60 dias por ano em onda de calor ameaça "tornar-se frequente"

O verão começa hoje e com ele chega um episódio de tempo muito quente. Portugal tem 5 a 6 dias em onda de calor por ano, que podem passar a ser 60 no final do século.
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É já hoje, pelas 15.57, que começa oficialmente o verão. E não vai faltar calor. Os próximos dias serão de tempo muito quente com as temperaturas máximas a poderem atingir os 42 graus em alguns concelhos do interior do Alentejo e do Algarve.

A semana começou com aguaceiros e alguns episódios de precipitação forte, mas a situação geral da meteorologia muda já a partir da tarde de hoje. O estado do tempo vai ser caracterizado por dias de céu pouco nublado ou limpo em todo o território continental e as temperaturas máximas vão aumentar a cada dia até ao fim de semana e manter-se elevadas nos dias seguintes. "A partir de hoje teremos vários locais do continente com temperaturas máximas já a ultrapassar os 30 graus e a partir de sexta-feira já vamos ter alguns a ultrapassar os 40 graus", refere Alessandro Marraccini, meteorologista do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).

Poderá, então, estar a formar-se a primeira onda da calor deste verão, mas o IPMA ainda não fala neste fenómeno. Para se confirmar, é preciso um intervalo de pelo menos seis dias consecutivos em que a temperatura máxima diária é superior em cinco graus ao valor médio diário no período de referência. "Normalmente classificamos uma onda de calor no fim do episódio, ou pelo menos quando passam seis dias porque é preciso cumprir esses critérios", explica Alessandro Marraccini. O meteorologista refere que, neste momento, se pode falar num episódio de tempo quente com "probabilidade" de evoluir para uma onda de calor. O IPMA planeia emitir avisos para o calor intenso a partir de sexta-feira, em geral avisos amarelos e a possibilidade de avisos laranja.

O verão de 2023 arranca, assim, com muito calor, sendo que 2022 já tinha sido, de resto, o ano mais quente de sempre em vários países europeus incluindo Portugal, Bélgica, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Espanha, Suíça e Reino Unido. A verdade é que o constante aumento de temperaturas parece ser um dado adquirido para as próximas décadas. Quem o diz é Alfredo Rocha, professor de meteorologia e clima na Universidade de Aveiro, que explica que os dias em onda de calor podem vir a aumentar em Portugal. Atualmente, em média, o país tem entre 5 a 6 dias em onda de calor por ano. No entanto, as projeções de alterações climáticas apontam para que no fim no século a tendência seja de 60 dias em onda de calor por ano. "O que hoje é uma situação extrema, no sentido de ser pouco frequente, vai ser cada vez menos extrema e vai passar a ser mais frequente", aponta o professor. Alfredo Rocha explica ainda que vão ter lugar mudanças na precipitação. Para já vai haver uma redução sobretudo no verão, na primavera e no outono, e a pouca chuva na estação mais quente será concentrada num intervalo de tempo muito pequeno. "São chuvas muito intensas, rápidas e depois desaparecem, como tem acontecido em Portugal nas últimas semanas", diz. As chuvas intensas em Vila Nova de Foz Côa, com estas características, provocaram na semana passada avultados prejuízos na vinha.

A ONU e o programa da União Europeia Copernicus revelaram no relatório Estado do Clima na Europa 2022 que mais de 16 mil europeus morreram na sequência das alterações climáticas, mas sobretudo devido às ondas de calor no ano passado. 2022 também foi o ano em que a Europa aqueceu mais 2,3 graus em relação ao período pré-industrial.

O diretor do Serviço de Monitorização das Alterações Climáticas do Copernicus (C3S), Carlo Buontempo, considera que a carga térmica vivida pelos europeus ao longo de 2022 foi um dos principais impulsionadores do excesso de mortes relacionadas com o clima no continente. Acrescentou ainda que a perceção do atual sistema climático e a sua evolução revela que os eventos meteorológicos, hidrológicos e climáticos fazem parte de um padrão que tornará os pontos de carga térmica mais frequentes e intensos em toda a região, com os respetivos efeitos negativos na saúde dos cidadãos.

