É "o busílis" da revolta dos professores, o "grande problema" e aquele que esteve na base das greves, manifestações e protestos ao longo de todo o ano letivo. O tempo de serviço congelado, de mais de seis anos, volta a estar na ordem do dia e dá esta terça-feira (6) origem a uma nova greve, com perspetivas de uma grande adesão, segundo Filinto Lima, presidente da direção da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP). "É o maior problema, o busílis disto tudo. Na Madeira, por exemplo, os professores já estão a recuperar o tempo congelado. Recuperarão a totalidade até 2025. No continente não é assim e os docentes sentem a injustiça", explica o responsável. Filinto Lima acredita numa grande adesão à greve, mas não prevê o término do braço de ferro entre professores e Ministério da Educação (ME). "Enquanto há vida, há esperança, mas neste momento é uma guerra total e não há condições para negociar. Talvez mais adiante", lamenta..O diretor da ANDAEP sublinha tratar-se de uma luta que "precisa de um sinal por parte do Ministério das Finanças", a quem cabe "o poder de resolver a questão do financiamento". "Deveria ter estado presente nas reuniões entre sindicatos e ME", afirma..Recordemos então que está em causa e o aquilo que, sem acordo entre os professores e a Tutela, pode esperar para o que resta deste ano letivo..A progressão nas carreiras da função pública não é igual para todos os trabalhadores. Nas carreiras gerais, a progressão é feita por pontos (1 ponto por cada ano), sendo possível subir automaticamente de escalão a cada 10 pontos acumulados. Já nas carreiras especiais (professores, militares, polícias, magistrados, médicos e enfermeiros) é contado o tempo de serviço para progredir, mas há outras exigências, como a avaliação de desempenho e um número mínimo de horas de formação (para os docentes). Contudo, subir para os 5.º e 7.º escalões depende de vaga. As vagas variam, mas rondam os 10 por cento para a nota Excelente e os 25 por cento para o Muito Bom. Cada um dos 10 escalões da carreira docente tem uma permanência obrigatória mínima de 4 anos, exceto o 5.º escalão (2 anos). O tempo de serviço é, assim, essencial para "subir a escada" e conseguir melhorias no vencimento. O congelamento significa o impedimento dessa subida no tempo em que vigora e deixa os trabalhadores parados na carreira..O tempo de serviço é apenas uma das exigências para a subida de escalão na carreira docente. Há outras obrigatoriedades, como ter, na última avaliação de desempenho, uma menção qualitativa não inferior a Bom. Os docentes têm ainda de frequentar formações contínuas e, para progredir para o 3.º e 5.º escalões, devem ter observação de aulas. Depois, estão também dependentes da abertura de vagas para passar ao 5.º e 7.º escalões. No melhor dos cenários, os docentes precisam de 34 anos para chegar ao 10.º escalão..A carreira docente registou dois períodos de congelamento, entre 2005 e 2007 e entre 2011 e 2017, contabilizando nove anos, quatro meses e dois dias. O Ministério da Educação (ME) devolveu, em 2018, uma pequena parte do tempo de serviço prestado, num total de dois anos e nove meses. Faltam recuperar 6 anos, 6 meses e 23 dias de serviço. Sindicatos e ME realizaram várias rondas de negociação, sem chegar a acordo. Os sindicatos pediram a recuperação integral, o ME avançou com medidas que permitem acelerar a progressão na carreira apenas para os professores que trabalharam durante os dois períodos de congelamento, entre 2005 e 2017. O diploma, aprovado em maio, isentou de vagas de acesso aos 5.º e 7.º escalões os professores que ficaram a aguardar vaga nos 4.º e no 6.º escalões a partir do ano de descongelamento (2018). Os sindicatos responderam com o anúncio de greves e prometeram continuar os protestos até ao final do ano letivo, incluindo as avaliações finais..O Governo alega ser impossível devolver o tempo de serviço congelado aos professores, por questões orçamentais, argumentando que teria de o fazer para todas as carreiras da função pública, também prejudicadas pelos congelamentos. Contudo, existe uma diferença entre as chamadas carreiras gerais e a dos docentes. Para esses funcionários, foram recuperados todos os pontos de avaliação (um por ano). Ou seja, quem recebeu 7 pontos durante os anos de congelamento, recuperou-os na totalidade..A tutela defende-se dizendo serem necessários 10 pontos para subir de escalão na carreira geral, o que significa uma recuperação de 70 por cento do tempo de serviço congelado. Ora, uma percentagem significativamente superior àquela que foi devolvida aos docentes. A título de exemplo, a regra dos 70 por cento aplicada ao congelamento total inicial, de mais de 9 anos, dos professores, equivaleria a mais de 6 anos de recuperação, permitindo, pelo menos, a subida de um escalão. Desses, o Governo devolveu apenas dois anos e nove meses..Paulo Guinote, professor de História do 2.º ciclo, 55 anos, foi um dos milhares de professores afetado pelo congelamento do tempo de serviço. Podia ter chegado ao topo da carreira (10.º escalão), em 2022, mas encontra-se atualmente no 8.º, com a correspondente perda de vencimento (menos 666,47 euros brutos). "Foi tempo no qual fiz descontos e não foi contabilizado. Há pessoas mais novas que eu que escaparam a alguns desses congelamentos e estão no escalão certo. Podia estar no 10.º e só chegarei ao 9.º escalão em 2025", explica..Há professores, sublinha, que se aposentaram sem ver reposto o tempo de serviço, sendo "altamente prejudicados no valor da aposentação a receber". E a situação deste docente "poderia ter sido pior" se não tivesse beneficiado de uma bonificação por ter concluído um mestrado, contanto para subida de escalão. "Um colega que há 10 anos se aposentou com 60 anos, no 9.º escalão, recebeu na altura mais 400 a 500 euros líquidos. Se eu me reformasse neste momento não ganharia mil euros. Ele conseguiu ficar a ganhar 1600 euros líquidos, mais 30 a 40 por cento do que eu sairei em iguais condições. Muitas saíram nessa altura com valores que nós não conseguiremos obter"..Paulo Guinote refere ainda que a maior parte dos seus colegas que se aposentaram nos últimos anos "não conseguiram chegar ao topo da carreira". "Esta é uma das questões que leva as pessoas a protestar, não tanto pelo salário atual, mas pelo que vai implicar na reforma", conclui. Muitos docentes estão a adiar a aposentação para conseguir recuperar parte do tempo de serviço congelado e obter uma reforma mais "confortável"..Embora o tempo de serviço já tenha estado na origem de greves nos últimos anos, os protestos dos professores avolumaram-se desde dezembro de 2022, com a mudança no regime de concursos a servir de "gota de água". Multiplicaram-se greves, manifestações e protestos. O ME respondeu com serviços mínimos. A paralisação de hoje não tem serviços mínimos, mas não é a última deste ano letivo, que termina como começou, com "guerra aberta". As plataformas sindicais entregaram pré-avisos de greve referentes às avaliações finais para o período compreendido entre 5 e 9 de junho, com serviços mínimos decretados apenas para realização das reuniões de avaliação do 12.º ano..A greve já iniciada às provas de aferição prolonga-se até ao dia 30 e não está sujeita a serviços mínimos. A atividade letiva dos 9.º, 11.º e 12.º anos termina amanhã, 7 de junho. A dos restantes anos, dia 14..dnot@dn.pt