Um bom ano para a boa morte?
Pelo menos três projetos de lei - PAN, BE e Verdes - e liberdade de voto no PS e no PSD prometem suspense: é desta que os projetos de lei vão a votos? E passarão?
Com o primeiro-ministro e Rui Rio, candidato a líder do PSD, a favor, assim como, a crer nas sondagens, a maioria dos portugueses, a despenalização e regulamentação de eutanásia e suicídio assistido podem ter em 2018 o seu ano decisivo.
Logo no primeiro trimestre, ao projeto de lei apresentado em fevereiro de 2017 pelo deputado único do PAN juntar-se-ão outros dois, de BE e Verdes. E , de acordo com Isabel Moreira - que com a também deputada do PS Antónia Almeida Santos apresentou uma moção ao congresso do partido sobre despenalização da eutanásia que foi aprovada por maioria, com voto favorável de António Costa - não está fora de questão surgir um projeto de lei socialista.
Caso se avance para votação, porém, deverá existir liberdade de voto nas bancadas dos dois maiores partidos, que somam 175 deputados. O que deixa tudo em aberto, mesmo no caso de o PCP, que ainda não definiu a sua posição, decidir pelo sim. Haverá deputados do PSD a votar a favor (pelo menos Paula Teixeira da Cruz, que, como Rio, assinou uma petição nesse sentido e diz ao DN achar "extraordinário que se fale disso como uma questão fraturante") mas também no PS se antevê divisão. "Ainda não houve debate no seio do grupo", informa Isabel Moreira, que confessa não ter ideia de como se distribuem as forças.
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Sem fissuras no contra estarão os 18 deputados do CDS. "Ninguém no grupo parlamentar disse ter outra posição", garante a centrista Isabel Galriça Neto. Quanto à ideia de referendar a questão, hesita: "Nes-te momento não estamos a propor isso." O que defende, citando o PR, é que "é preciso aprofundar o debate." Também, para já, a favor de mais debate e sobretudo de reflexão se pronuncia o PCP, que vale 15 votos, pela voz de António Filipe: "Não tencionamos apresentar projeto mas cremos que o debate se deve fazer. É uma matéria complexa onde não deve haver visões a preto-e-branco. Teremos posição em função do que seja proposto mas combateremos qualquer perspetiva que possa conduzir a uma banalização da eutanásia." Apesar de os Verdes, com dois deputados, fazerem parte da mesma coligação, não é inédito o PCP abster-se na votação de projetos do aliado - nunca sucedeu foi votar contra.
Francisco Madeira Lopes, o ex-parlamentar de Os Verdes que está a trabalhar no projeto respetivo, confessa "não ter feito nem estar a acompanhar contas de cabeça para a aprovação", mas recusa "a ideia de que é preciso continuar a debater como forma de não legislar". Ainda assim, assume a dificuldade de legislar: "Não consigo apontar um modelo internacional como perfeito. A dificuldade obviamente é que este tipo de situação tem de ocorrer no SNS e tem de se perceber como." Também o BE declara, através do deputado José Manuel Pureza, que o seu projeto será "muito prudente" e no essencial muito semelhante ao anteprojeto apresentado no início. "As alterações são sobretudo a nível dos procedimentos." Católico, Pureza tem assistido a numerosos debates sobre o assunto em paróquias e considera que têm sido "muito interessantes e ricos. Há sempre alguém que fala de um caso concreto e aí tudo o que é princípio moral cai pela base. Porque a força desta questão são as histórias, é a vida. Não tenho assistido quase nunca ao argumento brutal do tipo "querem matar os velhos" ou "o mais fácil é dar a morte"." O povo fala muito da "morte santa", que é a de quem não sofre. O acolhimento da eutanásia é muito maior do que se poderia pensar."
Entre 2008 e 2017, em três consultas da Eurosondagem, o "sim" variou entre 50% há nove anos e 46,1% em fevereiro passado, passando por 67,4% em 2016, aquando do auge do debate sobre a petição "Pelo direito a morrer com dignidade". Entregue na AR em abril desse ano, com 8400 assinaturas, esta seria debatida no início deste, altura em que o PAN apresentou a sua proposta e o BE um anteprojeto.
Das audições que precederam a discussão da iniciativa cidadã resultou a noção de que nada na Constituição impede que se legisle sobre eutanásia. Costa Andrade, um dos juristas ouvidos e atual presidente do Tribunal Constitucional, certificou que "a questão da inconstitucionalidade não se coloca: a penalização e a despenalização da morte assistida são ambas constitucionais porque a Constituição, após a previsão dos valores fundamentais "vida" e "autonomia" delega no legislador ordinário a faculdade de maximizar e compatibilizar esses dois valores fundamentais."
Uma petição contrária à referida deu entrada a 25 de janeiro na AR, com 14 mil assinaturas. Intitulada "Toda a vida tem dignidade", desencadeou novo ciclo de audições. Há quem, como Isabel Moreira, manifeste perplexidade ante o arrastar das mesmas: "É que enquanto não acabar o grupo de trabalho desta petição não se podem agendar iniciativas relativas aos projetos de lei." As audições associadas à petição anterior decorreram em dois meses.