A tecnologia que pode levar surdos aos festivais de música

A tecnologia que pode levar surdos aos festivais de música

A experiência decorreu na noite de sexta-feira, durante o concerto da cantora Dua Lipa no festival NOS Alive. Com coletes sensoriais oito surdos sentiram a performance com a ajuda da tecnologia 5G.
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A dançar ao ritmo acertado da música e com sorrisos cúmplices enquanto espreitavam o ecrã do telemóvel.

Quem observasse não faria ideia que entre a multidão que encheu o recinto do Passeio Marítimo de Algés para assistir ao concerto de Dua Lipa, na sexta-feira, estavam oito surdos. Talvez quem prestasse mais atenção notasse que todos traziam vestidos uns coletes pretos. Foi precisamente esse equipamento tecnológico, aliada à rede 5G, que permitiu aos oito jovens surdos sentirem as vibrações da música enquanto no smartphone viam a tradução das letras das músicas em linguagem gestual, numa experiência imersiva. 

No final do concerto falámos - com a ajuda de intérprete em língua gestual - com Mariana Bartolo, 30 anos, médica, e Sebastião Palha, psicólogo, 33 anos. 

“Sentimos de facto uma imersão em todo este ambiente, todo o espírito que aqui estava, as luzes e a parte visual, porque na verdade a música não é só o ouvir, não é só o som. São as luzes, são as cores, são as vibrações econseguiu-se esta imersão de uma outra forma para sentir a música. E isso foi muito positivo ”, explicou ao DN Mariana Bartolo, minutos após a atuação de Dua Lipa, com quem tinha estado durante a tarde, com os restantes participantes da experiência, para apresentar o projeto criado pela NOS em parceria com a empresa Access Lab.

Sebastião Palha e Mariana Bartólo.

Dua Lipa, a cantora inglesa de ascendência albanesa teve conhecimento do projeto e horas antes do seu concerto no Alive conheceu os oitos jovens que horas mais tarde usaram os coletes sensoriais. 

Sebastião  ilucidou melhor a experiência com o colete “sentimos um ritmo mais claro, mais limpo, mais nítido. E isso leva-nos a perceber melhor a música”.

Por sua vez, Mariana explicou que sem o colete - com o peso de 1,5 kg - é possível à maioria dos surdos sentirem as vibrações através do chão e do ar, "mas com o equipamento a vibração é sentida em todo o corpo todo o corpo e conseguimos dançar e seguir o ritmo da música exatamente porque sentimos em todo o corpo”.

A NOS criou uma app específica para os participantes seguirem o concerto com tradução das letras para linguagem gestual portuguesa.

“Tecnologia ao serviço das pessoas”

Como já referido, a iniciativa foi pensada pela NOS, a empresa de telecomunicações e principal patrocinadora do festival Alive. Margarida Nápoles, diretora de comunicação corporativa e responsabilidade social da empresa, explicou ao DN que o propósito  foi sempre “ser um ponto de ligação para que a tecnologia, em primeira instância, sirva as pessoas. Esse deve ser sempre o principal motivo para se investir em tecnologia e para a mesma ser disponibilizada. E, principalmente, tecnologias disruptivas como é o 5G, que deve também servir problemas reais, casos que precisem de uma solução que possa vir a melhorar a vida de alguém ou o dia-a-dia de alguém.”

Recorde-se que no edição do mesmo festival no ano passado (2023) a empresa de telecomunicações permitiu que um doente com Esclerose Lateral Amiotrófica pudesse "estar" no evento sem sair de casa através da utilização de óculos de realidade aumentada que recebia imagens em tempo real emitidas por uma mochila que a fisioterapeuta do doente carregou pelo recinto, transmitindo o concerto dos Queen of Stone Age - e que proporcionou ao doente José Macedo falar em direto com a sua banda preferida. 

Este ano, a NOS aliou a tecnologia já existente dos coletes - mas que só tinham funcionado com fios - à rede 5G. E contou com a ajuda da AcessLab, uma empresa que trabalha na inclusão de pessoas com deficiência em áreas como o entretenimento. A porta voz da empresa, Catarina Oliveira, explicou ao DN que as oito pessoas escolhidas têm várias tipologias de deficiência auditiva, para uma maior abrangência da experiência junto da comunidade de surdos. 

Quanto ao futuro destes tipos de projeto, Margarida Nápoles salvaguardou que apesar de não caber à NOS a responsabilidade de resolver todos os problemas de acessibilidade, acredita que são estes projetos que abrem portas e perspetivas para um futuro mais inclusivo no entretenimento. “O nosso papel também é esse, o de mostar caminho, é dizer que é possível fazer". 

Pela Access Lab, Catarina Oliveira acredita que são este tipo de iniciativas que criam “uma espécie de bola de neve que leva a um maior conhecimento da existência destas oportunidades. Era bom que este tipo de recursos e projetos pudessem ser massificados para mais pessoas da comunidade surda pudessem participar em festivais de música”.

Uma forma diferente de sentir a música

Ainda com colete vestido, Mariana Bartólo acrescentou que é importante dar a conhecer que “a comunidade surda tem uma cultura própria e muitas vezes não se conecta à música como as pessoas que ouvem. Ou seja, nós temos a nossa própria maneira de sentir o ritmo, através da língua gestual portuguesa, por exemplo. Há uma imersão na música que se consegue tal como as pessoas ouvintes, mas de uma forma diferente: através das luzes, através dos coletes sensoriais, através da introdução em língua gestual portuguesa, através dos textos. E isso é acessibilidade". A jovem médica acrescentou que é  também necessário educar a comunidade surda para a possibilidade de desfrutar um concerto dessa forma, uma realidade é que muitos  não conhecem”

Sebastião, que tem capacidade de ouvir um pouco e já tinha estado em alguns festivais de música, concorda, “sinto que algumas pessoas surdas gostavam de participar mais neste tipo de eventos, e apesar de começarem a existir maior acessibilidade, são necessárias adaptações,  nossa experiência nunca vai ser igual à das pessoas ouvintes.” 

Uma noite que os oito participantes não vão esquecer, sobretudo quando Dua Lipa  a meio do seu concerto no Passeio Marítimo de Algés fez referência ao projeto e em linguagem gestual mandou uma mensagem ao grupo: “Eu vejo-vos.Eu amo-vos”.  Uma experiência sensorial e emotiva.

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