"Vou bater-me por um projeto de futuro para a cidade, não por uma maioria absoluta"

Entrevista DN TSF
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António Costa abriu-lhe as portas da política, José Sócrates abriu-lhe as portas do Governo e António Costa escancarou-lhe as portas da Câmara Municipal de Lisboa. Em abril de 2015, passou de vereador a presidente quando o presidente eleito António Costa assumiu a tempo inteiro a liderança do Partido Socialista.

Pela primeira vez, apresenta-se a eleições como número um para tentar reconquistar a mais importante autarquia do país. Não falta quem lhe aponte um futuro político risonho pela frente e houve até quem já lhe tenha chamado o 'menino de ouro' do PS. Neste caso, o novo 'menino de ouro' do PS.

Em 2008, uma biografia de José Sócrates tinha como título 'O menino de ouro do PS'. Este ano, uma reportagem do jornal Público, antecipando a sua candidatura, tinha como título 'O menino de ouro do PS vai provar o que vale em eleições'. Agrada-lhe este título de 'O menino de ouro'?

Não sou responsável nem por um, nem por outro.

Claro que não, só lhe pergunto se gosta de ser titulado assim.

Aliás, acho que é uma citação de um livro muito anterior a qualquer um desses factos. Não comento esses títulos, não fui eu que os escrevi. Não me descreveria dessa forma, naturalmente.

De Lisboa, pelo Partido Socialista, e tendo a ver com isto, obviamente, já saiu um presidente da Câmara para a Presidência da República, um outro para a chefia do governo... Nessa reportagem de que estávamos a falar também se dizia que o partido olha para si como um futuro líder e até Primeiro-Ministro. Tem ambição de ter responsabilidades mais alargadas do que as que tem agora e que vai assumir se vier a ganhar as eleições?

Não, não tenho. Tenho a ambição de ser eleito presidente da Câmara Municipal de Lisboa e tenho uma grande ambição em servir bem a cidade de Lisboa e é isso que motiva e que me anima. Eu acho que isso transparece de certa maneira o gosto que tenho em fazer o que estou a fazer. Desempenho estas funções com grande gosto e quero ganhar as próximas eleições e continuar a servir a cidade de Lisboa com grande empenho.

Mas ter esse gosto não invalida que pudesse ter o gosto de presidir aos destinos do país, chefiando o Governo?

Eu nunca orientei nem oriento a minha vida pelo cargo seguinte, ou pelo cargo seguinte. Se há dez anos o Paulo me tivesse feito uma entrevista e perguntado se eu seria candidato à Câmara de Lisboa, acho que nós os dois teríamos sorrido com essa hipótese. Haveria outras mais prováveis. Eu acho que em todos os momentos do tempo nós temos de olhar àquilo que a vida nos propõe e nos coloca e aceitarmos ou não o desfaio em função da nossa capacidade e da nossa vontade em fazer bem. Bill Clinton disse uma frase que é muito útil, que me serve muitas vezes de guia: "Nós só devemos aceitar aqueles lugares onde nos sentimos felizes, porque é aí que nós vamos ser bons a fazer esses lugares". Eu sinto-me muito feliz a ser presidente da Câmara de Lisboa, gosto muito do que faço, e é isso que estou empenhado. O futuro, será o que for.

Mas reconhece que o resultado destas eleições - e é a primeira vez de facto que se apresenta a eleições encabeçando uma lista - pode determinar de alguma forma o seu futuro político? O que conseguir neste ato eleitoral pode definir os seus passos futuros?

Isso sem dúvida, vai definir em primeiro lugar se eu serei presidente da Câmara Municipal de Lisboa (risos). Vai ter um impacto mesmo forte e direto, e é isso que significa a eleição. Não mais do que isso.

Mas acha que são favas contadas, estas eleições?

