"Desde o início da computação até ao advento das redes neuronais e da aprendizagem automática, a procura incessante para replicar em máquinas uma inteligência semelhante à humana tem constituído um desiderato dos cientistas e testemunha a capacidade do engenho humano. Este caminho preenche o abismo entre o natural e o sintético, remodelando a nossa compreensão da cognição, da resolução de problemas e da própria essência do que significa ser inteligente”. As palavras atrás citadas sintetizam uma das reflexões a que se propõe o ciclo de conferências promovido pela Academia das Ciências de Lisboa, “Da Inteligência Humana à Inteligência Artificial (IA)”. A iniciativa, em cinco momentos, a terminar a 28 de fevereiro próximo, propõe-se debater o caminho “marcado pela curiosidade, inovação científica e tecnológica que se apresenta com possibilidades ilimitadas”..O encontro, no âmbito do Instituto de Altos Estudos da já citada Academia, conta com a coordenação da bióloga Maria Salomé Pais, do médico anatomopatologista Jorge Soares e de Alexandre Castro Caldas, diretor do Instituto de Ciências de Saúde da Universidade Católica Portuguesa. É com a apresentação deste último académico que decorre a sessão inaugural do ciclo de conferências. Ao encontro online e de acesso livre, esta quarta 31 de janeiro (18h00), Alexandre Castro Caldas leva o tema “Neuropsicologia e Inteligência”..Sobre os porquês dos temas que vão a debate, diz-nos o investigador: “Há múltiplas definições de inteligência, ao longo dos anos, que revelam ligação a diferentes conceitos da função mental. Pode mesmo dizer-se: ‘afinal de que é que estamos a falar quando nos referimos a inteligência?’ O meu empenho nesta conferência prende-se com a criação da oportunidade de refletir sobre esses conceitos e fazer a ponte entre o que faz parte da natureza dos seres vivos e os instrumentos que eles são capazes de criar. A inteligência de que os humanos dispõem é aquela que o seu limite biológico permite, sendo, por isso, uma parcela que está longe de abarcar aquilo que posso designar por inteligência universal ou, melhor ainda, vital. A chamada Inteligência Artificial é uma cópia dessa parcela, desprovida de motor vital, mas constituindo um instrumento tão importante para a vida humana como foi a roda ou a máquina a vapor no passado”..Ainda no que respeita à natureza da inteligência humana, o debate não é consensual. Alexandre Castro Caldas refere que “aquilo que considero inteligência humana é a obra do acaso. O meu ponto de partida para definir inteligência é a capacidade que os seres vivos têm de se redescobrir e reconfigurar após as catástrofes e de desenvolver a vida no planeta adaptando-se. Os humanos são um acontecimento furtuito na sequência da última catástrofe planetária que extinguiu os dinossauros, claramente uma espécie de convívio difícil com humanos. O desenvolvimento e a adaptação das espécies sobreviventes, conduziu ao aparecimento dos humanos que se consideram mais inteligentes que os outros seres vivos”, adianta Alexandre Castro Caldas, para acrescentar: “a diferença não está na inteligência, mas sim na consciência. Os simples atos motores ou a capacidade de recolha de informação sensorial, são reflexo de uma notável inteligência inconsciente, própria de múltiplos seres vivos animais e plantas. O que aconteceu na espécie humana foi compreender que isso existia e criar métodos para o seu estudo e explicitação. A linguagem como função maior da espécie é o melhor exemplo disso, pelo recurso à simbolização e uso da metáfora”..Face à multiplicidade de definições para inteligência, como é disso exemplo a inteligência naturalista, a inteligência existencial ou a inteligência emocional, o investigador em neurociências considera que “a adjetivação do conceito de inteligência não me parece apropriado, embora seja neste momento aceite em grande parte da literatura. A ideia das inteligências múltiplas nasceu de um esforço de definição de inteligência, tentando encontrar todos os elementos cognitivos que a constituíam para falar de um conceito global, sobretudo com interesse no domínio da psicometria. O caminho é errado porque esses elementos cognitivos são os instrumentos processuais onde a inteligência atua e através dos quais se manifesta”..Na origem, o termo IA não gerou consenso. Sobre esta questão, o antigo presidente da International Neuropsychological Society, cargo que exerceu em 2000-2001, formula que “um dos 12 membros da célebre conferência de Darthmouth em 1956 [considerado o encontro fundador da inteligência artificial enquanto campo científico], o matemático Trenchard More, afirmou, mais tarde, que o termo não era correto porque não se tratava de inteligência nem era artificial. Julgo que as iniciais IA se podem manter, mas para corresponderem a Instrumento Auxiliar”..‘Pegando’ no termo “instrumento”, é palavra corrente escutarmos que a IA cria instrumentos que tornam a vida mais simples. Que alcance têm estas palavras quando nos referimos à neuropsicologia? Para Alexandre Castro Caldas a “IA tem ajudado muito, sobretudo ao criar métodos de estudo da função cerebral e na construção da interface mente/máquina. Um tema que aprofundarei na conferência”. Por seu turno, olhando para a Neuropsicologia como um campo que “tem por objetivo compreender o suporte biológico das funções mentais, quanto mais detalhada for a compreensão dessas funções, melhores serão os algoritmos a utilizar nestes instrumentos”, afirma o autor de livros como A Herança de Franz Joseph Gall e Viagem ao Cérebro. “A era de uma útil interface mente/máquina já começou e, por isso, são duas áreas que não podem deixar de interagir”, conclui..Acesso à conferência: Link: https://videoconf-colibri.zoom.us/j/91493372463ID Reunião: 91493372463