Fernando de Pádua. Falhou o coração ao 'Pai do Coração' aos 95 anos

Foi criança traquina, bom e mau estudante, escolheu medicina, quando pensava seguir engenharia, mas nunca se arrependeu. Até porque, Fernando de Pádua, o médico, o professor, o fundador do Instituto Nacional da Prevenção da Cardiologia, foi um "pai para o coração" e para a medicina preventiva em Portugal. Hoje o coração falhou.
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O cardiologista Fernando de Pádua morreu esta quinta-feira, anunciou a Fundação Professor Fernando Pádua. Tinha 95 anos.

"É com enorme tristeza e consternação, que comunicamos a "partida" do nosso muito Querido Professor! Deixou-nos hoje ao amanhecer...", lê-se numa publicação da instituição no Facebook.

"As palavras são poucas para agradecer o tanto que fez pelos Corações de todos nós! Lutou incansavelmente até ao fim dos seus dias para a melhor saúde a melhor qualidade de vida de cada um", acrescenta a fundação, realçando o "legado sem tamanho" que deixou.

Fernando Manuel Archer Moreira Paraíso de Pádua nasceu em Faro a 29 de maio de 1927, mas cedo foi viver para Almodôvar com os pais. E assumia mesmo que era mais um alentejano do coração do que algarvio. A primária fê-la no Tramagal, Abrantes, e o liceu já em Lisboa. Foi mau e bom aluno, mas graças a um professor que soube motivá-lo e incentivá-lo no Passos Manuel acabou o secundário com notas de quadro de honra e de melhor aluno do liceu. Na faculdade fez o mesmo percurso e depois na vida profissional também.

Fernando de Pádua, dormia pouco, trabalhava muito, comia regradamente, fazia exercício físico, adorava andar, aos 92 anos contou ao DN que continuava a andar a pé e de autocarro, para fazer o percurso que o separava da sua residência ao edifício junto à Gulbenkian que alberga o Instituto Nacional de Cardiologia Preventiva, do qual foi fundador, até ao dia em que, pouco antes de fazer os 92 anos, deu uma queda. Teve de ser operado, o que o fez, na altura, estar afastado dois meses do instituto. Quando regressou e a quem lhe dizia que tinha de abrandar, respondia sempre: "Fui operado à coluna e a uma hérnia, não estou doente da moleirinha", contou ao DN numa entrevista.

Foi sempre assim. A desistência de algo que queria muito nunca fez parte dos seus planos. Por isso, continuou a trabalhar depois da reforma no SNS, continuou depois dos 70, dos 80 e dos 90. O seu lema era manter-se em atividade e viver, pelo menos, até aos 100 ou 120 anos.

Aos 92, continuava a fazer exames e a ler relatórios para os analisar. Não podia parar, não queria parar. Muitos lhe diziam, "o professor é uma força da natureza", e era isto que lhe dava orgulho, que o deixava vaidoso. Para ele, a longevidade, além dos genes, era uma conquista da medicina e da prevenção da saúde, uma conquista sua também, pois foi sempre nisto que batalhou.

A aposta de uma vida foi sempre na mensagem da prevenção da saúde, das doenças cardíacas, quando percebeu que era esta que podia mudar o rumo das mortes elevadas por doenças cardiovasculares.

Costumava dizer, que "nada há mais assassino para os portugueses do que a gordura, o tabaco e a preguiça". Ele sempre comeu regradamente, pouca quantidade, várias vezes ao dia, e tudo com pouco sal, "ainda hoje refilo quando me servem comida com demasiado sal", contou na altura, assumindo que tinha sido fumador, começou aos 12 anos e parou aos 35, quando percebeu que "o tabaco mata".

Na faculdade de medicina, para onde foi quando pensava que queria era seguir engenharia, e que só aconteceu por o seu melhor amigo ter conseguido a vaga de engenharia que queria, conheceu a mulher da sua vida. "Era muito bonita e a melhor aluna de curso do ano dela". Soube que era com ela que queria casar. E casou depois de ambos terem completado o curso e antes de ambos partirem para os Estados Unidos da América para ele fazer a especialidade de cardiologia em Harvard. Foi de lá que trouxe o discurso e a prática inovadora que introduziu na medicina portuguesa.

Foi o pai da cardiologia, da medicina preventiva em Portugal e para a História do país ficará também como o homem que habituou os portugueses a falar de doenças, ou melhor de saúde e da sua prevenção, em frente às câmaras de televisão e de microfone na mão. Além de todas estas vitórias, conseguiu uma fundação em seu nome, Fundação Fernando Pádua, que juntamente com o instituto dá cuidados especializados na área da cardiologia aos portugueses. Mas além de todas estas vitórias e feitos na medicina, deixou também uma imagem de marca: a do professor de lacinho. Era assim que trajava sempre, laço e chapéu, mesmo quando a moda ditava outras imagens.

Nunca se importou. Para ele o que importava eram os doentes, a família, os filhos, os netos, Vasco e Mafalda - com quem sempre teve "uma excelente relação", afirmava, mas também a medicina e o país. Aos 92 anos dizia que ainda tinha muito para fazer, desejava chegar aos 100 ou aos 120 anos. Mas hoje chegou o dia em que o coração falhou ao professor do coração...

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