De forma alguma. Todas as eleições se disputam sem votos nas urnas. Aquilo que nós fizemos até hoje e a situação da cidade, que eu acho que está francamente melhor do que estava há quatro anos atrás, ou do que estava há dez anos atrás, antes de se dar início a este ciclo político, só serve para mostrarmos aos cidadãos que podem de novo confiar no nosso projeto. Agora, há aqui um desafio de mobilização e inspiração da cidade de novo. Nada está garantido, nada está ganho e nesta eleição, nada está ganho. Aliás, temos tido provas em muitas eleições de que quem confia no voto dos outros acaba sempre por ter resultados nas eleições diferentes daqueles de que estavam à espera à partida.

Vai bater-se por uma maioria absoluta?

Eu vou bater-me por apresentar o projeto de futuro para a cidade de Lisboa com o máximo de convicção, com os melhores argumentos, com energia, com alegria, mobilizando a cidade para esse projeto e os resultados depois veremos. Podemos até já combinar aqui uma conversa logo no dia 2 de Outubro, para não dizer já no dia 1 à noite, para comentarmos os resultados.

A conversa fica combinada, mas não respondeu à pergunta que era: vai bater-se por uma maioria absoluta, ou vai pedir essa maioria absoluta?

Não, eu vou bater-me por apresentar o projeto à cidade, uma visão para a cidade, um projeto com medidas concretas, uma equipa para governar a cidade na Câmara, na Assembleia, nas juntas de freguesia e para conseguirmos mobilizar a cidade para a continuação deste caminho que eu acho que tem sido um bom caminho para a cidade. A cidade hoje está melhor do que aquilo que estava: é uma cidade em que a economia está muito mais forte e mais pujante, é uma cidade que está em muito melhores condições financeiras, é uma cidade que está a dar passos importantes na melhoria da qualidade de vida... É uma cidade que começa a resolver problemas de décadas, nomeadamente da reabilitação urbana, que é uma grande pecha que a cidade sofreu durante muito tempo e a cidade hoje está melhor, mas nós precisamos de pensar num novo ciclo e no próximo ciclo e a discussão deste novo ciclo, que eu acho que é importante, é isso que eu quero fazer, com franqueza. Depois a cidade terá que assumir e vota com consciência aquilo que entender. Os lisboetas votarão como entenderem.

Olhando para esse novo ciclo, elegeu a mobilidade como uma das prioridades futuras. A verdade é que quando olhamos para esta reta final do mandato, em que houve muitas obras em Lisboa, um dos sentidos que tinham essas obras é uma tentativa de tirar os carros da cidade para que eles sirvam às pessoas, mas o que vemos também é que foram feitas obras e procurou-se que isso aconteça sem que fossem encontradas alternativas, designadamente ao nível dos transportes públicos. Pergunto-lhe se isto não é começar a casa pelo telhado?

Não. O grande objetivo destas obras é a melhoria da qualidade de vida, a qualificação do espaço público como forma de melhorar a qualidade de vida, melhorar a atratividade da cidade para que as pessoas queiram vir morar para cá e dotar a cidade de melhores infraestruturas públicas. A questão central da mobilidade é que a cidade perdeu muitos habitantes para os Concelhos limítrofes. Todos os dias entram na cidade de Lisboa cerca de 370 mil carros. Eu tenho dito o número. Se alinhássemos estes carros numa única fila, era a distância que vai de Lisboa até Paris, todos os dias a entrar na cidade. Com um acrescento: como uma parte importante das pessoas que trabalham na cidade não reside na cidade, cada vez que a economia da cidade melhora, aumentam os carros que entram na cidade, porque as pessoas que trabalham moram fora. Como não há transportes públicos capazes, à altura, as pessoas têm de usar o transporte individual. Só nos últimos dois anos, entre 2014 e 2016, passaram a entrar por dia, 15 mil carros a mais do que entravam.

Mas sendo assim não se devia pensar na possibilidade de ter parques de estacionamento à entrada da cidade e bons transportes públicos dentro da cidade?

