"A floresta tem de ser uma fonte de emprego"

José Pais, engenheiro florestal, defende uma nova organização para a floresta
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O atual administrador da Prazilândia - empresa municipal que gere a Praia das Rocas, em Castanheira de Pera, ainda acredita que é possível tornar aquele território atraente depois da catástrofe. Engenheiro florestal de formação, sentiu de novo o apelo da vocação por estes dias, quando se viu obrigado a fechar o complexo da Praia das Rocas, na sequência do incêndio que, em junho, começou em Pedrógão Grande e alastrou pelos concelhos vizinhos.

José Pais chegou àquele território há 27 anos, para uma vaga de engenheiro florestal na Câmara de Figueiró dos Vinhos. Natural de Anadia, trazia ainda fresca a experiência do projeto-piloto em que participou, no pós-incêndio de Águeda, há 30 anos. Mal sonhava que haveria de testemunhar outro drama similar. "Vim trabalhar para a primeira fase dos Planos Diretores Municipais. Era preciso um engenheiro florestal... e já na altura não se fizeram coisas de que agora se anda a falar". Por exemplo? "As faixas de contenção a aglomerados. Já na altura chamei a atenção para isso. Mas havia técnicos a achar que eu era muito novo, e pouco valorizavam. Agora falamos em culpados. Somos todos, se calhar. A organização da floresta não tem existido, fizemos erros atrás de erros. Quando tirei o curso estava cheio de esperança, vinha aí o primeiro quadro comunitário de apoio, havia uma dinâmica e projetos para fazer tudo melhor e diferente. Mas muitos nunca se concretizaram", reconhece José Pais. O engenheiro - que tem participado num grupo de trabalho organizado depois do incêndio de junho - defende a reflorestação até às entranhas. Acredita mesmo que a floresta pode ser uma boa ideia para o país, "se a tornarmos uma fonte de emprego". "A solução de uma espécie única é sempre errada, seja ela qual for, quanto mais quando se trata de eucalipto. Também é errado colocar a questão na dicotomia conservação ou produção. A solução passa pela conservação, com prevenção e produção. Ainda estamos a tempo de fazer as coisas bem. Assumir responsabilidades. E este é o momento de sermos altamente responsáveis, ou vamos deixar que tudo descambe de novo e a situação se repita daqui por uns anos". Passou um mês, José Pais começa a ver reuniões e grupos e comissões, e esforça-se por continuar a acreditar. E que solução propõe, afinal? "O cadastro, primeiro que tudo. Sempre que falamos de prédio e propriedade, de um terreno, temos de falar do cadastro. A unidade de trabalho base tem de ser o ecossistema, a aldeia, as vias de comunicação. Só assim conseguimos defender as aldeias, as comunicações, ter linhas corta-fogo naturais. E a floresta deve ser trabalhada nas tais três linhas: conservação, prevenção e produção. É errado pedirmos uma coisa só. Nenhuma loja abre para ter só um único produto. Se fizermos isso bem, vamos atrair pessoas. Vamos criar emprego e fortalecer a economia. Habitar esta zona, fixar população. Podemos de algum modo tornar este território mais atraente a partir desta catástrofe. De uma maneira ou de outra as pessoas vão recuperar os seus negócios, mas a questão fundamental mantém-se: haverá cada vez menos pessoas, menos emprego, cada vez será um território mais frágil e de mais risco". E por isso José Pais não tem dúvidas de que "a floresta tem de ser uma fonte de emprego. Faltam-nos sapadores florestais, mas também outras equipas. E há candidatos para isso, jovens ainda. Vamos criar equipas no terreno!" - desafia. Está convicto de que o país tem pela frente uma janela de oportunidades no que diz respeito à floresta, mas ver o tempo a passar e o terreno sem tomar forma...desgosta-lhe. De resto, muitas vezes conclui que a engenharia florestal "quase não se pratica em Portugal", razão pela qual está pouco envolvida "nas unidades de missão e nos projetos". A partir de Castanheira de Pera observa um país "que está melhor, depois da passagem da troika. Em termos anímicos estamos melhor, e isso é meio caminho andado para melhorarmos a todos os níveis".O engenheiro é um defensor da Europa, mas sobretudo da solidariedade entre povos. "Temos de abrir as portas aos outros (aos refugiados, por exemplo) para nunca nos fecharem as portas a nós".

Nas eleições autárquicas de há quatro anos, José Pais chegou a ser eleito vereador, mas não foi a mais do que três reuniões do executivo. Aceitou o convite para administrar a Prazilândia, empresa municipal que gere o complexo da Praia das Rocas. Fechou uma semana, durante o incêndio (até porque a vila chegou a estar cercada), mas tem vindo a recuperar os visitantes durante o verão. "A Praia é um polo importante para o desenvolvimento económico e para componente turística, um ponto de referência destes concelhos mais atingidos. Se calhar uma das melhores formas de contribuir para este território é as pessoas virem cá. A Praia fez agora 12 anos, chega a empregar mais de 70 pessoas no pico do verão. "É um trabalho sazonal muito importante para muitas famílias. Um jovem que está a estudar, por exemplo, faz aqui dois meses que são uma ajuda grande para custear despesas", sublinha José Pais.

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