Um ex-chefe militar arguido pela primeira vez num caso criminal

Tribunal da Relação de Lisboa mandou juiz de instrução criminal ouvir um almirante e um vice-almirante, este no ativo, acusados da prática de vários crimes no exercício de funções.

Não há memória de oficiais generais das Forças Armadas serem ouvidos como arguidos em processos crime. Nem em democracia e muito menos no Estado Novo. Ora é o que vai acontecer agora e logo com um antigo chefe militar, o almirante Macieira Fragoso, bem como do seu então chefe de gabinete e atual Comandante Naval, vice-almirante Gouveia e Melo.

Os alegados crimes cometidos por esses arguidos são quatro: dois de denúncia caluniosa, um de abuso de poder e outro de falsificação de documento - sobre os quais o Tribunal da Relação de Lisboa diz o seguinte: "O requerimento de abertura de instrução contém a enunciação dos factos suscetíveis de preencherem todos os elementos objetivos e subjetivos dos crimes imputados."

Na origem do processo está o capitão-de-mar-e-guerra Jorge Silva Paulo, representado pelo advogado Garcia Pereira e cuja sentença favorável da Relação surge após o Ministério Público arquivar a queixa e o juiz de instrução criminal, a seguir, fazer o mesmo ao recurso.

Para o Tribunal da Relação, o juiz de primeira instância "antecipou uma decisão instrutória de arquivamento, sem quaisquer diligências e sem a realização do debate instrutório". Por isso, mandou "revogar o despacho recorrido" para "ser substituído por outro que não rejeite o requerimento de abertura de instrução com fundamento em inadmissibilidade legal".

Segundo a queixa de Jorge Silva Paulo, o almirante Macieira Fragoso participou criminalmente contra si junto da Procuradoria-Geral da República (PGR) por alegada "difamação da Marinha", juntando artigos de jornal que escreveu no Diário de Notícias e que, segundo Silva Paulo, em "80% [dos casos] já se tinha extinguido o direito de queixa".

Jorge Silva Paulo questionava nesses artigos a continuada intervenção da Marinha - que a própria lei orgânica diz ser exclusivamente um ramo das Forças Armadas - na segurança interna, ao auto-assumir-se como Autoridade Marítima Nacional e alegando ter poderes para fiscalizar embarcações de pesca ou interpelar cidadãos no mar.

O então chefe do Estado-Maior da Marinha acusou também Silva Paulo de "violação do segredo de Estado" por citar o que dizia ser "um documento militar da Marinha [com] a classificação de segurança militar de "reservado" e a classificação de segredo de Estado" - quando o texto, declara Silva Paulo, "era apenas um escrito pessoal" de Gouveia e Melo aquando da sua passagem pela Direção-Geral da Autoridade Marítima.

Macieira Fragoso, enfatiza Silva Paulo, "não é titular de qualquer dos órgãos" com poder para classificar documentos como segredo de Estado e "não demonstrou que algum órgão competente" para tal o tivesse feito. Daí que Macieira Fragoso, enquanto "alto funcionário do Estado" e para obter a condenação daquele oficial e causar prejuízos ao seu bom nome e património, também seja acusado da prática dos crimes de "abuso de poder" e de "falsificação de documento".

Quanto a Gouveia e Melo, oficial do mesmo curso de Jorge Silva Paulo na Escola Naval (e que autoclassificou o seu próprio estudo como "reservado"), declarou ao Ministério Público "não gostar das opiniões" de Silva Paulo e "foi solidário" com a queixa apresentada por Macieira Fragoso, quando podia ter-se demarcado ou rejeitado as alegações do seu chefe, alega Silva Paulo.

Note-se que o juiz de primeira instância, após ouvir o almirante Macieira Fragoso e o vice-almirante Gouveia e Melo como arguidos, pode decidir novamente pelo arquivamento do processo ou pelo seu envio para tribunal. A serem acusados da prática daqueles crimes, os dois oficiais generais podem ser punidos com pena de prisão até três anos ou multa (denúncia caluniosa); prisão até três anos ou multa se pena mais grave não resultar de outra disposição legal (abuso de poder); prisão até três anos ou multa - ou pena de prisão de um a cinco anos (falsificação de documento).

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