Claro, por isso é que eu digo que essa é uma matéria prioritária. Mas quero concluir o número para que os nossos ouvintes tenham a noção: 15 mil carros a mais do que havia são 75 quilómetros de fila. Para termos noção, são cinco faixas de rodagem inteirinhas entre Algés e o Parque das Nações que estariam ocupadas só com os carros que entram a mais por a economia ter melhorado. Ora, esta situação é insustentável e para ser resolvida, implica várias coisas: em primeiro lugar, um investimento no transporte pesado dos concelhos limítrofes de Lisboa, dentro da área metropolitana, para Lisboa. É incompreensível que a linha de Cascais, por exemplo, esteja há dezenas de anos sem um investimento pesado, a sério. Isto é, que a principal linha de transporte pesado, que apanha Cascais, Oeiras até Lisboa, continue a perder passageiros ao longo dos anos e a perder qualidade. Não se percebe que o mesmo tenha acontecido com a linha de Sintra, não se percebe...

Mas isso não é competência da Câmara.

Repare, é competência da Câmara e é competência da área metropolitana baterem-se para que haja um programa concreto de investimentos, porque senão não há solução. Se nós continuamos com um modelo urbano, em que as pessoas moram fundamentalmente nos concelhos limítrofes de Lisboa - Lisboa tem 550 mil habitantes, a área metropolitana deve ter cerca de 2,7 milhões, dependendo da área metropolitana com outros concelhos aqui limítrofes - Lisboa sendo o centro do ponto de vista do emprego, não há nenhuma sustentabilidade para que todos estes movimentos pendulares para trabalhar sejam feitos no transporte individual.

Admite aquilo que já existe noutras cidades europeias, uma portagem para aliviar a pressão que existe sobre a cidade? Porque mesmo que dê transportes às pessoas, há muita gente que vai fazer uma opção individual de vir de carro.

Não, acho que é uma má solução. Má solução por causa do estado de degradação dos transportes públicos pesados da área metropolitana. Se nós tivéssemos um sistema que funcionasse bem, se nós tivéssemos bons comboios, um bom comboio a funcionar na linha de Cascais, se tivesse um bom comboio a funcionar na linha de Sintra, se tivesse um bom transporte pesado de passageiros sobre a A5... O Paulo repare: uma das principais vias de acesso a Lisboa, que é a A5, onde está uma parte importante da população que reside em torno da A5, não tem transporte público dedicado. Quando vemos a situação em Loures da mesma forma, quando vemos as dificuldades que há na margem sul e o preço, o preço é importante porque passa na área limítrofe do passe... Se eu penalizar essas pessoas, que não têm verdadeira alternativa de transporte público à entrada de Lisboa, que problema é que eu resolvo? Não resolvo nenhum. Penalizo as pessoas.

Mas está a penalizar as pessoas que vêm para a cidade de carro.

Mas elas virão na mesma.

Quando está a fazer uma reabilitação urbana nas estradas, procurando que haja menos carros na cidade, está a dificultar a vida das pessoas que andam de carro.

Não, Paulo. Nós não nos podemos render à situação de que a solução para o problema que temos, que é este que acabei de descrever, uma quantidade muito grande de carros a entrar todos os dias na cidade e o aumento do número de carros quando a economia melhora, nós não nos podemos render a que a solução para isto é construir mais autoestradas dentro da cidade. Quando nós nos rendermos a isto, qual é o limite? Nenhum. Vamos demolir prédios? No limite, esta solução leva-nos sempre a construir mais autoestradas dentro da cidade. Ora, mais autoestradas dentro da cidade levam-nos também a ter menos pessoas dentro da cidade, leva-nos a ter menos qualidade de vida. É por isso que o programa que nós temos, das obras que tanto se falaram, de requalificação do espaço público...

Já não se fala tanto, está satisfeito com essa parte?

Não se fala tanto por duas razões óbvias: a primeira é que as obras fundamentais terminaram; a segunda é que eu acho que foram boas decisões que nós tomámos e acho que as pessoas reconhecem que foram investimentos necessários para melhorar a qualidade de vida na cidade, para melhorar a atratividade da cidade, para melhorar o investimento na cidade, para melhorar o emprego na cidade e esperemos nós com programas que temos lançado, também melhorar a habitação na cidade.

