Do design e da utopia, a última aula do pai do satélite português
No futuro haverá sempre a utopia, o horizonte que caminha à nossa frente e que não cessa de nos fazer caminhar também. Mas esse será igualmente um futuro em que os seres fabricados - as máquinas cada vez mais inteligentes e autónomas que os seres nascidos (nós, os humanos) não param de inventar -, vão ser imensamente mais numerosos do que os seus próprios inventores. Esse mundo trará novos desafios para os designers, que terão de conceber os melhores cenários para esta convivência - sem esquecer, claro, a utopia.
A visão é de Fernando Carvalho Rodrigues, engenheiro, professor e investigador, que ontem a partilhou com um auditório de alunos, professores e amigos, no IADE, na sua última lição.
Físico e engenheiro de formação, Fernando Carvalho Rodrigues foi diretor de programas de ciência da NATO, desenvolveu novos produtos tecnológicos na área da optoeletrónica, tem pelo menos seis patentes, escreveu livros, mas ficou sobretudo conhecido dos portugueses como o "pai" do primeiro, e até hoje único, satélite português. Foi ele, com o seu modo de ser entusiástico e comunicativo, quem liderou o consórcio que produziu e fez lançar o PoSAT, a 26 de setembro de 1993, por um foguetão Ariane, em Kuru, no centro espacial da Guiana Francesa.
[citacao:Não há nenhum satélite que vá para o espaço sem levar gravada a assinatura dos que o construíram]
Desde 2000, Carvalho Rodrigues é professor no IADE - em 2012, passou a professor catedrático -, onde coordenou também as áreas científicas. Ontem jubilou-se, e proferiu ali a sua última aula: "Empreender: a dançar com arte, ciência e design", durante a qual tocou uma sucessão de temas e contou outras tantas histórias.
Num estilo ao mesmo tempo coloquial e bem disposto, Carvalho Rodrigues foi desfiando ideias e pequenos grandes episódios: da complexidade da vida e do universo, com as suas "88 oitavas", às complexidades da sociedade atual, em que proliferam os seres fabricados; das probabilidades, que servem à ciência para lidar com o acaso, aos "problemas superlativos" que exigem ações e soluções superlativas também, ou ainda da lei do menor esforço, proposta na década de 1940 pelo linguista americano George Kingsley Zipf como contributo para o conhecimento da ecologia humana, como ele próprio a descreveu.
Com a sua lei, Zipf conseguiu descrever a forma como o ser humano se relaciona com a língua, depois de ter contado a frequência de cada palavra num discurso e de ter encontrado uma ordem nessa frequência que pode ser descrita, para todas as línguas, por uma linha reta num gráfico.
Ora acontece, como explicou Carvalho Rodrigues, que aquela linha, que ficou conhecida como a curva de Zipf, não se aplica apenas à forma como os seres humanos utilizam os seus muitos idiomas, mas a quase tudo: da Internet aos jogos de xadrez, da gestão de uma empresa à previsão de investimentos e, por aí fora.
Daí para os números e para a importância dos números na conceção das próprias formas dos objetos, Carvalho Rodrigues viajou até ao conceito do número de ouro e ao pensamento matemático em que o pintor Lima Freitas - outro notável mestre e professor do IADE - baseou a simetria de tantas das suas obras.
Pelo meio, ainda teve tempo para dedicar umas quantas palavras ao PoSat, o pequeno satélite português que ainda está em órbita, mas já deixou de funcionar há 10 anos, e no qual ele, um dos seus criadores, deixou a assinatura - tal como fazem os designers nas suas obras.
"Não há nenhum satélite que vá para o espaço sem levar gravada a assinatura dos que o construíram", fez questão de assinalar. O espaço, um dos horizontes da humanidade, é um daqueles problemas superlativos, a exigir a solução à altura. E, como o espaço, tudo o resto na vida, incluindo o design que aí vem. Vai ser preciso procurar, "afastar as sombras" que impedem a visão e depois, é simples: "siga a dança".