661 mil imigrantes, mais 71 mil do que antes da pandemia
O número de imigrantes no país continua a aumentar. O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) registava 661 600 estrangeiros no final de 2020, mais 71 252 do que em 2019. As pessoas já viviam e trabalhavam em Portugal e só no ano passado obtiveram a autorização de residência, mas continuam a entrar trabalhadores de outras paragens, dizem os técnicos. Constituem a mão-de-obra das grandes explorações agrícolas, sobretudo no Alentejo, que, agora, também atrai os que foram dispensados da hotelaria e da restauração.
É o caso de Sikder Rimon, 32 anos, natural do Bangladesh, que emigrou do seu país para a Alemanha. Chegou no início de abril ao concelho de Odemira, conta que trabalhava num restaurante que acabou por o despedir na sequência das medidas de confinamento devido à covid-19. Em Portugal, rapidamente arranjou trabalho, na limpeza e manutenção de florestas. "Ainda estou a adaptar-me, é diferente do que trabalhar num restaurante, mais pesado", diz.
O patrão, Fernando Simão (Silvialentejo), está satisfeito com os braços que chegam ao Alentejo, onde um quinto da população tem 70 ou mais anos de idade. "Trabalham muito bem, são bons rapazes, dão bom ambiente. Tenho tido sorte. É pena não poderem conduzir, que eu tinha trabalho para mais uma equipa", lamenta. Tem dez empregados, oito deles estrangeiros, todos do Bangladesh.
Alberto Matos, coordenador da delegação da associação Solidariedade Imigrante de Beja, continua a receber pedidos de informação de estrangeiros que pretendem legalizar a sua situação, muitos deles a trabalhar e a fazer descontos para a Segurança Social. "Têm chegado novos imigrantes, embora a um ritmo inferior ao que acontecia em 2019. O perfil não se alterou, pessoas em idade ativa oriundas da Ásia e da África Ocidental", diz. Vêm sobretudo de Índia, Nepal, Paquistão, Bangladesh, Senegal, Guiné-Bissau, Guiné-Conacri e Mali.
É, também, a conclusão do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS), embora em contexto de pandemia seja difícil quantificar quantas são as novas entradas. "O nosso número de utentes aumentou, mas provavelmente são pessoas que já estão em Portugal há algum tempo", explica André Costa Jorge, diretor da JRS Portugal.
Dados provisórios do SEF, a que o DN teve acesso, indicam que há mais 12% de estrangeiros a residir legalmente no país. E que, em 2020, foram atribuídos 117 500 títulos de residência, apenas menos 11 mil do que em 2019. Significa que, apesar da crise económica devido à covid-19, os imigrantes não só continuaram por Portugal como continuam a escolher o país.
As nacionalidades que regularizaram a situação em maior número acompanham os fluxos migratórios recentes. Os oriundos do Brasil ocupam destacadamente o primeiro lugar, três vezes mais do que os cidadãos do Reino Unido, que estão sem segundo. No entanto, a diferença é menor do que verificada em 2019, ano em que atribuíram 8353 títulos de residência a britânicos e 48 796 a brasileiros. A Itália, que estava em terceiro lugar há dois anos, passou para quinto, com a Índia em terceiro. Em 2019, era o Nepal que ocupava a última posição do top 5 (5010 títulos) e que foi substituído por Angola.
Os novos títulos de residência são das comunidades estrangeiras mais representativas no país, também, porque o principal motivo é o reagrupamento familiar. Em 117 500 novas concessões, 30,4% foram de imigrantes que tinham cá familiares; seguindo-se na lista de motivos a atividade profissional (25,3%) e os estudos (10,4%).
O processo de regularização é demorado. É este um dos principais problemas dos estrangeiros que atravessam a fronteira portuguesa. André Costa Jorge estima uma demora de 18 meses para os estrangeiros que aqui trabalham e descontam (artigo 88, alínea 2, da Lei n.º 23/2007), e oito meses para a marcação da primeira entrevista no caso do reagrupamento familiar.
Toda a situação se agravou com a pandemia, que, por duas vezes, levou ao encerramento dos gabinetes do SEF. A última vez foi entre 13 de fevereiro e 16 de abril. O atendimento presencial só existia "para a prática de atos urgentes, devidamente justificados, mediante marcação prévia", refere o SEF.
O atendimento presencial foi retomado em todos os balcões, à exceção dos localizados nos concelhos de Albufeira, Figueira da Foz e Portimão. "Os cidadãos que viram as suas marcações canceladas por força da suspensão do atendimento, no período referido, já foram notificados de novas datas para atendimento, num total de cerca de 37 500 cidadãos", sublinham.
A perceção de quem está no terreno é menos positiva. Dá conta de uma situação complicada devido aos atrasos na tramitação dos processos. O estrangeiro que tem uma relação laboral e queira regularizar a situação, a primeira coisa que faz "é a manifestação de interesse" no portal SAPA, sistema automático de pré-agendamento. Recebe, depois, uma mensagem que lhe permite marcar uma entrevista presencial para confirmar a documentação exigida. "As pessoas esperam mais de um ano para poderem fazer a marcação. Quem fez a manifestação de interesse em abril de 2020 ainda não se recebeu a mensagem que permite agendar", explica Alberto Matos.
Mas, mesmo quando recebe a mensagem, não significa que o agendamento seja imediato. Não se consegue encontrar uma vaga no sistema, protesta o dirigente associativo, ex-professor. "A última vez que abriram as vagas foi a 10 de agosto, e fecharam a 11, sendo que as marcações já estavam para 30 de junho". Alberto Matos estima que o número acumulado dos pedidos de residência pendentes atinja os 50 mil. A pressão para conseguir uma entrevista é tanta que as vagas rapidamente esgotam em todo o país. "Quando abrem, a marcação é feita de uma forma completamente selvagem. Quem chega primeiro é quem marca e não tem em conta a ordem da receção da mensagem", justifica. A Solidariedade Imigrante defende que esses agendamentos deviam ser feitos pelo SEF e por ordem dos registos, evitando, assim, ultrapassagens pela direita.