Deixe-se só, para que fique claro, regressar aqui à pergunta do Paulo quando ele lembrava essa decisão de melhorar o sistema de transporte pesado não é uma decisão da Câmara Municipal de Lisboa. Como candidato que se vai apresentar a eleições, o que é que vai garantir aos lisboetas? Que se vai bater por isso, que tem uma vantagem por ser do Partido Socialista e por o Governo ser atualmente do Partido Socialista e portanto consegue convencer melhor António Costa a fazer esse tipo de investimentos?

Gostava de relembrar, aliás um dado histórico, é que o metro era da Câmara de Lisboa. E a Câmara de Lisboa não abdicou de discutir as questões. Aliás, o decreto de nacionalização do metro tem previsto que a Câmara de Lisboa seja indemnizada pela nacionalização do metro, coisa que nunca foi.

Agora o que nós entendemos é o seguinte, a Carris sofreu muito nos últimos anos e o serviço foi muito deteriorado. Precisa de investimento, precisa de uma atenção muito grande da nossa parte.

E com franqueza, nós temos de ter também a noção das nossas capacidades e do que podemos fazer bem e do que podemos fazer melhor.

Eu acho que é um esforço muito grande, mas pelo qual acho que nós vamos ser capazes de daqui a quatro anos ter uma Carris que funciona de uma forma muito diferente daquela que funciona hoje, muito melhor, com melhores equipamentos, mais confortáveis, com mais rotas, com melhor serviço, melhores níveis de serviço. Eu posso garantir isso, como o nosso objetivo e condições humanas, físicas, organizacionais para o fazer.

Não me parecia realista estar a assumir as duas companhias em simultâneo. Até porque o grau de melhoria que uma câmara pode introduzir num caso e noutro são diferentes. Porque, vejamos, a Carris anda na via pública, quer sejam elétricos ou autocarros. Depende da câmara, por exemplo, se há mais ou menos faixas bus, se os autocarros podem ou não andar mais depressa, se eu instalo, por exemplo, sistemas de prioridade nos semáforos aos autocarros que vêm nas faixas bus, se eu construo linhas de metro-bus, no fundo aqueles sistemas dedicados a autocarros em pista própria dedicada que conseguem grandes velocidades comerciais. Isso é uma sinergia que a câmara pode fazer bem. Como a câmara pode fazer bem a sinergia com os parques de estacionamento que nos gerimos com a EMEL.

O metro é diferente. Qualquer câmara municipal fica sempre na dependência do estado central para a realização dos grandes investimentos de expansão do metro. Por isso, a câmara gerir o metro acrescenta muito menos ao cidadão, dá muito menos ao cidadão, do que dá a gestão da Carris. E temos de ter realismo, pegar nos dois problemas ao mesmo tempo podia ser demasiado e podíamos não fazer bem nenhum. Por isso é melhor fazermos bem aquilo que podemos fazer bem e que temos vantagem em fazer bem, que é a Carris.

E, aliás, aquilo que foi fechado com o governo é exatamente aquilo que esteve para ser fechado com o governo anterior no tempo do anterior secretário de estado Sérgio Monteiro.

Nós daqui a pouco ainda queremos falar da política nacional, portanto, precisamos mesmo de avançar porque o tempo está a correr. Eu não sei se há um focus group ou não que lhe diga isso, mas é evidente que nas redes sociais lhe dizem duas coisas: uma que já falamos, que é sobre a necessidade de ter melhores transportes públicos, porque a cidade é mais difícil para os automóveis, pela quantidade de automóveis que entram na cidade, e a outra é de que o turismo, sendo um motor económico muito importante para a cidade, está a causar um problema de habitação para os lisboetas, mesmo lisboetas que tenham vindo do Porto, como eu. Lisboa não corre o risco de ficar imprópria para os lisboetas, com esta pressão imobiliária que existe no centro da cidade?

