dos nomes quando confrontados com o facto de essa informação lhes ter sido transmitida pelo Grupo de Investigação Histórica ao analisar os arquivos das dioceses. Mas reafirmou que a investigação é da responsabilidade das Comissões Diocesanas, mesmo quando confrontado com a pouca eficácia destas estruturas em três anos.
Questionado sobre se o relatório da CI tinha como consequência uma "mão-cheia de nada", José Ornelas contrariou: "É uma mão cheia de compromissos, vimos uma série de direções onde é preciso trabalhar para evitar novos abusos". Promete criar um grupo de pessoas externas à hierarquia religiosa para acompanhar os abusos sexuais na Igreja. "A comissão terá caráter de independência, mas em coordenação com as comissões diocesanas", disse José Ornelas.
Em abril, no decorrer da próxima assembleia plenária, que terá lugar em Fátima, será realizada uma cerimónia de pedido de perdão às vítimas. E o memorial em sua homenagem poderá ser do arquiteto Siza Vieira, informou o presidente da CEP. Garante "o devido acompanhamento espiritual, psicológico e psiquiátrico", excluindo, para já, o pagamento de indemnizações.
Os bispos afirmam que as conclusões e sugestões da CI serão tidas em conta. "Entre outras resoluções, procederemos à revisão das Diretrizes da Conferência Episcopal e dos planos de formação dos seminários e de outras instituições, bem como a conveniente preparação de todos os agentes pastorais"
Os membros da CI, que reuniram durante a manhã com a CEP a pedido desta, explicaram as recomendações entregues no relatório final, a 10 de janeiro. Momento em que forneceram a lista dos membros pedófilos no ativo.
Recomendam a suspensão dos padres abusadores, não bastando a transferência de paróquia ou o afastamento durante uns tempos. "Obviamente, demitia-os", defendeu publicamente o coordenador da Comissão, o pedopsiquiatra Pedro Strecht.
A CI sublinha que as 512 pessoas que testemunharam apontam para outras 4300 vítimas. E, "se pensarmos que o abusos aconteciam, na esmagadora maioria dos casos, muito mais que uma vez sobre a mesma criança, levam-nos a muitos milhares de abusos praticados". A Comissão frisa, também, que, se estes abusos prescrevem até a vítima fazer 25 anos, já o direito canónico não tem prazos para atuação.
Uma das constatações da CI foi a existência de uma maior prevalência dos abusos em estruturas fechadas. Pouco permeáveis "ao exterior, hierarquicamente assente em desigualdades de poder, estatuto e papel". Assim, defende a transformação profunda "do funcionamento institucional de algumas estruturas religiosas" que entendem de alto risco, com destaque para seminários, instituições de acolhimento de crianças em perigo e confessionários. Ou seja, que se reduzam com estes espaços.
Um conjunto de católicos enviaram na quarta-feira uma carta aos bispos portugueses a exigir mudanças a curto e a médio prazo.
Defendem que os bispos encobridores sejam retirados de funções. E que os abusadores no ativo sejam suspensos "com caráter preventivo sempre que haja indícios minimamente credíveis sobre abusos e, quando considerados culpados à luz da moral cristã, independentemente de eventual processo judicial, sejam dispensados de funções e, no caso de clérigos, passar ao estado laical". Medidas que deverão ser tomadas no prazo de dois meses. "Queremos uma Igreja onde todas se possam abrigar e acolher", concluem os signatários da Carta. Católicos a título individual mas também movimentos como "Nós Somos Grame Portugal", GRAAL e Comunidade da Capela do Rato.
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