A Direção-Geral da Saúde (DGS) já emitiu recomendações para os próximos dias, mas a Associação ambientalista Zero lembra que há medidas importantes que devem ser tomadas a longo prazo. A reabilitação do parque habitacional português, preparando-o para dar melhor resposta a situações de calor extremo, está entre as mais importantes. "O nosso parque habitacional está obsoleto, nunca teve grande qualidade e agora em situações de calor revela ainda mais as suas fragilidades. Portanto, urge um plano nacional de reabilitação energética das casas", explica Pedro Nunes, da Zero, que ontem fez um protesto em frente ao Banco de Portugal para pressionar o Conselho de Administração do Banco Central Europeu (BCE) a aplicar taxas de juro reduzidas para a renovação dos edifícios em prol da eficiência energética.

Além do impacto na saúde, o tempo quente tende a agravar a situação de seca que Portugal já enfrenta. Isto porque o calor que se avizinha vai ser muito propício à evapotranspiração, ou seja, a água que está retida nos solos vai ter tendência a evaporar ainda mais que o normal. "Acabamos por entrar num ciclo de retroalimentação positiva. A água no solo é um elemento que atenua as oscilações da temperatura na atmosfera, e a partir do momento que começamos a ter essa água a evaporar, deixamos de ter esse elemento que amortece as temperaturas", sublinha Pedro Nunes.

Com o tempo quente aumenta também o perigo de fogos florestais. O ministro da Administração Interna anunciou ontem que Portugal já dispõe de 60 meios aéreos para combate a incêndios, tantos quantos em 2022, e estão mais três para chegar. José Luís Carneiro ministro acrescentou ainda que o Ministério da Defesa está a trabalhar para atingir o objetivo de ter 72 meios aéreos até ao início de julho, lembrando as dificuldades atuais no mercado: "Temos uma guerra na Europa, os países do norte da Europa também estão a ir buscar meios aéreos para incêndios quando até aqui não tinham necessidade e há também escassez de pilotos. [Tudo junto] fez com que os próprios preços do mercado tenham aumentado exponencialmente", frisou. O MAI anunciou em abril que o número de operacionais envolvidos este ano no combate aos incêndios também vai aumentar. O dispositivo terrestre vai contar com 13 891 elementos e 2990 viaturas durante o período de maior empenhamento de meios (de 1 de julho a 30 de setembro).
Entre 1 de janeiro e 11 de abril deste ano, Portugal já registou mais de 7000 hectares de área ardida revelam dados provisórios do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).

No final de maio, segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), verificou-se um aumento da área em seca com todo o território continental em situação de seca metereológica. Houve uma diminuição do território em seca extrema - 8,9% - e um aumento da seca severa (26,3%). Toda a região Sul e alguns locais do Vale do Tejo estão em seca severa ou extrema. Em seca moderada estava 39,4% do território e em seca fraca 25,3%. Só em 0,1% do país a situação era normal. O governo já tomou medidas restritivas ao consumo de água no sotavento algarvio e pretende reduzir em 15% o consumo da água das massas subterrâneas no Algarve. Segundo o relatório semanal das disponibilidades hídricas da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), 55% das albufeiras monitorizadas apresentam disponibilidades hídricas superiores a 80% do volume total e 11% têm disponibilidades inferiores a 40% do volume total. Os dados mais recentes, por bacia hidrográfica, apontam que os níveis de armazenamento de água são superiores às médias no mês de junho (período 1990-2022), exceto nas bacias do Sado, Ribeiras Costa Alentejo, Mira, Arade, Ribeiras do Barlavento e Ribeiras do Sotavento se encontram em situação crítica.

As altas temperaturas que se avizinham levaram a Direção-Geral da Saúde (DGS) a emitir as habituais recomendações para esta época do ano.
A DGS recomenda procurar ambientes frescos e arejados ou climatizados, aumentar a ingestão de água para pelo menos 1,5 litros por dia, tal como evitar a exposição direta ao sol, especialmente entre as 11.00 e as 17.00. O uso de roupa solta, opaca e que cubra a maior parte do corpo e utilização de protetor solar com fator superior a 30 também são recomendados.
Esta entidade lembra ainda que se devem evitar atividades que exijam grande esforço físico, nomeadamente desportivas e de lazer no exterior. Também se deverá escolher as horas de menor calor para viajar de carro e evitar permanecer dentro de viaturas estacionadas ao sol.
A DGS lembra ainda que se deve dar atenção especial aos grupos mais vulneráveis ao calor, assegurar que as crianças consomem água frequentemente e contactar e acompanhar pessoas idosas e outras pessoas isoladas para garantir que estão hidratadas e em ambiente fresco e arejado.

sara.a.santos@dn.pt

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