Ricardo Reis: Piketty e o capital

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Um dos livros mais vendidos nos EUA no último mês foi um calhamaço com 696 páginas, muitas delas debruçadas sobre as dificuldades com as estatísticas do rendimento e a importância de estimar a elasticidade de substituição entre factores de produção. De onde vem o sucesso do "Capital no século XXI" de Thomas Piketty?

O livro começa por resumir o extraordinário trabalho de investigação que Piketty fez com Emmanuel Saez recolhendo dados sobre o rendimento do topo 10% ao longo do último século para muitos países desenvolvidos. O rasgo de Piketty e Saez foi perceber que, embora faltem dados históricos sobre o rendimento das classes médias ou dos pobres, os muito ricos pagam impostos há séculos. Por isso, podemos usar os dados do sistema fiscal para comparar a fortuna do topo com o PIB que mede o rendimento médio. O trabalho duro foi codificar os dados das finanças de há muitas décadas. A recompensa foram os prémios de melhor economista jovem para Saez nos EUA, e para Piketty na Europa.

Os dados para o EUA mostram que depois de decrescer entre 1930 e 1980, a fortuna dos ricos tem aumentado de forma contínua desde então. Para Portugal, os dados para o topo 0.1% mostram um padrão semelhante. A sua fração do rendimento caiu de 5% em 1936, para 0.73% em 1982 e desde então subiu até aos 2,48% em 2005. Atenção, no entanto, que estas estatísticas se referem ao rendimento antes de impostos e prestações sociais, e que o aumento se concentra no topo 1% ou 0.1%, que também deixaram para trás o percentil 5 ou 10.

O segundo ponto do livro é a previsão que a desigualdade vai aumentar, porque os rendimentos de capital vão crescer mais depressa do que os rendimentos totais do país. Esta afirmação é bem controversa. Em primeiro lugar, há tantos ou mais dados e teorias a contradizer esta previsão do que a confirmá-la. Em segundo lugar, repare-se que nos cento e poucos anos de dados que Piketty tem, durante mais de 50 observamos o oposto e o capital foi remunerado menos do que a economia crescia. Piketty olha para os últimos 20 anos e assume que eles são a norma enquanto o passado anterior fora a exceção.

Por fim, a previsão confiante de Piketty para as próximas décadas choca com a bem conhecida incapacidade dos economistas em prever seja o que for com mais de 5 anos de distância. É uma hipótese académica interessante, mas que exige um enorme salto de fé para ser levada muito a sério por um governante.

Por fim, o terceiro ponto é uma posição política a favor de criar um imposto sobre a riqueza a nível mundial. Esta é a parte mais fraca do livro. Não só há muito melhores formas de combater a desigualdade, como esta proposta é completamente inexequível no mundo em que vivemos, com a competição fiscal entre nações, as offshores, e os limites do direito internacional.

Se o livro tem pontos fortes e fracos, porque é que tem tido tanto sucesso? Porque toca numa das grandes feridas que se abriu nos últimos 20 ou 30 anos: a desigualdade e o que fazer acerca dela.

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