"Estamos a falar nos processos para quem quer exercer uma atividade profissional. Nos processos de entrada no país para o reagrupamento familiar e para estudo, por exemplo, há um grande atraso mas têm existido marcações desde que os serviços abriram, há duas semanas", explicam os técnicos do JRS.
O gabinete de imprensa do SEF esclarece: "Em 2020, foram realizados 24 350 atendimentos para concessão de autorização de residência pelos artigos 88 (atividade independente) e 89 (atividade dependente), alínea 2 (sem visto de residência). Em 2021, apesar das restrições no atendimento trazidas pela pandemia com o encerramento durante 62 dias dos serviços, foram realizados mais de 6400 atendimentos. Estão já agendados até 30 de setembro 19 600 atendimentos para este assunto." Na prática, é um ano depois de se registar no portal.
A boa notícia é que quem preencheu a manifestação de interesse goza dos mesmos direitos de quem tem a autorização de residência. "No âmbito do combate à pandemia, foi determinado que os cidadãos estrangeiros com processos pendentes no SEF se encontram temporariamente em situação de permanência regular em território nacional, nomeadamente para obtenção do número de utente, acesso ao Serviço Nacional de Saúde ou a outros direitos de assistência à saúde, bem como acesso às prestações sociais de apoio, celebração de contratos de arrendamento e de contratos de trabalho, abertura de contas bancárias e contratação de serviços públicos essenciais."
A medida foi aplicada a partir de 27 de março (despacho n.º 3863-B/2020), para todos os cidadãos inscritos até 18 de março e abrangeu, então, 246 mil cidadãos estrangeiros. Foi prorrogada até 15 de outubro (10944/2020 de 8 de novembro), o que contemplou mais 166 700 imigrantes.
Na sexta-feira foi publicado um novo despacho (447373-Q/2021) a alargar esse prazo até 30 de abril, coincidindo com o fim do estado de emergência, às 00h00 de 1 de maio. O imigrante precisa de apresentar o comprovativo de que já fez a sua inscrição para a regularização. E, pela primeira vez, os filhos dos cidadãos nesta situação "passam a poder aceder ao abono de família, bastando que os progenitores tenham iniciado o processo de regularização junto do SEF conforme descrito acima".
Não é aquele o único problema dos imigrantes, já não era antes do aparecimento do primeiro caso de SARS-CoV-2 no país, só que os atrasos administrativos agravaram-se. "Os impactos da pandemia são a perda e a dificuldade em ter trabalho, consequente perda de rendimentos; demora na regularização; dificuldade no acesso às consultas médicas (como qualquer outro cidadão) e aos serviços públicos por ter de se pré-agendar telefonicamente; dificuldade em obter documentos autenticados pelas embaixadas", enumera André Costa Jorge.
Alberto Matos justifica o agravamento dos prazos com a pandemia, mas também com a indefinição sobre a restruturação do SEF. "As coisas estão todas paralisadas, à espera de que o governo tome uma decisão, os próprios funcionários não sabem qual vai ser o futuro", diz. Sublinha que a "emissão de um certificado de residência, que tem o mesmo valor do que uma autorização de residência, foi uma boa medida", mas que os prazos estão a ser completamente ultrapassados. "Não estou a ver quando vão recuperar-se todos os processos pendentes", protesta.
Os fluxos migratórios para Portugal têm vindo a crescer consecutivamente desde 2016. E também a marcar sempre recordes da imigração. Isto sem contar com os estrangeiros que vão adquirindo a nacionalidade portuguesa. Em 2019, foram 121 mil, segundo o Ministério da Justiça.
O ano passado terminou com mais 12% de residentes estrangeiros do que em 2019, ano em que a subida tinha sido de 22,9%, comparativamente a 2018. "A análise da evolução da população estrangeira em Portugal implica a consideração de diversos aspetos, particularmente os contextos económicos e sociais português e dos países de origem, a evolução legislativa, as relações históricas e culturais e os impactos da operacionalização de políticas de imigração", refere o Relatório da Emigração e Asilo, de 2019.
Antes da pandemia, o país distanciava-se da crise financeira vivida entre 2008-2011, com repercussões na imigração nos anos seguintes. As novas entradas continuaram a diminuir até 2015, regressando às subidas no ano seguinte. A população estrangeira residente no período entre 2015 e 2019 aumentou 52%, de 388 731 para 590 348 (mais 201 617).
A comunidade brasileira destaca-se com 151 304 residentes em 2019, representando 25,6% do total de estrangeiros (valor mais elevado desde 2012). E quem aparece em segundo lugar, Cabo Verde, regista números substancialmente mais baixos: 37 436 (6,3% do total). O Reino Unido subiu duas posições, para a terceira, em relação a 2018, o que terá que ver com o Brexit, processo através do qual deixou de pertencer à União Europeia. E, em 2020, deverá manter o lugar ou até alcançar a segunda posição, uma vez que 13 160 obtiveram residência no país no ano passado, mais 57,5% do que em 2019.
A população imigrante é potencialmente ativa, condição que representava 81,1% dos residentes (2019), com preponderância da faixa etária dos 25 aos 44 anos. A nível da distribuição geográfica, tal como a restante população portuguesa, concentra-se no litoral, e quase 70% habita nos distritos de Lisboa, Faro e Setúbal.