Acho que há duas matérias, que eu não as colocaria da mesma forma ao mesmo nível, que é a questão da relação direta do impacto do turismo sobre o mercado de habitação. Tem relação, mas não é o fator único. É verdade a questão importante que foi colocada. A habitação e o direito à habitação é hoje uma prioridade central para o executivo e será no próximo mandato.

Porque nós estamos a viver uma conjugação de efeitos. Estamos a viver a conjugação do efeito das muito baixas taxas de juro, que se estão a prolongar e por isso estão a favorecer o investimento no imobiliário de novo. Estamos a ter um efeito de procura da cidade de Lisboa, também por questões fiscais, estamos a ter o efeito da atratividade da cidade de Lisboa como destino turístico e como destino de emprego qualificado para muita gente que hoje está aqui a fazer as suas vidas. Isto é tudo positivo do ponto de vista da vida da cidade, mas há uma consequência, é que está a haver um aumento de preços, do ponto de vista da habitação, que está a limitar o direito à habitação às classes médias.

Nós identificamos esta questão, e não é de agora, nós estamos a trabalhar para resolver esta questão já há algum tempo.

Vai perder alguém na câmara para a secretaria de estado de habitação? Estamos a gravar esta entrevista na quinta-feira, daqui a bocado saberemos, mas pode dizer porque ela não vai para o ar antes disso?

Pois, daqui a bocado, não.

Estava a dizer, nós já estamos a trabalhar sobre isto há bastante tempo. Nós estamos a trabalhar num programa de oferta pública de habitação dirigida às classes médias. Um programa de habitação que tem na sua fase inicial o objetivo de reabilitarmos ou construirmos mais de 6300 casas. Precisamente hoje, no dia em que estamos a fazer esta entrevista, nós aprovamos a reabilitação e a construção de mais 70 casas. No total, já estamos a começar o programa com 200 casas.

Teresa Leal Coelho diz que a câmara tem funcionado como um fundo imobiliário, ao propósito dessas iniciativas.

Essa apreciação, dita dessa forma não tem expressão. A câmara aliás adquiriu mais património do que vendeu ao longo deste mandato até 2016. Eu gostava era só de explicar um pouco o que estamos a fazer. Nós estamos a lançar um programa que pretende construir cerca de sete mil casas para as classes médias. Isto é, para as pessoas que ganham 700, 800, 1000 euros por mês, para aquela casal que possa ganhar 1500 euros por mês e que no fundo só pode pagar uma renda na casa dos 200, 300 ou 400 euros, no fundo um terço do seu rendimento. É neste segmento que nós estamos a trabalhar.

Nós já não estamos a trabalhar tanto na habitação social. Esse foi o grande desafio dos mandatos anteriores, de Jorge Sampaio, de João Soares, que resolveram um problema muito bem, com uma grande eficácia. Foi no tempo do primeiro-ministro Cavaco Silva quando se lançaram os programas de construção de habitação social para erradicar as barracas na cidade de Lisboa, e há muitos que se recordam disso. Nós resolvemos bem esse problema no passado.

Agora, nós precisamos de resolver o novo problema que temos. E o novo problema que temos é acesso à habitação para a classe média. Isto é a classe que ganha os 700, 800, 900, 1000 euros e que olham para o mercado de habitação da cidade de Lisboa e têm dificuldade em encontrar a sua casa. É para esses que nós estamos a construir e a reabilitar estas casas, em parceria com o setor privado porque só assim é que poderemos ser mais rápidos.

O que é que nós fizemos? Nós, aliás, fomos inspirar-nos no que tinha feito Duarte Pacheco, quando há umas décadas pegamos em 350 milhões de euros de património municipal, sejam prédios, sejam terrenos, para serem construídos pelo setor privado, que durante os períodos da concessão praticará rendas acessíveis, como digo, num intervalo médio entre os 200 e os 400 euros, entre os T0 e os T4.

É este programa que nos vai ser uma grande prioridade no mandato e o nosso objetivo é levá-lo ao fim neste dimensão e também, se formos bem-sucedidos, podermos ampliar, porque nós temos mais património municipal que podemos pôr ao dispor desta grande prioridade.

