A Democracia vista por uma jovem escritora luso-albanesa
Houvesse ainda DN Jovem (que revelou toda uma geração de escritores e jornalistas, entre os quais Pedro Mexia e José Luís Peixoto) e decerto Açucena Alijaj estaria entre as suas mais destacadas participantes. Nascida em Portugal, filha de mãe portuguesa e pai albanês do Kosovo, a jovem estudante do 11.º ano na área de Artes (completou 17 anos na véspera da nossa conversa via Zoom), acaba de vencer uma das categorias do prémio de Escrita Criativa READon Portugal (Escalão B, 16/19 anos, em língua estrangeira) que tinha como tema Eu, cidadão em Democracia. Aí, reflete sobre a importância de zelar pelos valores democráticos, ao mesmo tempo que presta homenagem à geração que a precede: “Quando estou prestes a alcançar a idade adulta, navegando no limite dos meus 16 anos, quase 17, não consigo deixar de sentir o peso da História a pressionar os meus ombros. Uma História moldada pelas lutas e sacrifícios daqueles que vieram antes de mim, incluindo o meu próprio pai, um albanês do Kosovo que testemunhou a tirania da Sérvia e lutou incansavelmente pela liberdade.”
Mas a leitura e a escrita, quer de prosa, quer de poesia, sempre fizeram parte da vida de Açucena, que a si mesma se descreve assim, neste poema, publicado numa coletânea de poesia por si organizada a convite da professora de Português: “Solarenga, de olhos azuis, rosto delicado,/ Ágil de membros, de boa altura,/ Honesta de face, igual de figura,/ Nariz mediano, de traço delgado;/ Ávida por acalmar as multidões,/ Mais dada ao descanso do que à vida dura,/ Sorvendo de áureas taças sumos com doçura,/ Evitando fúteis e agrestes discussões;/ Leitora insana de mil livros/ (Digo, de livros mil) que num momento/ A fazem esquecer os tempos idos/ Eis Açucena, com muito brio e alento;/ Saíram dela mesmo estes reparos,/ Num domingo em que se sentiu estar com talento.”
Pedro Correia/Global Imagens
Em conversa com o DN, esta leitora de mil livros, e mais do que provável futura autora de uns tantos, admite que lê desde que se conhece e que tal hábito acaba por ser o motor da escrita: “Penso que li sempre livros que eram para pessoas mais crescidas. Aos 7 anos, lia os Irmãos Grimm. Mas só assim me foi possível adquirir mais vocabulário.”
Hoje, lê tanto em Português como em Inglês, e diz gostar muito de Manga (que conjuga os seus gostos pela Literatura e pelas Artes, “duas formas complementares de construir uma narrativa”, como diz). Neste caso, prefere os livros de Tatsuki Fujimoto.
Qualquer que seja o género literário, Açucena prefere sempre “histórias construídas em torno de personagens fortes.”
Na escrita, há muito que responde ao desafio colocado por concursos literários. No ano passado, já ganhara o 1.º Prémio na modalidade de Escrita (Escalão C - Secundária), nas Olimpíadas da Cultura Clássica 2022/23, fruto da parceria entre a Rede de Bibliotecas Escolares, o Ministério da Educação e a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. O seu trabalho, com que venceu, foi um poema intitulado Game on, Sísifo.
Em 2020/21, desafiada pela sua professora de Português, Bárbara Tavares, Açucena organizou uma compilação de poemas portugueses incluídos no Plano Nacional de Leitura, a que juntou o seu autorretrato citado acima. No prefácio, escreve a também professora Elisabete Bárbara: “Se é evidente a qualidade literária dos poemas esco- lhidos pela Açucena, é também evidente a sua capacidade para os reconhecer como tal; o seu olhar sabe o que procura e, por isso, sabe quando encontra. Poderia, dada a sua jovem idade, ficar-se pelos poemas mais bucólicos ou mais sentimentais, afinal o amor é da sua idade, mas a Açucena interessam também a crítica social e a reflexão existencial, conseguindo inclusive encontrar-se e reconhecer-se no que lê, concedendo à literatura o seu papel fundamental no autoconhecimento e no conhecimento da natureza humana.”
Contando com total apoio dos pais (o que eu própria já constatara numa conversa prévia com o pai, Fatmir Alijaj), Açucena parece encarar o futuro com serenidade. Quando lhe pergunto se quer ser escritora, responde que não é uma ideia que persiga como meta: “Se acontecer, muito bem. Mas não quero forçar uma carreira.”