30% dos doentes são tratados com terapia de precisão
Investigação tem dado passados largos nos últimos anos. José Carlos Machado, do I3S - Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, acredita que estamos numa fase de avanço nunca vista.
"Numa primeira fase tratava-se o cancro com base em formação muito limitada, no pressuposto de que os tumores apareciam do nada e que as células da massa tumoral proliferavam mais. Mas a investigação permitiu mudanças impressionantes". José Carlos Machado, coordenador do programa de cancro do I3S -- Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, da Universidade do Porto, tem sentido na pede a forma como "em Portugal os investigadores portugueses fazem milagres, tendo em conta os recursos que têm". Ainda assim, "temos cá gente excelente, a produzir conhecimento de primeiríssima qualidade, e isso permite-nos estar em linha com os países mais desenvolvidos", afirma ao DN.
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O investigador recua algumas décadas para estabelecer comparações: as primeiras quimioterapias eram muito baseadas na ideia de que é preciso atacar células que se multiplicam muito. "Mas isso acarretava todos os efeitos colaterais conhecidos: a queda do cabelo, as hemorragias gastrointestinais. Porque além das células tumorais há muitas outras no nosso corpo que proliferam muito". Foi então que, numa segunda fase, "começou a compreender-se que a questão não era apenas a proliferação [de células] aumentada, mas também que células que era suposto morrerem, não morriam. Ou duravam muito mais tempo. Isso introduziu uma segunda vaga de tratamento que era matar essas células -- e aí veio a quimioterapia citostática e outro tipo de terapias". Seguiu-se a terceira vaga -- "e essa sim constituiu um avanço muito importante, por ser aquilo que nós agora chamamos as terapias dirigidas, a medicina de precisão. Representa a fase em que se compreende a biologia da célula tumoral propriamente dita, e por isso começaram-se a desenhar medicamentos que tinham como alvo os mecanismos particulares das células tumorais", adianta o professor, aludindo a uma eficácia maior no tratamento. "Cancros que não eram tratáveis até à data e passaram a ser. O maior exemplo será o cancro do pulmão. Há 15 anos, quando era detetado o doente tinha uma esperança de vida média de 8 meses. O diagnóstico era uma catástrofe, uma sentença de morte. Hoje em dia as coisas mudaram radicalmente. Continua a ser um cancro muito grave, mas estamos agora a falar de sobrevidas médias superiores a três anos". Também o grau de efeitos secundário evoluiu muito, diminuindo-os.
José Carlos Machado fala agora de uma quarta fase, "em que percebemos que o problema do cancro não se esgota na célula tumoral. Entra aqui o conceito de micro ambiente tumoral, que na minha opinião vai mudar muito as coisas", afirma. "A ideia é que, um tumor, numa massa de tecido tumoral, é constituído por muitas outras células que não são tumorais, como os vasos sanguíneos, o tecido conjuntivo que constitui o tumor, mas que são células importantes para dar suporte de vida àquele tumor", lembra José Carlos Machado, frisando que "por muito malignas que sejam as células tumorais, elas nunca conseguem viver completamente sozinhas. Portanto, se se puder manipular esse micro ambiente tumoral, também está aí uma possibilidade de tratar com sucesso o cancro".
O grande exemplo que o investigador aponta é a imunoterapia, considerada de grande sucesso. E essa está já disseminada. "O tipo mais comum - os anticorpos PD-1 e PDL-1 - raramente funciona em todos os doentes. Ou melhor, só uma porção dos doentes é que são elegíveis para a fazer", adianta José Carlos Machado. Ainda assim, hoje, "entre 20 a 30% dos doentes já são tratados nesta lógica de terapia de precisão".
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A importância do tratamento multidisciplinar
No quotidiano do IPO do Porto e da clínica Atrys Health -- que a partir do norte do país mantém um acordo de cooperação com a Fundação Champalimaud, para a prática clínica e investigação em radioterapia oncológica, oncologia médica, diagnóstico por imagem e diagnóstico molecular e I+D+I -- a médica oncologista Rosa Vallinoto observa constantemente essa evolução de que falam os investigadores. Desde que terminou a especialidade, em 2012, até hoje, as diferenças são abissais. "Hoje o tratamento está bastante avançado. Há alguns anos quando aparecia um paciente metastático era uma sentença de morte. Hoje felizmente há um leque avançado de tratamentos que permite dar uma esperança de vida que não existia. Por exemplo, no caso do pulmão, dividíamos em dois grandes grupos. Agora já temos cada marcador dividido e com tratamento direcionado. Muitos genes vão sendo detetados de acordo com cada tipo de tumor, e os ensaios clínicos estão direcionados especificamente para determinadas mutações".
"O espaço entre viver e morrer alargou-se muito", sublinha Rosa Vallinoto, para quem o mais importante "não é apenas prolongar a vida, mas sim com qualidade de vida". A oncologista reconhece que uma grande parte dos tratamentos "são ainda bastante agressivos", mas salienta a forma multidisciplinar com que o cancro é tratado, envolvendo uma panóplia de especialidades. O que falta, na sua opinião, é dar um passo que "será inevitável: um dia destes público e privado vão ter que funcionar juntos".
dnot@dn.pt
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