O número de homicídios dolosos consumados em 2024 foi o mais elevado da década: 112, no total, de acordo com o registo oficial da Polícia Judiciária (PJ). No entanto, olhando para os anos anteriores (ver infografia em baixo) constata-se que, por um lado, este número não influencia significativamente a curva descendente, deste que é o mais grave dos crimes, que se verifica desde 2013 (apenas em três anos superou a centena); por outro lado, nas duas décadas anteriores não houve nenhum ano que não tivesse um maior número de homicídios. . A média de homicídios na década de 2014 a 2023 foi de 93,4. A dos 10 anos entre 2004 e 2013 foi de 150, 5. Muito longe ainda dos tenebrosos anos anteriores, com uma média na década de 346,5 homicídios por ano. No último conjunto de 10 anos, a curva começou a sua inclinação descendente ainda com Pedro Passos Coelho e consolidou-se com António Costa.Numa altura em que o debate sobre a segurança e a violência criminal tem estado no debate político e é assumido pelo Governo como uma prioridade, este é o primeiro dado conhecido que vai fazer parte do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2024. As tendências globais, ao contrário do que aconteceu noutros anos, não são ainda conhecidas, mas cruzando as informações de fontes das três principais polícias que estão a validar estes dados, é possível avançar que a criminalidade geral terá estagnado e a violenta poderá ter um aumento entre 1% e 2%. Em relação aos homicídios - um dos crimes que mais alarme social causa e, por definição um crime grave e violento - Nelson Lourenço, sociólogo jubilado pela Universidade Nova e presidente do Grupo de Reflexão sobre Estratégia e Segurança, sublinha que importa saber «a que tipo de ato e de atores estes homicídios estão associados. Vendo as descrições na comunicação social, parece registar-se um aumento de violência, diria extrema, em alguns atos». As autoridades estão atentas às variações dos homicídios cometidos por desconhecidos e a motivação pode ser a de um roubo, conflitos entre gangues, ou outros violentos, fora dos igualmente bárbaros contextos de violência doméstica ou entre vizinhos. Questionada pelo DN sobre a proporção de homicídios em que não havia relação entre a vítima e o autor, fonte oficial da PJ revela que, foram 7,4% ( em 2022 tinham sido 13% e em 2023 foram 17%). Salvaguardando que 58% dos inquéritos ainda não estão concluídos, a PJ revela que 13,1% dos homicídios no ano passado ocorreram no âmbito conjugal; 7,4% entre parentes; e 16% entre vizinhos. No total das 112 mortes, 25% foi com recurso a armas de fogo (em 2023 foram 20,9% e em 2022 tinham sido 21,8%) e 33,3% a armas brancas (em 2023 foram 35,5% e em 2022 34,7%), segundo o mesmo balanço feito pela Judiciária. Com este género de flutuações, que não quebram ainda ciclos, é arriscado atribui-las a mudanças na sociedade portuguesa. Para os analistas que acompanham estes fenómenos, há outros fatores a influenciar a perceção de segurança. «Em países com taxas de homicídio muito baixas, como em Portugal e de um modo geral na UE, o sentimento de insegurança aparece mais associado à criminalidade de rua, furtos e roubos, e formas de incivilidades mais ou menos graves, ou de desacatos sociais do que propriamente ao homicídio. Embora seja de referir que a divulgação repetida pelas TVs de cenas de crimes de homicídio, particularmente nos casos mais graves, possam aumentar a perceção de insegurança”, afiança Nelson Lourenço. Hugo Costeira, do Observatório de Segurança Interna, subscreve: «Portugal sempre foi um país conhecido por ter uma baixa taxa de homicídios. Mais do que estes números aumentarem, existe também uma “espetacularização” destes atos, basta recordar a barbearia e o shopping de Viseu. Tal acaba por se moldar na opinião pública como uma “radicalização” na criminalidade e cria mais medo nas pessoas, o que contribui diretamente para o aumento da perceção de insegurança».