"A presença africana é a mais importante que temos"

Foram escravos, livres e heróis, tourearam e organizaram festas. Visitas guiadas vão mostrar a presença africana em Lisboa
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No plano da frente de Chafariz d"El-Rey , pintura flamenga e anónima do século XVI (em cima), vê-se um africano montado a cavalo, portando o hábito da Ordem de Santiago. No baile, um homem negro dança com uma mulher branca. Ele está calçado, ela descalça. A escravatura só seria abolida dois séculos depois.

O quadro que retrata o chafariz de Alfama, pertencente à Coleção Berardo, integrou a exposição Revealing the African Presence in Renaissance Europe no Museu de Arte da universidade americana de Princeton em 2013. "Acho que não era extraordinário. Nós temos a ideia de que os africanos eram todos escravos, mas havia muitos libertos. Alguns compravam, outros eram os senhores que lhes davam as cartas de alforria", afirma Isabel Castro Henriques acerca da possível estranheza do quadro para a época.

Investigadora principal do projeto A Rota do Escravo - História e Memória de África, do Centro de Estudos sobre África, Ásia e América Latina, que integrou o comité português do projeto da UNESCO A Rota do Escravo, a professora conduzirá visitas guiadas por Lisboa, numa parceria entre a Associação Batoto Yetu e a Câmara Municipal de Lisboa, contando a história da presença africana em Lisboa. Ainda sem data prevista de começo, as visitas passarão por sítios como a estátua do Dr. Sousa Martins, no Campo Mártires da Pátria. "Mestiço, foi uma figura muito importante, não só na época, pela maneira como era considerado quase sobrenatural, mas depois pela persistência do culto que ainda hoje lhe é prestado. Quando morreu, o rei D. Carlos disse: "Apagou-se a mais brilhante luz do meu reinado." Era um português de origem africana."

Ali perto, entre a Graça e o Campo Mártires da Pátria, "havia uma praça de touros onde os africanos gostavam muito de tourear". "A Igreja da Graça tem um altar com a Nossa Senhora do Rosário e quatro santos negros: Santa Efigénia, São Elesbão, São Benedito e Santo António de Noto."

O percurso percorre uma boa parte de Lisboa. Do Terreiro do Paço, onde desembarcavam os escravos, à Rua das Pretas, onde mulheres negras geriam casas que alojavam forasteiros, ou à Igreja de São Domingos, no Rossio, onde, então convento, "foi criada a confraria de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, em finais do século XV, princípio do século XVI".

Os episódios e costumes ao longo da história são vários. "No século XIX havia festas organizadas normalmente pelas princesas do Congo, que tinham casa em Lisboa. Viviam ali na zona da Bela Vista, da Lapa, que era o bairro do Mocambo. Havia danças africanas e danças europeias. No menu, as comidas misturavam-se", conta a investigadora. "A presença africana é a mais importante que temos em Portugal, em termos numéricos e de perenidade, constância. Ficou sempre, marcando a sociedade."

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