Uma biografia em que Marcelo recusou colaborar

Investigação conduzida por Joaquim Vieira detalha todos os aspetos do fundador do PSD e empresário que revolucionou o jornalismo em Portugal. Sem ignorar o lado pessoal.
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Numa altura em que o grupo Impresa vive em assumidas dificuldades, com anúncios de intenção de venda de todo o setor da imprensa escrita (exceto o Expresso), chega às livrarias, no dia 30, aquele que é o mais profundo trabalho de investigação alguma vez feito sobre a vida do líder e dono do grupo, Francisco Pinto Balsemão.

Da autoria de Joaquim Vieira - jornalista, ensaísta e documentarista nascido em 1951 que durante quase 15 anos fez parte, como jornalista do Expresso, da folha de pagamento de Balsemão -, a biografia, feita sem a colaboração do biografado, estende-se por cerca de 600 páginas. Toca, em detalhe, todos os aspetos da vida de uma personalidade incontornável, no jornalismo e na política, naquilo que foi a fase final da ditadura derrotada em 1974 e no que seria depois a construção da democracia.

Nascido em setembro de 1937 em Lisboa, filho único de uma família da alta burguesia, educado em casa (num palacete da Lapa) durante o ensino primário, começou a revolucionar o jornalismo português nos anos 60 ao tomar conta do Diário Popular (uma herança de família) - dividiu, por exemplo, a redação em secções, porque até lá "era tudo ao molho". Continuou a fazê-lo a partir de 1973 quando criou o Expresso e prosseguiu em 1992, fundando a SIC, o primeiro canal privado de televisão que conseguiu destronar a RTP do topo das audiências.

Politicamente, foi escolha pessoal e direta do então Presidente do Conselho, Marcelo Caetano, para integrar em 1969 a chamada Ala Liberal, o grupo de jovens com que o sucessor de Salazar pretendia, supostamente, refrescar o regime. Foi neste grupo, aliás, que conheceu muitos daqueles com quem depois fundaria em 1974 o PPD (hoje PPD-PSD), sob a liderança de Francisco Sá Carneiro - o advogado do Porto de quem Balsemão herdaria o cargo político mais importante que ocupou na sua vida (primeiro-ministro, de janeiro de 1981 a junho de 1983).

O livro detalha todos os estes aspetos da vida do empresário mas entra também - e em profundidade - pela sua vida pessoal. Conta, por exemplo, com vários pormenores - por via do acesso ao processo judicial - algo que toda a gente sabe há anos nos mentideros da política e da alta sociedade lisboeta mas que o grande público porventura desconhece: que Balsemão teve em outubro de 1970 um filho ilegítimo de uma relação extraconjugal com uma "menina bem" do regime, Isabel Supico Pinto, e que foram precisos mais de sete anos em andanças judiciais, iniciadas antes do 25 de Abril mas encerradas só depois (1977), interpostas pela mãe, para ser obrigado a reconhecer-lhe a paternidade. Conta também que, no início da gravidez, Balsemão até pagou a Isabel para esta fazer um aborto na Suíça, algo que só não aconteceu porque o prazo legal fora ultrapassado. Ouvido pelo DN, Joaquim Vieira afirma que foi este o aspeto da vida do biografado que mais o surpreendeu. Até porque, anos depois, em 1983, seria com Balsemão à frente que a AD (Aliança Democrática, coligação PSD+CDS+PPM) chumbaria uma proposta do PCP para despenalizar o aborto. Balsemão só conheceria bem o filho já este era adolescente. Hoje Francisco Maria está completamente integrado na família.

"Lelé da cuca"

O livro contou com várias fontes - muitas delas anónimas - e uma importantíssima recusa: Marcelo Rebelo de Sousa. Em 1978, Balsemão dirigia o Expresso e Marcelo era o seu subdiretor. Foi nesta qualidade que, por aposta com uma namorada, Marcelo inseriu no jornal uma frase infame: "O Balsemão é lelé da cuca." A relação nunca mais seria a mesma - mas não houve rutura absoluta, porque, como explica alguém, Francisco Pinto Balsemão nunca foi homem de "virar mesas". Marcelo chegaria a diretor do semanário em 1980. Pode ser que apareça no lançamento da obra.

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