E apresentei ainda uma proposta, diria eu, de emergência, isto é, face à situação que a cidade vive. Eu acho que tem de ser alterado o regime do arrendamento urbano, privilegiando em matéria fiscal o que são os contratos de longa duração. Porque nós vivemos hoje numa circunstância em que a conjugação da lei das rendas de 2012 com a situação imobiliária está a fazer perigar e causar muita insegurança em muitas pessoas que têm contrato de arrendamento e que hoje não sabem se vão ser renovados, a que preço serão renovados, se não têm de ir para fora e onde é que vão colocar os seus filhos na escola. Esta ansiedade é intolerável, temos que pôr fim a esta ansiedade e por isso tem que haver uma ação da Assembleia da República, e é uma exigência que lhe estamos a fazer, para legislar com urgência sobre isto, para aumentar as rendas no setor privado, o número da oferta de casas do setor privado, enquanto o Estado, neste caso a câmara municipal, está com a sua verba, com o seu património e com a sua iniciativa a lançar um novo programa de renda.

Sim, mas temos senhorios que pagam menos impostos por alugar a casa a turistas que vêm ocupar a casa 15 dias ou um mês ou uma semana do que os impostas que pagam se alugarem a uma família para viver em Lisboa, é difícil que funcione. É isso que quer ver alterado?

É, é precisamente isso. Por isso é que nos propusemos que seja feito um regime para os contratos de longa duração, dez anos ou mais, em que a tributação seja inferior a metade do que é hoje a tributação efetiva para os contratos de longa duração. Isto é um regime adicional ao atual, não é para substituir o atual. Mantendo obviamente todas as garantias para que isto funcione, do ponto de vista das garantias em matérias de incumprimento do pagamento, de situações excecionais, tudo isso. Temos de ter uma solução que funcione, mas é criar um arrendamento em que a taxa de imposto seja entre 10% a 15% da taxa liberatória que seja paga pelos proprietários para que possam equacionar e dizer "Bom, se calhar eu vou para uma alternativa de curta duração e tenho esta rentabilidade, mas se eu for para uma alternativa de arrendamento de mais longo prazo, de mais estabilidade, eu, proprietário, também ganho com isto porque obtenho aqui uma renda fixa". Mas isto para as famílias é muito muito importante, porque no fundo têm uma previsibilidade que está a faltar hoje em muitos segmentos na classe média na cidade de Lisboa.

[citacao:Tancos é um caso grave, com impacto na imagem do país no exterior]

Pedrógão Grande, o assalto a Tancos, as viagens dos secretários de Estado. Este tipo de episódios traz descrédito ao Estado?

Não lhe chamaria descrédito. Esses episódios têm todos natureza diferente, coincidem no tempo e todos eles têm sinal negativo mas não os comparo, são todos de natureza diferente. Pedrógão foi uma tragédia que assolou o país, acho que era importante o cabal esclarecimento total de tudo o que se passou. Acho importantes os dados que já formam divulgados sobre a excecionalidade climatérica da situação mas era bom que se conhecesse tudo e se houve alguma falha ou algo a melhorar.

Mas admite que possa não ter havido uma falha numa tragédia onde morreram 64 pessoas, algumas delas numa estrada? Como é que olhou para aquilo até durante o acontecimento? Não ficou inseguro ao olhar para a incapacidade que o Estado, no sentido lato, teve de proteger aquelas pessoas?

Eu sei sobre aquele evento o mesmo que todos os cidadãos sabem. Assisti à tragédia com a consternação e o cheque que todos os cidadãos assistiram. Acho que não é correto duas situações, a primeira dizer que estes eventos acontecem e não temos nada a aprender e nada a melhorar. Outra coisa é criar uma falsa sensação às pessoas que é dizer que as tragédias não acontecem. Vemos por esse mundo fora outros países muito afetados por fogos florestais até muito desenvolvidos...

Mas não morrem 64 pessoas. Esse é o drama.

Eu não sei as razões, nenhum de vocês sabe.

Sabemos uma serie de coisas. Houve do ponto de vista meteorológico uma situação que nunca tinha acontecido. Houve alguma descoordenação no comando, várias coisas à acontecer. Estamos à espera de perceber.

É isso eu quero, como todos. Só posso partilhar a ambição de todos, saber exatamente o que aconteceu. Sabemos que houve uma excecionalidade meteorológica devido à rapidez do evento. Não sabemos ainda com rigor nem os problemas de coordenação nem se outra solução de coordenação podia ter tido outra solução e era muito importante que isso se estabelecesse. Uma pergunta muito importante é o tempo. Em Portugal devíamos ter estas respostas mais cedo no tempo, mais céleres.

Compreende este arrastamento da constituição da comissão independente?

Não, não compreendo mas acho que ninguém compreende. Acho que a comissão tem um tempo de constituição e de funcionamento muito mais longo do que acho desejável para uma matéria desta natureza. Tem de haver outro método, antes disso, para com rigor sabermos o que aconteceu.

Acha que acabou o estado de graça do Governo? Partilha dos que defendem que o Executivo ficou mais fragilizado depois destes vários episódios?

Acho que há uma coincidência temporal de casos que têm uma natureza diferente. Tancos, para mim, é um caso grave do ponto de vista do processo, do que aconteceu, com impacto na imagem do país no exterior. Isso é inequívoco e temos de recuperar com rapidez. Não é para mim claro qual é a cadeia de responsabilidades relativamente aquela matéria. Não partilho de nenhuma leitura simplista de que seja um problema de uma obra numa vedação. Não é. Naturalmente foi um problema mais complexo, mais profissional, do que propriamente isso. Como aliás os responsáveis vieram dize-lo.

O primeiro-ministro no debate do Estado da Nação veio fazer quilo que já se sabia que iria fazer, manifestar confiança política na ministra da Administração Interna e no ministro da Defesa. É uma condição essencial para se manterem no cargo. Reconhece que os dois ministros estão fragilizados politicamente e precisam de estra atentos àquilo que lhes acontecer a partir de agora?

Há algum facto que tenha sido imputado ao ministro da Defesa neste processo?

A responsabilidade de saber como estava o quartel de Tancos e como estavam a ser guardados os paióis.

Antes de chegar ao ministro há uma cadeia inteira e nós ainda não estamos esclarecidos. Separo as questões. Relativamente a Pedrogão, enquanto não houver apuramento acho que a ministra tomou uma decisão acertada, corajosa, aliás, num momento de pressão, que foi dizer "a minha função em primeiro lugar é estar à frente das forças e a comandar a operação num momento crítico do combate ao incêndio e depois de recuperação da normalidade possível das populações afetadas". Acho que ela esteve bem, teve coragem. Ter feito um ato de demissão para satisfazer as oposições na altura seria um ato que só iria prejudicar o desenvolvimento da sua missão. Relativamente a Pedrógão era importante que houvesse um esclarecimento de todos relativamente a tudo o que aconteceu na parte física e meteorológica do incêndio, o que é que aconteceu no dipositivo, se perante o normal funcionamento do dispositivo havia alguma coisa que pudesse ter sido evitada ou não, porque isso nós não sabemos. Podem ter acontecido falhas que não determinantes da tragédia que aconteceu, ou o contrario. Se for, então, sim, há responsabilidades sobre o funcionamento do dispositivo. É preciso que isso seja tudo esclarecido e tem de ser esclarecido em tempo, esta é que é a questão principal. O problema muitas vezes é arrastar-se no tempo a não-explicação. Vamos ficando nas dúvidas e versões contraditórias.

Outro caso que coincidiu no tempo tem a ver com a demissão dos três secretários de Estado. Pronunciou-se sobre isto à época, quando isto foi público. Na altura disse que eles tinham cometido um erro mas que não era caso para se demitir. A pergunta agora é se eles fizeram bem em ter-se demitido?

Creio que fizeram em para o governo, para a estabilidade do Governo e para a estabilidade do Governo, visto ter sido aberto um processo relativamente a este caso e eles terem pedido a sua passagem à condição de arguidos para se poderem defender dessa situação. Acho que a posição que eles tomaram protege melhor o Governo. Seria um desgaste permanente estarem sempre a ser questionados sobre a sua autoridade enquanto arguidos num processo desta natureza. Também os liberta para a sua defesa. Mantenho o que digo relativamente em particular a Fernando Rocha Andrade, acho que perdemos um grande servidor público, com qualidade, uma pessoa dedicada. Não vejo que lhe possa ser imputada qualquer relação, causalidade, ato menos próprio no exercício das suas funções. É diferente a apreciação que eu faço de terem cometido um erro, do que a apreciação se isto é matéria-crime. Isso já não me compete avaliar.

O Governo nunca assumiu que não tinha havido ali um erro. Assume essa divergência de opinião com o Governo?

Fui confrontado há uns meses atrás com a pergunta de eu ter sido convidado nas mesmas circunstâncias, o que tive oportunidade de esclarecer que sim e também da minha recusa e das razoes da minha recusa.

Quais foram?

Foram duas. A primeira, fundamental, teve a ver com a funzone incrível ali montada no Terreiro do Paço, não querendo poupar no elogio da casa.

E que era grátis para toda a gente.

E onde tivemos oportunidade de ver todos a vitória da Seleção, ali no Terreiro do Paço, e vibrar daquela forma incrível. A segunda razão tem a ver com uma apreciação própria que fiz. Não me pareceu bem, não me pareceu próprio, adequado. É uma apreciação minha.

Nunca aceitou convites de empresas para ir a jogos de futebol, para ir a festivais? Nunca aceitou este tipo de prendas? É um princípio seu?

O problema da situação da lei portuguesa é esta abertura que deixa todos na dúvida e na incerteza.

O código de conduta não resolveu isso?

A posteriori.

Mas resolve?

A posteriori. Acho que aliás um código de conduta ou até uma alteração da lei que clarifique. Senão a partir de certa altura todos ficam sobre receio e sobre suspeita. Não acredito, porque o conheço e tenho a confiança para poder dizer isto, que Rocha Andrade, de todos aquele que eu conheço melhor, é um servidor público dedicado e não lhe passaria aceitar um convite se alguma vez achasse que isso iria por em causa a sua autoridade enquanto membro do Governo para poder lidar com quem quer que seja. O não ser escrito e não estar bem claro o que e que é aceitável, o que não é aceitável e em que condições pode ser aceite cria um problema de incerteza que deve ser resolvido. O Governo aprovou um código de conduta a posteriori. Se tivesse tido o código de conduta antes porventura as decisões teriam sido outras. Vocês conhecem muito melhor do que eu de que há um conjunto de práticas que se generalizou no país de viagens, de jogos. Vão jornalistas, vão políticos, vão patrocinadores, vão clientes das empresas, vão fornecedores das empresas. Convenhamos, se é feito um convite a 500 ou 600 pessoas é diferente de ser feito um convite a um ou a dois. Agora a lei é a que é, as circunstâncias são as que são. Acho que o país perde duplamente. No caso Rocha Andrade tem um peso importante, e falo dele porque o conheço melhor, mas também perde relativamente à imagem que isto cria da política. E ao receio que sentem muitas pessoas sobre se aceitam funções públicas e como as vão exercer. Acima de tudo a incerteza.

Foi chamado a depor no Ministério Público sobre esta matéria? Foi lá dizer o que nos está a dizer a nós? Foi como testemunha?

Fui como testemunha e não posso dizer mais do que aquilo que já disse publicamente obre isto.

Acho que não me respondeu à pergunta de há bocado. Já alguma vez aceitou alguma coisa que depois tenha ficado a pensar "se calhar não devia ter aceitado"?

Não, claro que não. Senão tinha aceite.

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